UFMG divulga estudos clínicos do ‘viagra’ de veneno da aranha armadeira

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O estudo sobre o ‘viagra’ de veneno da aranha armadeira foi desenvolvido por pesquisadores da UFMG (Divulgação/UFMG)

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou, nesta semana, o andamento dos testes clínicos do estimulante sexual derivado do veneno da aranha armadeira, identificado inicialmente por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e desenvolvido pelo Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

A Biozeus Biopharmaceutical, empresa privada que adquiriu a patente do potencial fármaco, prepara-se para dar início aos ensaios clínicos da fase 2, em que o peptídeo, batizado de BZ371A, será testado em homens prostatectomizados com disfunção erétil.

A pesquisa na UFMG foi coordenada pela bióloga, bioquímica e neurocientista Maria Elena de Lima. A cientista passou anos explorando o potencial da biodiversidade, concentrando-se em venenos de animais, selecionando e estudando biomoléculas como modelos de novos medicamentos.

Devido à extensa pesquisa, Maria Elena identificou como a toxina da aranha armadeira, muito comum no Brasil, tem o potencial de revolucionar o tratamento da disfunção sexual.

O gel estimulante sexual derivado do veneno da aranha, com efeito vasodilatador, tem sido visto como um dos mais curiosos e promissores tratamentos. Ele estimula a produção de óxido nítrico no órgão e, assim, ativa a circulação sanguínea. Como consequência, a ereção começa de cinco a dez minutos após a aplicação e pode ser mantida por até quatro horas.

Aranha armadeira e o BZ371A

Phoneutria nigriventer, pertencente à família dos ctenídeos, é uma aranha encontrada em países da América do Sul, entre os quais, o Brasil.

Conhecida popularmente como aranha da bananeira ou armadeira – nome derivado de sua ação de ataque, na qual mantém as patas dianteiras erguidas –, é também uma das espécies mais tóxicas conhecidas em todo o mundo. Seu veneno é capaz de causar, especialmente em homens jovens, uma ereção involuntária e dolorosa, conhecida como priapismo. 

Essa toxina, embora perigosa, pode resultar em um novo medicamento. Ao buscar compreender, do ponto de vista farmacológico, os mecanismos que geram o priapismo ocasionado pelo veneno da aranha armadeira, os pesquisadores da UFMG desenvolveram em laboratório uma molécula sintética com propriedades promissoras para o desenvolvimento de fármaco. Até o momento, o peptídeo, batizado de BZ371A, já gerou 22 patentes internacionais e nove aplicadas. 

“É uma pesquisa inspirada pela nossa biodiversidade, que começa com o estudo do veneno de uma aranha e está próxima de gerar um possível medicamento. Isso ajuda a demonstrar por que a nossa fauna deve ser preservada: ela é uma fonte inesgotável de moléculas bioativas, e não conhecemos nem 1% desse potencial. Nosso trabalho, que é de ciência básica, busca identificar atividades biológicas de interesse nos venenos e detectar potenciais modelos de fármacos para uma ampla gama de doenças”, afirma Maria Elena de Lima.

Testes clínicos

O candidato a fármaco para impotência sexual, aprovado recentemente na fase 1 de testes, tem o potencial de atender a homens com disfunção erétil que, por diferentes motivos, não podem fazer uso dos medicamentos hoje disponíveis no mercado.

Autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a primeira etapa de testes clínicos já provou que o composto não é tóxico para humanos. Em teste-piloto, realizado em homens e mulheres, os pesquisadores observaram que a aplicação tópica do BZ371A resulta na vasodilatação e no aumento do fluxo sanguíneo local, independentemente de qualquer outro estímulo, facilitando a ereção peniana.

Esses resultados indicam que o BZ371A é forte candidato a fármaco eficaz para o tratamento da disfunção sexual.

Atualmente, os remédios orais disponíveis para tratar a condição – entre os quais, os conhecidos Viagra e Cialis – pertencem a uma classe de medicamentos que funciona para 70% dos pacientes.

Os outros 30%, como homens hipertensos ou com diabetes grave, têm alguma contraindicação para o uso desses remédios, por conta de seus riscos e efeitos colaterais – como hipotensão, desmaio e dor de cabeça – provenientes de exposição sistêmica.

Diretor executivo da Biozeus, empresa que assumiu a patente e o desenvolvimento do fármaco, Paulo Lacativa afirma que a UFMG é uma das três universidades brasileiras com mais projetos com qualidade na área de produção de medicamentos.

“Como empresa que abraçou esse projeto, temos alguns pontos a destacar. O primeiro deles é que esta talvez se torne a primeira vez em que uma descoberta da universidade brasileira resulta numa medicação que seja desenvolvida para todo o mundo. E acreditamos que esse caso bem-sucedido, conduzido por brasileiros no Brasil, com repercussão mundial, pode ser capaz de mudar todo o ecossistema de inovação em fármacos no país”, projeta Lacativa.

Os estudos clínicos, detalha o diretor da Biozeus, dividem-se em três fases, antes de chegar ao registro do fármaco. “A primeira avalia os efeitos do possível remédio no organismo humano. Nessa etapa, aplica-se a medicação e avaliam-se seus efeitos no corpo e sua presença na corrente sanguínea”, diz.

No caso do BZ371A, os testes da fase 1 foram feitos na Azidus Brasil, em São Paulo, com o objetivo de verificar se, de fato, o composto não apresentava nenhuma toxicidade para o ser humano. 

“Os resultados dessa fase, de fato, não demonstraram nenhuma toxicidade do composto para o ser humano. Isso já é um grande avanço, porque são pouquíssimos candidatos a fármacos que chegam a essa fase”, celebra Maria Elena.

