Médica é alvo de linchamento virtual após morrer de Covid-19 e família contesta versão

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Família questiona versão de que médica morta teria duvidado do novo coronavírus (Arquivo Pessoal/Paula Abrantes + Reprodução/Facebook)

A médica Lúcia Dantas Abrantes de 66 anos morreu depois de ser infectada pelo novo coronavírus. Depois do falecimento, ela tornou-se alvo de um linchamento virtual por conta de postagens em seu perfil nas redes sociais. Imagens mostram a médica supostamente minimizando os efeitos da doença, criticando o isolamento social e convocando a população para carreatas. No entanto, a família contesta a versão amplamente divulgada e diz que as postagens foram tiradas de contexto.

Especialista ouvida pela reportagem explica que esse tipo de linchamento tem se tornado mais comum no ambiente digital, principalmente quando se envolvem questões políticas e militâncias.

Lúcia Dantas Abrantes faleceu na última sexta-feira (10), na cidade de Iguatu, no interior do Ceará, após contrair a Covid-19. Ela chegou a ficar internada em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas não resistiu. Lúcia e o filho foram contaminados, no entanto a médica tinha asma, o que agravou o estado de saúde. O filho dela está em recuperação e não corre risco.

De acordo com a Secretaria de Saúde do município cearense, Lúcia passou a apresentar sintomas da doença após uma viagem a Fortaleza, ainda no fim de março. Ela foi internada e testou positivo para a doença.

Na versão da família, a médica foi prestar um plantão no interior do Estado do Ceará e teve contato com pacientes que vinham de São Paulo, desde então ela começou a apresentar sintomas.

Após a morte da médica, postagens que ela fez sobre o isolamento social, os protestos do dia 15 de março – convocados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) -, e críticas ao número de mortes no Brasil vieram à tona. Os ataques deram a entender que Lúcia desdenhou do vírus, como outros apoiadores do presidente, e acabou se tornando uma vítima.

No entanto, a família da Lúcia garante que tudo não passou de um mal entendido e que a imagem da médica, que dedicou grande parte da sua vida à saúde pública, tem sido manchada. Segundo a irmã da médica, Paula Abrantes, a história construída pela doutora foi manchada após sua morte.

“Na realidade a história foi completamente distorcida. Ela fez uma postagem sobre a carreata ironizando o governo que estava conclamando o povo para ir ás ruas. Lucia era anti-Bolsonaro e em nenhum momento ela fez campanha contra o isolamento social, tanto é que ela estava em isolamento”, esclarece a irmã da médica, a advogada Paula Abrantes.

Pelas redes sociais, a filha de Lúcia, Keka Abrantes, também fez um texto em homenagem à mãe em que desabafou. “Tudo em época de pandemia é mais difícil. Não conseguimos realizar seu desejo de ficar ao lado dos pais. Não houve velório. Não a vimos. Não houve cerimônia alguma. No cemitério, apenas eu, meu irmão, dois amigos anjos queridos e uma amiga dela”, escreveu.

Ela também falou sobre as críticas dirigidas à mãe por conta das postagens amplamente divulgadas após sua morte. “Não li os comentários, mas meu irmão viu e muita gente também. Só me disseram que ela havia virado meme e algumas pessoas falaram que o mundo agora era um lugar, melhor agora que ela não estava nele. Que mundo? O seu mundo? Por que o meu mundo do meu irmão, dos meus tios, primos, da sua netinha de 2 anos de idade é que não é. O mundo dos seus amigos e dos seus pacientes também não”, disse Keka.

Para comprovar que a médica não era contra o isolamento, Paula enviou uma postagem feita por Lúcia no dia 18 de março em que profissionais da saúde pedem que as pessoas se mantenham em casa.

Em outra imagem disponibilizada pela família, a médica estava produzindo máscaras em casa para doar para outras pessoas.

Lúcia produzindo máscaras (Arquivo Pessoal/Paula Abrantes)

Os familiares, agora, se organizam para processar perfis e portais que noticiaram a morte de Lúcia sem ouvir a família. Eles buscam mostrar a real imagem de Lúcia. “Era uma mulher batalhadora, criou os filhos com muita dificuldade, com muito respeito e pés no chão. Ela deixou muito amor pelos irmãos. Sonho dela era vir morar em João Pessoa, perto dos irmãos, mas infelizmente aconteceu essa fatalidade. Pessoa muito alegre e cheia de vida. A gente sofre com a perda, mas quando nos lembramos da alegria dela, renovamos o espírito da gente”, diz a irmã da médica.

