Família questiona morte de advogado após prova física da Polícia Penal de MG e diz que ele era saudável

Paulo Roberto Freitas
Paulo Roberto Freitas era advogado e mantinha uma vida saudável (Arquivo pessoal)

A família de Paulo Roberto Freitas, 30, sofre há quase uma semana com a morte repentina do rapaz, que teve um mal súbito após passar pelo TAF (Teste de Aptidão Física) do concurso da Polícia Penal de Minas Gerais. Além de Paulo, o candidato Samuel Douglas Pereira de Carvalho também morreu após completar a prova, apenas dois dias depois.

Paulo Roberto Freitas era advogado e mantinha uma vida saudável, frequentando a academia e praticando esportes. Recentemente, ele havia começado a treinar de forma direcionada para o TAF do concurso, e passou por médicos que o autorizaram a realizar a prova de condicionamento físico.

Ao BHAZ, um familiar do advogado conta que Paulo chegou a ser aprovado na primeira aplicação do teste, sem apresentar nenhum sintoma além de um cansaço normal. Como uma decisão judicial determinou que a anulação do primeiro TAF e uma nova aplicação da prova, o candidato foi convocado para repeti-la na última terça-feira (10).

Internação e morte

O rapaz chegou a completar a segunda aplicação da prova, mas logo depois começou a se sentir mal e foi levado à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Vespasiano. Foi neste momento que servidores da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) entraram em contato com a família de Paulo, e o pai do advogado conseguiu ver o filho na unidade de saúde.

“Já falaram que era uma situação delicada, que ele tinha tido duas paradas cardíacas, estava inconsciente e intubado. Quando aparentemente conseguiram estabilizá-lo, tentaram transferi-lo para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva] do Hospital da Unimed”, conta o parente, que preferiu não ser identificado.

No entanto, quando os profissionais da UPA tentaram movê-lo até a maca para fazer a transferência, o estado de saúde se desestabilizou novamente. “Viram que não dava para transferir, o paramédico dos Bombeiros avaliou que ele morreria no caminho”, completa.

O estado de saúde de Paulo Roberto Freitas não voltou a se estabilizar, e ele morreu por volta de 23h25 da terça-feira.

Ainda segundo o parente, depois da morte, ninguém da Sejusp entrou em contato. Já o Instituto Nacional de Seleções e Concursos (Selecon), responsável pela realização do TAF, não procurou a família em momento algum.

Segundo candidato

O atestado de óbito do advogado não apresentou uma causa específica da morte, e o IML (Instituto Médico-Legal) pediu um prazo de 60 dias para atestar essa motivação. Por isso, a família considerou a possibilidade de que Paulo tivesse alguma doença “escondida”, que os exames médicos nunca detectaram.

No entanto, quando mais um candidato do concurso morreu depois de completar o TAF, um alerta se acendeu para os parentes do rapaz.

Samuel Douglas Pereira de Carvalho também teve um mal súbito ao fazer a prova física, na quarta-feira (11), e foi levado à mesma UPA. Ele chegou a ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Municipal Célio de Castro, mas não resistiu e faleceu na quinta-feira (12).

“Nós começamos a estranhar. Uma coisa é a morte de uma pessoa, que não sabemos se tinha alguma doença escondida, é uma possibilidade. Mas se tem uma segunda pessoa, começamos a questionar se não houve um problema na prova”, relata o parente de Paulo.

‘Repensar a prova’

A família do advogado começou a pesquisar casos parecidos e descobriu que a morte de candidatos de concursos após ou durante os testes de condicionamento físico não é algo incomum.

Em junho de 2022, Fábio Henrique Silva, de 41 anos, morreu durante a prova física do certame para inspetor da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2021, Luan Oliveira Rodrigues, de 29 anos, passou mal durante a corrida do TAF do concurso da Polícia Civil do Rio Grande do Norte e faleceu.

Em outubro do mesmo ano, o jovem Marcus Vinícius Teixeira, de 20 anos, morreu também durante a corrida do teste para ingressar no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar de Minas Gerais.

“Em concursos de vários estados, as provas costumam ser parecidas, não tem nada muito diferente. Se a morte de candidatos durante o TAF não é algo novo, talvez seja o caso de começar a se repensar a prova como um todo”, reivindica o familiar de Paulo Roberto Freitas.

