Suicídio é 14 vezes mais mortal ao policial mineiro do que confrontos: ‘Nossa categoria está doente’

Amanda Dias/Yuran Khan/BHAZ

O policial mineiro morre mais por suicídio do que pela altíssima periculosidade inerente à profissão – precisamente, 14 vezes mais. O alarmante dado publicado pelo Anuário da Segurança Pública revela que, das 30 mortes de policiais registradas entre 2017 e 2018, 24 foram causadas pelo autoextermínio – ou 80%. A estatística reforça a preocupação das próprias autoridades e de estudiosos.

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O preocupante cenário não é exclusividade de Minas. Apenas no ano passado, foram registrados 187 óbitos de policiais – civis e militares – em todo o Brasil (aliás, nas 19 unidades federativas que divulgaram os dados – veja lista completa abaixo). Desse total, 104 ocorreram por autoextermínio – o que representa a maioria e um aumento de 42% em comparação ao ano anterior, 2017.

Mas por qual motivo esses números só aumentam?

“Não há uma causa específica, mas eu diria que a cobrança excessiva faz com que os agentes se ‘tornem super-heróis’, algo que não são. A sociedade acredita que o policial nunca erra e, quando ele se depara em uma situação de frustração, acaba sendo pressionado e isso gera um estresse”, analisa ao BHAZ o especialista em segurança pública e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio Reis.

O soldado Francisco Barroso é um desses números frios. O agente de segurança tirou sua própria vida em agosto do ano passado e deixou um recado na carta de despedida. “Foram 9 anos na Polícia Militar e eu vos digo, caros amigos: cuidem-se! A polícia é super estressante e, como no meu caso, pode ser fatal”.

O anuário, que norteia as políticas públicas em todo o país, informa apenas dados de anos já concluídos, portanto, 2019 foi excluído do estudo (leia mais sobre o tema no próximo tópico). No ano passado, um policial mineiro morreu em confronto durante o serviço, enquanto 14 se mataram – 10 militares e quatro policiais civis.

‘Categoria doente’

A situação acendeu o alerta nos próprios policiais: foi realizada uma pesquisa sobre a saúde mental dos militares em Minas pela Aspra-MG (Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais) e a ONG Defesa Social. Mais da metade dos entrevistados – 53,8% – admitiram já ter feito uso de calmantes e medicamentos para depressão, insônia em algum momento na carreira.

Em Minas, os policiais contam com uma preocupação a mais: a dificuldade para receber em dia do governo. Desde 2016, o então governador Fernando Pimentel (PT) passou a escalonar o salário de todos os servidores dada a situação dos cofres públicos – o que foi mantido pelo atual gestor, Romeu Zema (Novo). O 13º relativo ao ano passado, inclusive, foi quitado apenas em maio.

“A nossa categoria está doente, pois aumentou-se a necessidade de reduzir os números de crime e isso tem feito com que, principalmente, os mais novos sofram”, afirma o subtenente e diretor da Aspra, Heder Martins de Oliveira. A pesquisa aponta também que 79% dos militares consideram o trabalho na segurança pública como “muito estressante”.

Como dito anteriormente, o anuário trabalho apenas com apenas concluídos, mas a Aspra levantou que 11 militares já se mataram neste ano. O assustador número poderia ser ainda maior: há alguns dias, militares de Cambuí, no Sul de Minas, tentaram o autoextermínio.

Na pesquisa da Aspra e da ONG Defesa Social, 72% dos militares entrevistados disseram que a alta carga de serviço é uma das principais razões para o adoecimento psicológico. Militares de todos os postos e patentes foram ouvidos no levantamento.

A necessidade de combater a violência e por vezes a frustração de não cumprir o objetivo faz com que alguns agentes se sintam “fracassados”, algo que, segundo Robson Sávio Reis, não é aceito nas instituições.

“As exigências feitas são sobre humanas e quando os profissionais da ponta, que são os soldados e os cabos, não conseguem seguir o que foi determinado acabam se sentido fracassados. Eles se veem numa situação de sofrimento”, diz o especialista em segurança pública.

Afastamento médico

Apontadas como a principal razão para os suicídio, razões psiquiátricas têm feito com que policiais se afastem para cuidar da saúde. A mesma pesquisa feita pela Aspra e pela ONG Defesa Social mostra que 42,7% dos policiais entrevistados já tiraram licença por esse motivo.

Com o objetivo de buscar entender o que leva esses profissionais a desenvolver as doenças, a Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais (AOPMBM) inaugurará um Núcleo de Assistência.

“O aumento de suicídio é alarmante e estamos tomando providências para amenizar esse tipo de situação. Em breve vamos lançar o Núcleo de Assistência à Família Militar. Junto de psicólogos vamos analisar os reais motivos dessa situação e vamos tomar medidas”, diz o diretor de Relações Públicas e Institucionais da associação, Ernane Panpoja.

Como reverter?

A diminuição dos números de suicídio, segundo estudiosos, passa por uma reconstrução cultural e por uma “quebra” de resistência. “Para mudarmos o cenário é preciso quebrar a resistência de que policial tem que dar conta de tudo e que não pode procurar ajuda”, afirma o psicólogo e psicanalista Eduardo Andrade.

Para o especialista Robson Sávio, somente uma mudança cultural fará com que o cenário seja alterado. “É difícil mudar de imediato, pois está na nossa cultura que policiais e líderes religiosos são super heróis. Precisamos passar por uma mudança cultural”, disse.

O acesso dos policiais a armas, aliado à responsabilidade da profissão, são fatores que aumentam a possibilidade de suicídio, conforme ressalta o psicólogo Eduardo.

“O excesso de responsabilidade é um fator pesado e pode tornar-se insustentável. Na falta de alternativas, por não terem um tratamento ou acompanhamento, o suicídio vira opção, até mesmo pelo fato deles terem acesso a instrumentos destrutivos. Por isso, temos receio com relação ao armamento da população”.

Romper o preconceito e procurar ajuda médica é essencial para que o cenário tenha uma mudança, ainda conforme os especialistas. “Temos que mudar o pensamento de que psicologia e psiquiatria são coisas pejorativas. Procurar ajuda melhora a qualidade de vida em todos os sentidos, no âmbito profissional e pessoal”, concluiu o psicólogo.

Prevenção ao suicídio

Ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que auxilia na prevenção do suicídio, passaram a ser gratuitas em todo o país em julho do ano passado. Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado em 2017, permitiu o acesso gratuito ao serviço, prestado pelo telefone 188.

Por meio do número, pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou que correm risco de cometer suicídio conversam com voluntários da instituição e são aconselhados. Antes, o serviço era cobrado e prestado por meio do 141.

A ligação gratuita para o CVV começou a ser implantada em Santa Maria (RS), há quatro anos, após o incêndio na boate Kiss, que matou 242 jovens. O centro existe há 55 anos e tem mais de 2 mil voluntários atuando na prevenção ao suicídio. A assistência também é prestada pessoalmente, por e-mail ou chat.

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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