Tomografia em sepultura de criança deve elucidar história dos povos indígenas em Minas

Sepultura de criança indígena
Estrutura funerária pode ter entre 600 e 1.300 anos (Andrei Isnardis/UFMG)

Um procedimento inédito no âmbito da UFMG deve ajudar a elucidar a história dos povos indígenas mineiros: uma estrutura funerária em que uma criança indígena foi sepultada há pelo menos 600 anos passou por uma tomografia computadorizada nesse sábado (1°), no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte.

A estrutura funerária foi identificada em 2004, no sítio arqueológico Lapa do Caboclo, em Diamantina, durante escavações. Desde então, ela integra o acervo do Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) da UFMG.

Estrutura funerária
Estrutura é feita de casca de árvore (Andrei Isnardis/UFMG)

As imagens geradas no exame serão utilizadas em pesquisa de mestrado que tem sido desenvolvida pela arqueóloga Gabrielle Ferreira, indígena do povo Borum-Kren com ancestrais Puri, no Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGAn) da universidade.

Os resultados da tomografia, que vão compor o acervo do MHNJB, também serão utilizados, posteriormente, para consulta da equipe de conservação e restauração do museu.

Exemplar único

De acordo com a UFMG, a estrutura funerária analisada é composta de um estojo cilíndrico de cerca de 70 centímetros de comprimento e 30 de largura, feito de casca de árvore, na qual os ossos da criança, pintados de vermelho, foram depositados.

Ossos
Ossos da criança foram pintados de vermelho (Andrei Isnardis/UFMG)

Numa das extremidades, há couro, e, na outra, há palha. Ainda não se sabe se a terra atualmente presente na estrutura é do momento do sepultamento da criança ou se foi ocupando espaço com o tempo e revirando os ossos.

Segundo estimativa dos pesquisadores, a estrutura funerária pode ter entre 600 e 1.300 anos. Ela foi uma das poucas estruturas arqueológicas não atingidas pelo incêndio que ocorreu em 2020 em uma das reservas técnicas do MHNJB.

A estrutura foi preservada porque estava localizada, à época, na exposição de arqueologia, que não foi atingida pelo fogo. Por ser um exemplar único, ela revela detalhes que ainda não eram conhecidos pela arqueologia brasileira.

Contato com a história

Por meio da tomografia computadorizada, as imagens e vídeos resultantes poderão ser utilizados para análise dos ossos depositados, a fim de que se possa traçar aspectos da história de vida da criança indígena e de seu povo, ainda não identificado.

A pesquisadora responsável explica que a tomografia é um dos processos que vão contribuir para que ela tenha “uma conversa mais íntima com os ossos da criança”. “Aquilo que, na ciência, a gente chama de análise, eu gosto de chamar de conversa, porque os ossos falam bastantes coisas”, diz Gabrielle Ferreira.

“Eu poderia escavar a estrutura e retirar os ossos da casca de árvore para poder dialogar com esses ossos, mas a gente pensou na tomografia para ter uma ideia de como está a disposição dos ossos dentro desse estojo e, talvez, visualizar também quais ossos temos dentro da estrutura. De cima, eu consigo ver e identificar alguns, como a escápula e o rádio, mas a tomografia pode dar uma ideia de quais outros tipos de ossos estão lá”, aponta.

Com a pesquisa, a estudante quer ampliar as discussões no panorama bioarqueológico em Minas Gerais, mas, acima de tudo, entender a história dessa criança e o que ela tem a lhe dizer.

“”Eu tenho uma premissa de trabalho descolonial, porque, como uma mulher indígena, eu não consigo separar da minha pesquisa e do meu ser que os esqueletos são pessoas, crianças. Essa separação acontece muito durante as pesquisas bioarqueológicas: as pessoas se tornam materialidade. Mas não é qualquer pessoa que se torna materialidade. Nossos corpos indígenas e os corpos de pessoas pretas costumam se tornar essa materialidade”, sustenta.

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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