Turistas culpam parque por tragédia em Capitólio: ‘Foi por negligência’

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Homem que foi filmado ilhado com a família conta que não teve suporte (Arquivo Pessoal/Juliana Gonzaga/Luiggi Pavaneli + CBMMG/Divulgação)

Passado o susto inicial com a tromba d’água que matou três pessoas e deixou outros 16 feridos nesse sábado (2) em Capitólio, no Sul de Minas, vários turistas revelam indignação com a postura do parque em que a tragédia ocorreu. Eles pontuam que, apesar da dificuldade de prever as cabeças d’água, o suporte prestado pelo Canyon Cascata Eco Parque foi precário e negligente. Por tal motivo, querem que o estabelecimento seja responsabilizado pelos danos causados às vítimas. O parque nega as acusações e afirma seguir todas as recomendações das autoridades.

Milton de Souza Aranha é o homem que aparece ilhado com a esposa e a filha de 6 anos nas imagens do local após a cabeça d’água. Ao BHAZ, ele contou que, na entrada, o parque garantiu que, no caso de haver um incidente do tipo, os turistas seriam orientados por funcionários o tempo todo. A realidade, no entanto, foi bem diferente. “Nós ficamos ali por cerca de duas horas até que a água abaixou e nós saímos sozinhos. Nessas duas horas, muita gente estava vendo a gente, porém a empresa não tinha nenhum tipo de recurso para tirar a gente”, lembra.

O homem, que é de São Paulo e estava passeando com a família em Capitólio, condena a falta de preparo e de cuidado com os clientes – que precisam pagar uma taxa de R$ 50 para acessar o espaço. “Eles não tinham uma corda, não tiveram condição de fazer absolutamente nada. Eles não tinham funcionários preparados, não tinham estrutura, não tinham plano de contingência. Eu coloco com propriedade que as mortes que ocorreram foram por negligência das pessoas que exploravam aquele espaço”, completa.

Família em risco

Para ter certeza de que conseguiriam curtir o fim de semana em segurança, a família de Milton tomou todos os cuidados que são recomendados pelo Corpo de Bombeiros. Cientes do risco de chuvas, eles adaptaram o trajeto de modo a evitar os horários mais perigosos, tiveram atenção extra com a filha, uma garotinha de 6 anos e até mesmo com os chinelos que usavam. Foram os calçados, inclusive, que ajudaram Milton a evitar que uma tragédia acontecesse com a família quando eles estavam no espaço principal do parque.

“Eu desci com a minha filha para a piscina e minha esposa ficou no meio do caminho. Aí eu joguei o meu chinelo para ela, onde tinha um curso de água, mas era pequeno”, conta o turista sobre os momentos que antecederam a cabeça d’água. “Minha filha insistiu para que ela descesse e, no primeiro instante que ela estava na água, comentou: ‘Olha, a água está levando seu chinelo’. Aí quando eu olhei, foi imediato. Eu falei: ‘Sai, que a água está subindo'”, lembra.

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Local em que família estava antes do nível da água subir (Arquivo Pessoal/Milton Aranha)

Depois disso, o local onde a família estava – que era raso, tranquilo e com várias pedras que formavam uma espécie de escada natural – foi tomado pela água agitada e forte que ameaçava os turistas ilhados. “Eu me senti ali literalmente em Roma, porque a gente estava sendo devorado pelos tigres e a plateia assistindo”, conta Milton, citando as pessoas que ficaram nas margens. “Se a água subisse, o que todo mundo ia registrar ali era a gente sendo levado. E atrás da gente tinha uma queda de 15 metros”, completa.

‘Negligência do início ao fim’

Depois de ter que aguardar horas para o nível da água descer e sair sozinho do local onde havia ficado ilhado, Milton chegou a procurar funcionários do parque. “Eu atravessei nadando e fui perguntar o que eles iam fazer e ninguém me respondeu nada”, lembra. Agora, o paulistano pretende buscar na Justiça, reparação pelo risco ao qual foi exposto. “Nós [da família] tivemos três vidas em risco”, pontua.