Quem foi Lúcia Abrantes

Lúcia é de uma família tradicional do sertão da Paraíba. Com 12 irmãos que partiram para outras profissões, a maioria dedicada ao direito, ela foi a única a escolher a medicina.

Em 1979, ela se formou na Universidade Federal e, contrariando o desejo do pai, que queria que ela fosse para Brasília se especializar, ela voltou ao sertão da Paraíba para se dedicar à profissão. Ela foi para a cidade de Souza, onde assumiu a direção do Hospital Regional Manuel Gonçalves de Abrantes, que levava o nome de seu avô.

Lúcia em seu baile de formatura em medicina, em 1979, ao lado do pai João Gonçalves de Abrantes (Arquivo Pessoal/Paula Abrantes)

Anos depois, ela foi para o Ceará e, nos últimos anos, era médica na cidade de Iguatu. No município ela chegou a ser homenageada com o título de cidadã Iguatuense.

“Ela era uma médica muito humana, nunca quis ir para centros maiores, sempre teve um amor pelas pessoas do interior. Ela dava medicamentos para quem não podia comprar, almoçava na casa dos pacientes, era pessoa muito amada. Tanto que, mesmo em isolamento social, ela continuava atendendo as pessoas por telefone”, relembra Paula.

Linchamento virtual

Com a integração das tecnologias na sociedade, é cada vez mais comum ver atitudes de linchamento virtual nas redes sociais. São situações em que as pessoas são julgadas e já condenadas por outras pessoas no ambiente virtual, destruindo histórias e reputações.

Como exemplos recentes, já tivemos casos de linchamento envolvendo figuras políticas, como a vereadora Marielle Franco, que após ser assassinada foi associada, sem provas, ao tráfico de drogas. Também o caso do garoto Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, baleado na barriga por uma bala perdida, durante uma operação da Polícia do Rio de Janeiro, que também, depois de morto, foi associado ao tráfico, mais uma vez sem provas. Além disso, o aumento recente de ataques virtuais a figuras políticas e jornalistas.

De acordo com o palestrante e especialista em marketing digital, Rafael Angeli, que já foi professor da área, esse tipo de ação ganha ainda mais força quando se envolve questões políticas.

“Nos últimos tempos, nós temos acompanhado muitas campanhas de disseminação de ódio, vindos da direita e da esquerda. São materiais compartilhados com conteúdos que, quando chegam até uma pessoa com pensamento negativo por questões de militância, independente do lado, ela acaba falando mal de alguém ou comprando uma briga virtual sem sequer saber o que está acontecendo. E essa pessoa sequer tem a preocupação em checar a veracidade das coisas. Ela guarda isso para ela e ataca. É o que chamamos de internet B, quando o meio é usado para coisas negativas”, explica.

Ainda segundo o especialista, o anonimato no ambiente digital propicia esse tipo de comportamento. “Quem começa a disseminação de ataques é um anônimo, depois disso ele atinge pessoas reais que compram essa briga, e isso vai passando para frente. Na maioria das vezes, a disseminação começa de robôs, pois se for de pessoas reais, elas podem responder jucidialmente. E, mesmo com a segurança adotada por algumas redes sociais, esse tipo de ataque acontece quase todos os dias”, afirma.

Coronavírus no Brasil

O número de mortes decorrentes do novo coronavírus subiu para 1.328, um acréscimo de 105 óbitos em 24 horas. A nova totalização foi divulgada pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (13). O resultado marca um aumento de 9% entre domingo e segunda..

São Paulo concentra o maior número de casos (8.895) e de mortes (608), com mais da metade do total contabilizado na atualização. Em seguida, os estados com os maiores números de mortes são Rio de Janeiro (188), Pernambuco (102), Ceará (91) e Amazonas (71).

Reforce a proteção contra o vírus

A SES-MG orienta que a população tome algumas medidas de higiene respiratória para evitar a propagação da doença, são elas:

  • Lavar as mãos frequentemente com água e sabonete por pelo menos 20 segundos, respeitando os 5 momentos de higienização. Se não houver água e sabonete, usar um desinfetante para as mãos à base de álcool.
  • Evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas.
  • Evitar contato próximo com pessoas doentes.
  • Ficar em casa quando estiver doente.
  • Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar com um lenço de papel e jogar no lixo.
  • Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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