“Entendemos que o condicionamento físico é importante na formação das forças de segurança, mas a gente se pergunta se não estão colocando os candidatos em uma exaustão física. Para eles, isso envolve também um objetivo, um sonho, uma ansiedade, a vontade de fazer acontecer. Até que ponto estão medindo, de fato, o vigor físico de alguém para exercer a função, ou estão só submetendo a uma pressão exagerada?”, questiona.

Apesar da recorrência dos casos, a família tem dificuldades para acreditar que algo realmente vá mudar. “Se temos esse histórico com algumas mortes e até agora, nada mudou, acho que não vão mudar. Mas talvez por serem duas mortes em um mesmo concurso, isso possa servir de alerta”, aponta o parente.

Vocação para o serviço público

Paulo Roberto Freitas era advogado, mas descobriu ao longo da carreira uma vocação para o serviço público. Ele descobriu a paixão ao estagiar no Juizado Especial de Contagem, e mais recentemente estava trabalhando de forma temporária na Promotoria Criminal do Ministério Público em Contagem.

O rapaz planejava investir em diferentes concursos e via a Polícia Penal como uma possibilidade de porta de entrada para, depois, alcançar objetivos maiores.

Paulo também se preparava para um concurso do MPMG e estava animado com a perspectiva de futuro.

Investigação

Muito abalada com a morte do rapaz, a família de Paulo ainda avalia os próximos passos a serem tomados e considera a possibilidade de acionar o Ministério Público para apurar o caso.

Procurada pelo BHAZ, a Polícia Civil informou que apura as duas ocorrências e que as informações serão repassadas após a conclusão dos trabalhos investigativos.

O que diz a Sejusp?

Procurada pelo BHAZ, a Sejusp informou que, junto ao Selecon, acompanhou os dois candidatos a todo o tempo durante as internações.

“O contato com os familiares foi feito e a Selecon, empresa responsável pela execução dos testes, se colocou sempre à disposição para qualquer necessidade dos familiares, bem como a Sejusp”, diz nota.

A respeito do formato do TAF do concurso, a secretaria apontou que escolha dos testes físicos é baseada em estudos e é criteriosamente analisada e aprovada pela Comissão Organizadora do certame.

“Os testes são compatíveis com as necessidades de atuação física que o cargo requer e são similares aos aplicados em outros concursos de áreas profissionais semelhantes, em diversas regiões do país. Vale destacar que os dois candidatos apresentaram laudos médicos positivos para a realização de todos os testes, minuciosamente descritos no edital do concurso”, completa o comunicado.

A pasta não respondeu se alguma investigação interna será aberta para apurar as mortes. O BHAZ também procurou o Selecon no domingo (15) e nesta segunda-feira (16), mas não obteve retorno.

Entenda o caso

Dois candidatos do concurso da Polícia Penal de Minas Gerais morreram na última semana, depois de passar pela prova de condicionamento físico da seleção.

Conforme o edital do concurso, a prova de condicionamento físico consiste em cinco etapas: um teste de flexão em barra fixa; um de impulsão horizontal; um de flexão abdominal; um de flexão de braço no solo; e um teste de corrida de 12 minutos.

Prova de condicionamento físico
Prova consiste na realização de cinco testes físicos (Selecon/Divulgação)

Esta foi a segunda aplicação do Teste de Aptidão Física para o concurso. Isso porque, em novembro de 2022, uma decisão do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) determinou a anulação da primeira aplicação da prova.

Na ocasião, a juíza Janete Gomes Moreira (4ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte) concedeu pedido de tutela de emergência para a realização do novo TAF. O pedido de liminar foi solicitado pelo MPMG, por supostas irregularidades ocorridas durante a primeira aplicação do teste.

De acordo com a Sejusp, os dois candidatos apresentaram um quadro de mal súbito depois de terminar a corrida, último teste da prova.

De início, eles foram atendidos pela equipe médica que acompanha os testes, ainda no Ciaar (Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica), em Lagoa Santa, onde a prova é aplicada.

Depois, eles foram levados à UPA de Vespasiano e deram entrada ainda com vida, mas o quadro de saúde se agravou e eles faleceram. “Um deles chegou a ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Municipal Célio de Castro”, informou a Sejusp.

“Os atestados de óbito não foram disponibilizados. A Sejusp se solidariza com familiares e amigos neste momento tão difícil e inesperado. Todos os procedimentos necessários foram realizados pelo Instituto Selecon, com apoio da Sejusp que segue acompanhando o caso”, completou a pasta.

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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