Além deles, Milton também condena a falta de cuidado com os outros turistas que estavam no local – número que ele estima estar em torno de 200 pessoas espalhadas em todo o percurso – e que também foram prejudicadas. “Disseram pra gente que, se tivesse algum princípio de cheia, eles teriam pessoas que iriam avisar para que a gente saísse da água. Muito pelo contrário, eles não tinham estrutura nenhuma, nenhum plano de contingência, nenhum protocolo. Os funcionários que estavam lá nem estavam no trecho que as pessoas estavam fazendo passeio e banho” conta.

Era possível evitar?

Como exemplo de ação correta diante de um evento imprevisível como a cabeça d’água, Milton lembra de um outro estabelecimento próximo ao Eco Parque que, segundo ele, também sofreu o fenômeno e conseguiu prevenir os clientes. “Existe um outro espaço onde as pessoas exploram no mesmo tipo de serviço, na parte de cima. Não houve nenhum incidente, porque eles tiraram todas as pessoas do leito do rio antes do volume de água chegar onde elas estavam”, conta.

“Ou seja, eles tinham funcionários, plano de contingência e sabiam exatamente o que fazer. Eles sabiam que a água ia chegar antes dela vir. E a água passou lá antes de chegar onde a gente estava”, complementa. O paulistano conta que foi até esse segundo local para conhecer e o que viu foi um exemplo de como garantir segurança aos turistas. “Eles estavam com um contingente de pessoas também muito grande e têm 900 metros de piscinas naturais e cascatas. Mas eles são profissionais e seguiam os planos de contingência necessários para que não ocorresse nenhuma perda, nenhum acidente”, diz.

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Bombeiros fizeram buscas pelo corpo da terceira vítima por quase 48h (CBMMG/Divulgação)

No local em que ele estava, por outro lado, o desfecho não foi o mesmo. “Eles inclusive cobram mais caro e não oferecem serviço nenhum. Nenhum mesmo. Não tem uma corrente na beirada do precipício”, lembra, citando os mirantes que ficam espalhados pelo parque sem nenhuma barreira de proteção para os turistas. Depois do trauma, Milton procurou um posto da Polícia Militar no mesmo dia para registrar uma denúncia formal. Agora, ele segue buscando reparação pelo passeio que, em questão de minutos, se transformou em pesadelo.

O que diz o Eco Parque?

O BHAZ entrou em contato com o Canyon Cascata Eco Parque para saber quais foram os protocolos adotados pelo parque no dia da tragédia. Em conversa com a reportagem, Carolina Bochesi, que representa o parque, informou que o local “obedece toda a legislação do Corpo de Bombeiros para evacuação no caso de tromba d’água e os turistas são advertidos, no acesso, sobre os riscos”. Ela reforçou ainda que o fato foi imprevisível, já que o dia estava ensolarado e não havia chuvas.

Carolina também explicou que o parque tem sinais sonoros e visuais alertando para os riscos. “Quando o turista acessa o parque, ele é informado sobre as placas, para observar a sinalização e ficar atento. No momento em que foi observado o aumento do nível [da água], soaram uma sirene e evacuaram imediatamente a cachoeira. Infelizmente, as pessoas que não sobreviveram foram as que estavam lá no meio, onde a gente inclusive adverte os turistas para não ficarem. Os outros, todo mundo que seguiu as orientações se salvou”, afirma.

A representante do parque também informou que, além dos sinais sonoros e placas, havia funcionários orientando os banhistas. “Na mesma hora, a pessoa responsável pelo local mandou todo mundo evacuar. Tanto que tinha mais de 80 pessoas lá e todos saíram com vida”, pontua. Ela admite, contudo, que esses funcionários não trabalham no resgate dos turistas por orientação das autoridades: “No caso de tragédias, o parque é orientado pelo Corpo de Bombeiros a não tentar nenhum tipo de salvamento até para não colocar ninguém em risco”.

Sobre os mirantes sem barreiras de proteção, Carolina explicou que elas não foram colocadas porque “não existe risco de queda direto do mirante na água”. Isso porque a parte reservada para a circulação dos turistas é uma trilha que fica a uma distância segura da água. “Tem um recuo grande, então os mirantes não ficam em local de risco”, afirma.

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Imagens enviadas por outra turista mostram a situação dos mirantes do parque (Arquivo Pessoal/Juliana Gonzaga)

O Canyon Cascata Eco Parque foi fechado imediatamente após o acidente e solicitou o apoio da marinha, já que o acesso às lanchas que ficam no local estavam atrapalhando o trabalho dos bombeiros. O parque também afirmou ter colaborado com as buscas dos militares – que terminaram na tarde de hoje (4), com a localização do corpo da terceira vítima, um jovem de 23 anos (veja aqui).

