De quem é a culpa: Expulsão ao vivo no BBB é punição adequada ou revitimização?

BBB
Expulsão foi comunicada apenas no ‘ao vivo’ e pegou participantes de surpresa (Divulgação/TV Globo)

“Essa culpa não é sua”, foi o que Tadeu Schmidt, apresentador do BBB, falou no primeiro contato com a casa após a expulsão dos participantes MC Guimê e Antônio “Cara de Sapato”, nessa quinta-feira (16). A fala foi direcionada a uma Dania Mendez em prantos, mas não amenizou muito a situação para a mexicana, assediada durante a festa da última quarta-feira (15). Com histórico que mais atrapalha do que ajuda, o programa parece ter acertado na decisão e errado feio na condução.

Não apenas Dania precisou reviver a situação e juntar os pontos para entender as insinuações sutis do apresentador durante o “ao vivo”, mas também outras mulheres, parte do grupo de milhões de telespectadores e fãs do Big Brother, revisitaram as próprias experiências e tiveram de encarar – sozinhas e de novo – culpas que, apesar de todo o avanço expresso na fala de Tadeu, insistem em ficar com elas.

Vinte e dois anos, três apresentadores, algumas expulsões e muitos textões depois, o BBB revelou na edição desta quinta-feira uma angústia mais profunda: o reality (e sim, grande parte da nossa sociedade) ainda não aprendeu a acolher uma vítima!

A advogada Isabela Del Monde, ativista feminista e sócia da Gema Consultoria em Equidade, sustenta que a decisão pela expulsão dos participantes foi acertada após um histórico de deslizes da Globo, mas critica a condução do anúncio e a falta de sensibilidade com o trauma de Dania, que acabou sendo revitimizada.

Tudo pelo ao vivo?

Um dia inteiro se passou entre a repercussão das cenas e o comunicado da decisão do programa. Até ontem, em todas as edições do BBB que tiveram expulsões, os eliminados foram avisados antes da entrada ao vivo do dia. Foi assim com casos de agressão, violência física e psicológica contra a mulher e suspeita de assédio.

Anúncios importantes, sim, eram feitos durante os programas ao vivo, como alertas sobre relacionamento tóxico, racismo, intolerância religiosa. Desta vez, no entanto, a espera parece ter excedido um limite ao expôr toda a situação ao vivo, inclusive de surpresa para a própria vítima, que ficou atordoada.

A busca por audiência pode sim levar, invariavelmente, a erros. A busca pelos números – de espectadores, ouvintes, leitores, seguidores – exige, mais vezes do que os profissionais da área admitem, decisões repentinas, avaliações éticas apressadas e até um flerte com os limites. São as escolhas feitas nesses momentos que mais afetam as vidas das pessoas, especialmente as envolvidas diretamente. Foi o caso da noite passada, com Dania.

Diferente do protocolo em outras edições, o BBB passou a impressão de estar “segurando” a decisão para a audiência da noite, talvez até como uma forma de fazer uma condenação pública mais assertiva do assédio. Procurada ao longo do dia, a Globo não deu respostas definitivas sobre o caso.

(Reprodução/Twitter)

Para a advogada Isabela Del Monde, a emissora conseguiu aprender com casos anteriores para tomar uma decisão rigorosa, inclusive ao não baseá-la somente no que a vítima – que ainda estava sob o efeito do trauma provocado pelo assédio sexual e sofrendo as pressões da culpa que recai sobre as mulheres nesses casos – disse estar sentindo, e sim no que foi documentado pelas câmeras do programa.

“É muito comum que as vítimas demorem para entender o que aconteceu com elas, mas o que deve ensejar a tomada de decisão não é o que ela diz sentir ou perceber, e sim a conduta do homem. Com o debate público que as mulheres estão promovendo sobre o assédio, a Globo conseguiu chegar a essa conclusão”, aponta.

Por outro lado, a ativista também critica a condução da emissora ao fazer o anúncio na edição ao vivo do BBB, em frente a todos os participantes, expondo mais uma vez a vítima aos agressores sem um acompanhamento individual.