“Uma propriedade bastante positiva dessa solução, que foi eficaz e que atesta sua segurança, é que a ação é local, não provocando alterações sistêmicas. Ou seja, ela só tem bons efeitos locais, com a ausência de efeitos sistêmicos negativos. Esse estudo de fase 1, aprovado pela Anvisa, atestou o perfil de segurança da medicação”, completa Paulo Lacativa.

Testes em homens prostatectomizados

Recentemente, a Biozeus solicitou à Anvisa a aprovação para a fase 2 dos testes, que também serão feitos em Belo Horizonte. Nessa etapa, os ensaios serão em homens prostatectomizados, ou seja, que fizeram cirurgia para retirada da próstata, intervenção que, em grande maioria, leva à disfunção erétil.

Em relação à fase 2, Paulo Lacativa afirma que os desenvolvedores querem conhecer “a relação de eficácia da medicação no organismo do paciente”. Nessa etapa, complementa Maria Elena, será testado o potencial do remédio, ao comparar o efeito em indivíduos saudáveis com o gerado nas pessoas prostatectomizadas. 

A pesquisadora explica ainda que, na retirada da próstata, cortam-se vários terminais nervosos. Segundo Paulo Lacativa, em razão do estigma que cerca as questões sexuais, muitos homens optam por protelar a operação, o que prejudica o tratamento de tumores e outras doenças que atingem o órgão.

“A medicação, se bem-sucedida, deve, inclusive, favorecer o tratamento do câncer de próstata”, assevera. Na etapa seguinte, a fase 3, os testes serão ampliados e poderão ser feitos em hospitais. Apenas depois disso, o fármaco poderá ser validado como medicamento. 

Uso tópico, vantagens e perspectivas

Os pesquisadores destacam ainda as vantagens de um medicamento para uso tópico. “Os testes, até o momento, já demonstraram que o composto funciona com a aplicação de uma quantidade mínima e sem nenhuma toxicidade, já que praticamente não é detectado na corrente sanguínea. A grande vantagem é que a aprovação de medicamentos tópicos costuma ser bem mais rápida, em razão da menor possibilidade de efeitos colaterais adversos. Além disso, o candidato a fármaco já demonstrou que não gera nenhum efeito colateral detectado, mesmo quando injetado em altas doses”, ressalta Maria Elena.

Outro ponto benéfico é a possibilidade de uso por homens que não podem se medicar com as terapias hoje disponíveis. Na etapa preliminar, de testagem em animais, o composto foi utilizado em animais diabéticos, hipertensos e idosos.

“Nós aplicamos em animais desses três modelos e observamos recuperação muito boa da função erétil”, informa a professora. Há expectativa que o futuro fármaco ocupe uma lacuna hoje deixada pelos medicamentos existentes no mercado.

No estudo de fase 1, também ficou atestada a segurança da aplicação tópica do BZ371A em mulheres. Esse dado abre a possibilidade para o desenvolvimento de uma medicação para o tratamento da disfunção sexual feminina.

Segundo Paulo Lacativa, cerca de 40% das mulheres são afetadas por algum tipo de disfunção sexual, e muitas delas não encontram tratamento adequado disponível no mercado.

“O aumento do fluxo sanguíneo local e da vascularização foi comprovado em estudos anteriores e pode ser uma oportunidade a ser explorada pela Biozeus em futuro próximo”, adianta.

Origens do estudo

Atualmente professora voluntária na UFMG e docente e pesquisadora da Faculdade de Saúde da Santa Casa de Belo Horizonte, Maria Elena de Lima explica que, inicialmente, o estudo focou em uma molécula extraída do veneno purificada por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed).

Liderada pelo professor Carlos Diniz, orientador de mestrado de Maria Elena na UFMG, a equipe já estudava, há longo tempo, o veneno da aranha armadeira.

Maria Elena conta que o trabalho com a toxina de aranha, que resultou posteriormente nesse candidato a fármaco, teve início na tese de doutorado da pesquisadora Kenia Pedrosa Nunes, defendida, em 2008, no Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia.

“A pesquisa, que investigava a atividade da toxina da Phoneutria nigriventer na função erétil, demonstrou, farmacologicamente, qual era o efeito por trás do priapismo”, recorda Maria Elena. Embora o veneno cause ereção sem qualquer estímulo sexual, a condição não é desejável. “O priapismo é uma ereção prolongada e dolorosa, que pode levar à necrose do pênis”, alerta. 

“Carolina trabalhou com uma molécula que representa apenas uma pequena parte da toxina, obtida anteriormente, por estudos in silico, pelo grupo do professor Paulo Beirão [atual presidente da Fapemig] e indicada como a região mais imunogênica da substância. Com base nesse trabalho, sintetizamos essa molécula e passamos a experimentá-la em camundongos e ratos, para verificar se ela teria o mesmo efeito da molécula original, ou seja, a toxina da aranha. Após os testes in vitro, ou seja, no corpo cavernoso isolado dos camundongos, bem como nos animais anestesiados, nós observamos que essa molécula, bem menor e não tóxica, causava ereção nesses animais”, afirma Maria Elena.

Após essa fase, os pesquisadores se detiveram sobre o peptídeo PnPP-19, derivado da toxina, mas sintetizado em laboratório. Para surpresa da equipe, segundo Maria Elena, a molécula manteve a capacidade de potencializar a função erétil, situação observada tanto nos testes em tecidos isolados quanto naqueles feitos em ratos e camundongos anestesiados.

Por meio da formulação de um gel, aplicado na região inguinal do camundongo, os pesquisadores testaram ainda o efeito do composto quando administrado com outros medicamentos hoje utilizados, como o Viagra. “Os testes demonstraram que a administração conjunta potencializava o efeito na ereção apresentada por esses animais”, diz.

Com UFMG

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