Cuidados

Época de férias e calor aumenta o movimento em cachoeiras e afins – e o banhista deve ficar atento. Segundo a Defesa Civil de Minas, cabeça d’água – popularmente chamado de tromba d’agua – “é o fenômeno de aumento rápido e repentino da água em cachoeiras, rios e lagos devido a chuvas intensas nas cabeceiras ou em trechos mais altos do curso d’água”.

“Representa um grande perigo para os banhistas. A presença de folhas, o aumento do volume de som de cascata e a mudança da cor da água são indicativos do fenômeno. Ao notar a presença de qualquer um desses sinais, saia imediatamente”, explica o órgão mineiro.

“Evite frequentar esses locais em períodos chuvosos. E, se optar por ir, não vá sozinho. Dê preferência aos lugares com a presença de guarda-vidas e pesquisa sobre as condições meteorológicas na região”, complementa.

Confira também as orientações dos bombeiros na hora de curtir a natureza:

1 – Cuidado com o nível dos rios. No verão, especialmente quando faz sol e muito calor durante o dia, geralmente chove muito à tarde ou à noite, dependendo da região. Normalmente o volume de água dos rios fica mais alto e aumenta também os riscos de afogamento. A correnteza fica mais forte e, com qualquer descuido, ela leva você;

2 – Seguro morreu de velho. Mesmo que você esteja careca de conhecer o local, verifique a profundidade antes de mergulhar. As águas se movimentam o tempo todo e, com elas, as pedras, os troncos de árvores e a terra no fundo do rio;

3 – Muito cuidado com as pedras. O fato de elas estarem secas não quer dizer que não estão escorregadias. Por onde passa, a água deixa limo e, mesmo que imperceptível algumas vezes, ele é perigoso. O risco de levar um escorregão nesses locais é muito, super, hiper, extragrande. Fique de olho especialmente nas pedras que possuem uma “sujeira” preta, pois escorregam como sabão.

4 – Se vai com família, nunca deixe as crianças sozinhas. Elas geralmente são aventureiras, curiosas e não têm dimensão dos perigos. Não tire os olhos delas;

5 – Cuidado com os chinelos e sandálias de dedo. São um perigo, escorregam nas pedras pois não dão firmeza nenhuma aos pés e podem aprontar um tombo de uma hora para outra, além de agarrarem na lama. Prefira sandálias específicas para caminhadas e trekking nas montanhas;

6 – Nas áreas mais difíceis de atravessar, não arrisque pulos e, se possível, caminhe usando as mãos também. Em alguns momentos, andar de quatro garante a passagem segura. Antes de dar um passo, teste se está seguro antes de colocar seu peso todo sobre o apoio – seja uma pedra, um tronco, um galho;

7 – Jamais atravesse uma corredeira. Ela pode parecer fraquinha, mas a água tem muita força sempre e as pedras submersas são extremamente escorregadias. Sem equilíbrio você não tem chance alguma. Em último caso, o auxílio de uma corda é imprescindível;

8 – Cuidado com as águas muito geladas, que podem dar câimbra nas pernas imediatamente. Quando o poço é fundo, não dá pé o risco aumenta pela ansiedade causada;

9 – Cuidado com as famosas “cabeças d’água”. Mesmo com dia lindo elas podem chegar ao local onde você está, vindas de outras regiões onde caiu chuva pesada;

10 – Não use bebida alcoólica ou qualquer outra substância entorpecente. Você precisa estar no melhor do seu juízo para tomar decisões acertadas, medir seus passos com precisão e controlar bem seu corpo;

11 – Não participe ou promova brincadeiras de empurrar ou dar tombo em colegas. Deixe as brincadeiras para outra hora em que a vida de ninguém esteja em risco. Faça brincadeiras saudáveis e divirta-se com responsabilidade, sempre respeitando o outro;

12 – Use roupa de banho e leve toalhas para se secar. As águas de cachoeiras são geralmente muito geladas e podem trazer um resfriado. Levar uma peça de roupa extra também é uma boa pedida.

Edição: Roberth Costa
Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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