Após 3 mortes em 10 dias relacionadas a apps de motos, especialista sentencia: ‘é um convite a visitar o João XXIII’

acidente uber moto
Três pessoas morreram em BH, nos últimos 10 dias, em acidentes de trânsito envolvendo o transporte em motos por aplicativo (Reprodução/Redes sociais)

Em dez dias, ao menos três pessoas morreram em Belo Horizonte, vítimas de acidentes de trânsito envolvendo o transporte em motos por aplicativo. Esse número expressivo acende um alerta preocupante sobre a utilização do serviço Uber e 99 Moto, que chegou em BH em outubro de 2021 e ainda não tem regulamentação específica.

Na segunda-feira, 22 de abril, uma mulher de 30 anos morreu após um acidente na avenida Dom Pedro I, no bairro São João Batista, região de Venda Nova. Segundo o Corpo de Bombeiros, a vítima estava na garupa de uma moto que se chocou com um caminhão.

No sábado (20), um motociclista que prestava o serviço também morreu em um acidente no bairro Lagoinha, na regional Noroeste de BH. Já no dia 12, uma passageira que estava na garupa foi atropelada por um caminhão no Anel Rodoviário, na altura do bairro Olhos D’água, e também não resistiu aos ferimentos.

Ao BHAZ, a esposa de Demétrius Angel da Silva, o motociclista que morreu no bairro Lagoinha, disse que ele trabalhava há dois anos com entregas e que mais recentemente havia começado a transportar passageiros.

“Eu sempre senti aquele aperto, porque querendo ou não é um risco muito grande. Quem trabalha com moto pode passar por locais onde tem muita carreta e corre risco de sofrer acidentes. Mas a gente dependia do dinheiro do trabalho dele, eu ficava em casa com a nossa filha”, disse Samara Santos.

Números preocupam

Foi justamente o aumento do número de acidentes envolvendo o serviço e a falta de regulamentação que fez com que a modalidade de transporte fosse suspensa em São Paulo no ano passado. Em Belo Horizonte, por sua vez, o uso de motocicletas como transporte de passageiros ainda está em análise na esfera municipal (leia o posicionamento da PBH abaixo) mais de dois anos depois do começo da prestação do serviço.

Para o especialista Silvestre Andrade, consultor de trânsito, os números de acidentes com vítimas envolvendo motociclistas, no geral, estão relacionados a dois fatores principais: imprudência e falta de proteção.

Segundo números da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), fornecidos a pedido do BHAZ, na capital mineira, ocorreram 10.195 acidentes de trânsito envolvendo motocicletas em BH durante 2023, número 19% maior que o registrado em 2022, quando foram registrados 8.574 acidentes.

“Eles acabam tendo um tempo e uma pressa de andar no trânsito que é incompatível. Então o comportamento inadequado de uma parcela significativa de motociclistas é causa causa direta de acidentes”, avalia Silvestre Andrade.

O especialista também pontua que a moto é um veículo de segurança muito frágil para a potência que tem. “Ela atinge uma velocidade expressiva, mas o motociclista está desprotegido. Dentro de um carro ou ônibus, por exemplo, os condutores estão dentro de uma armadura, uma cápsula de proteção. Automóveis tem airbag, cinto de segurança e na moto não tem nada, só você e seu corpo”, acrescentou.

As más condições das vias e até mesmo fenômenos climáticos, como chuvas extremas, por exemplo, também são mencionadas pelo consultor de trânsito como impactos brutais para motoqueiros.

“Um buraco, por exemplo, é um problema sério pra uma moto, muito mais que para um carro. Muitas vezes ele [o buraco] pode fazer com que o condutor perca o controle da moto e seja jogado para o trânsito. Além disso, como a moto não tem proteção, se chove, principalmente, você tem problemas sérios de visibilidade”, reforçou.

Ministério do Trabalho pede suspensão do serviço em BH

Em dezembro de 2023, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE-MG) enviou à Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e à prefeitura um pedido para que o transporte de passageiros em motos por aplicativo fosse suspenso na capital mineira, o que não chegou a acontecer.

Ao BHAZ, o superintendente da SRTE-MG, Carlos Calazans, explicou na época que o órgão pede que as autoridades regulamentem o serviço para que haja mais segurança para motociclistas e passageiros.

“A cidade está convivendo com um caos. Depois da minha proposta de suspensão, nós recebemos dezenas de informações de gente que quebrou o pé, o braço. Pedimos para que a cidade se prepare melhor. Não tem condições de colocar as pessoas na traseira da moto de qualquer jeito”, explicou ele.

‘A moto na mobilidade é convite a visitar o João XXIII’

O consultor Silvestre de Andrade compartilha da mesma visão de Carlos Calazans. Para ele, a motocicleta não é o meio de transporte mais adequado para oferecer esse tipo de serviço. “A moto na mobilidade é um convite a visitar o João XXIII”, diz o especialista em trânsito sobre o hospital de pronto-socorro. E acrescenta: “Se você tem amor à sua vida, minha recomendação é não usar o serviço, mas, se a sua vida não está valendo tanto…”

Pelo João XXIII, só até 21 de abril, 2.095 casos graves de acidentes com motos em BH foram atendidos, segundo dados da Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais) que mantém a unidade hospitalar.

“Em termos de segurança de trânsito, ter a moto como serviço de transporte público é inadequado. Você paga por um serviço que não vai te garantir nem segurança, nem conforto e nem higiene, que são os requisitos básicos para a prestação de um serviço”, pontuou.

“Se a moto já é perigosa para o condutor, e gera mais acidentes que qualquer outro tipo de veículo, para o passageiro é mais perigoso ainda. O condutor, de alguma forma, sabe o que está acontecendo e tem uma reação mais rápida, já quem está atrás não tá vendo direito”, reforça o especialista.

É possível encontrar uma solução?

Na outra ponta do debate estão os motociclistas, que, na maioria das vezes, precisam prestar esse tipo de serviço para colocar comida na mesa. Donizete Antônio de Oliveira, presidente do Sindicato dos Mototaxistas, Motofretistas e Ciclistas Autônomos de Minas Gerais, disse ao BHAZ que os desafios enfrentados pela categoria são diários, mas que a luta precisa continuar.

“Eu não vou dizer que há preconceito [com os motociclistas], mas há uma falta de respeito muito grande. O condutor do veículo de quatro rodas está totalmente protegido e ele sabe disso. Quando ele vê o motociclista, ele não se importa. Não generalizando, mas falta educação e respeito mútuo”, pontuou.

Para Donizete, a alta de acidentes envolvendo o transporte de passageiros em moto pode estar relacionada à popularidade da modalidade, que também cresce em Belo Horizonte, aliada ao interesse de cada vez mais motociclistas em prestarem o serviço.

“A demanda de mão de obra está aumentando, o quantitativo de trabalhador aumenta demais. Com as más condições do sistema, automaticamente vai haver o aumento também dessas fatalidades. Uma coisa a gente tem de conhecimento é que esse serviço precisa de prática. Quanto mais você pratica, mais apto você fica de se defender do trânsito agressivo”, observou.

O presidente da categoria concorda que há a necessidade de uma regulamentação desse tipo de transporte, até mesmo para garantir mais segurança aos trabalhadores. Ele acredita, ainda, que o assunto deve ser debatido com quem vive o dia a dia em cima de duas rodas.

“Tem que haver uma fiscalização mais rigorosa, não apenas em cima do motociclista, mas em cima de todos aqueles infringem a lei. A questão é sentar, fazer uma análise profunda do sistema, com representações legítimas que conhecem a fundo o processo. Não adianta discutir o assunto com quem sequer tem vínculo com esse trabalho, quem pode falar do sistema é quem realmente trabalha com o sistema”, disse Donizete.

Prefeitura diz estudar o serviço de mototáxi em BH

A reportagem questionou a Prefeitura de Belo Horizonte sobre a falta de regulamentação do serviço na capital e também perguntou se há chances de o serviço ser suspenso até que se defina com mais clareza as regras para esse tipo de transporte, como ocorreu em São Paulo.

Ao BHAZ, a administração municipal disse que o funcionamento do transporte por aplicativo no país está amparado por duas leis federais. Ainda segundo a prefeitura, a Superintendência de Mobilidade do Município (Sumob) “está desenvolvendo estudos do impacto do serviço de mototáxi em Belo Horizonte, que requerem uma análise detalhada de dados, principalmente em relação à segurança no trânsito”.

O que dizem as plataformas?

A reportagem questionou a Uber e a 99, principais plataformas que oferecem o serviço de mobilidade por moto em BH, para saber como elas se posicionam diante dos crescentes casos de acidente de trânsito.

Ao BHAZ, a 99 disse que para se cadastrar na plataforma, os motociclistas “passam por um rigoroso processo com análise de documentos como CPF, CNH, licenciamento do veículo e checagem de antecedentes”.

Segundo a empresa, os condutores precisam ter 19 anos ou mais e ter carteira de habilitação definitiva na categoria A ou AB.

“O uso de capacete durante a corrida é obrigatório para todos os usuários e os motociclistas parceiros do 99Moto recebem, periodicamente, conteúdo educacional, como explicações de regras de trânsito e direção defensiva. Todos os usuários – condutores e passageiros – são cobertos por seguro contra acidentes, válido do início ao fim da corrida”, disse a empresa.

A Uber, por sua vez, não respondeu diretamente aos questionamentos feitos pela reportagem. Por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), a empresa disse que “investe e trabalha continuamente para buscar cada vez mais proteção por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada corrida”.

Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!