Isabela Del Monde afirma ainda que entende a decisão da Globo de não citar os termos “assédio” ou “importunação sexual” ao anunciar a expulsão, já que o papel de imputar crime é da Justiça. Mesmo assim, ela acredita que a condução poderia ter sido mais rígida.

“Eles poderiam ter falado, por exemplo, em uma expulsão ‘por más condutas sexuais’. Organizações privadas, como a Globo, têm códigos de conduta que determinam o que pode e o que não se pode fazer lá dentro. Dava para dizer que houve uma prática que não cabe nas normas da Globo, que eles cooperariam com as autoridades na investigação, e que internamente a conduta não seria tolerada”, exemplifica.

‘A culpa não é sua’, mas parece que é

Além do tempo, o formato escolhido também não deu certo. O programa ao vivo começou com uma retrospectiva da noite e depois, com todos reunidos na sala, Tadeu anunciou à casa que Guimê e Sapato estavam “eliminados por descumprirem as regras do programa”.

Imediatamente, Dania se desestabilizou e chorou muito enquanto tentava se justificar: “Eu não disse nada, eu não disse nada”, após o lutador questioná-la. Depois disso, despedidas e intervalo.

O próximo contato de Tadeu com casa do BBB foi para falar diretamente com Dania e reforçar que ela não tinha culpa e, na sequência, uma prova do líder ao estilo “segue o jogo”, com os participantes completamente abalados.

Para os parâmetros do programa, foi muito. Mas para a condução que se espera do reality de maior relevância do país, faltou tato. Dania continuou aos prantos, orou pelos eliminados e chegou a pedir para ver as cenas, na tentativa de entender o que estava acontecendo, mas não conseguiu.

“Faltou sensibilidade, conhecimento técnico. Em uma empresa, por exemplo, se há uma investigação interna sobre assédio, a vítima não é chamada para uma reunião de comunicação da punição para o investigado. Esse pode ser um processo de revitimização, ela pode ser intimidada e se sentir culpada. A sensação para a vítima não é de reparação”, aponta Isabela Del Monde.

Mais tarde, a mexicana foi chamada novamente para conversar com a produção do BBB. Lá, ela confirmou que se lembrava dos toques indesejados e até reproduziu em si mesma a movimentação de Guimê. Também agradeceu a produção do programa por ter dado alguma satisfação sobre o caso e por ter agido para proteger a mulher. Afirmou ainda que lembrava do que Guimê havia feito, mas não quis falar nada para não atrapalhar a “exposição positiva” que ele buscava e a situação com a esposa, Lexa.

“Essa fala de não querer prejudicar ninguém é muito comum em vítimas de violência sexual. Faltou acolhimento e apoio para que ela entendesse o que aconteceu e que saísse desse ciclo de auto responsabilização, dessa sensação de que ela, como convidada, atrapalhou alguém que já estava lá antes”, completa a advogada.

Mas já era tarde. As imagens da vítima dos assédios se culpando, tentando se justificar e chorando pela situação já estavam circulando, aumentando a exposição negativa de Dania e despertando gatilhos em mulheres que viveram situações parecidas, ainda que não televisionadas (quem nunca?).

Régua errada

Imediatamente após a expulsão de MC Guimê e Cara de Sapato, as redes sociais foram tomadas por opiniões dos telespectadores sobre a situação e muitas críticas sobre a condução do caso. Além do foco no ao vivo, da exposição de Dania e do discurso fraco, muitos levantaram outro ponto: foi diferente só porque foi com uma estrangeira?

A decisão do BBB foi histórica, não há como negar. Os nomes de Guimê e Cara de Sapato agora se juntam a Marcos Harter, Petrix Barbosa, Gabriel Fop, Pyong Lee e outros que sofreram – pelo público ou pelo programa – as consequências de atitudes intoleráveis com mulheres.

Mas nos outros casos, que aconteceram com mulheres brasileiras, a punição foi bem mais branda – quando aplicada. No ao vivo, é a primeira vez.

(Reprodução/Twitter)

Quem pode, pode (?)

Para quem chegou até aqui, há que se falar ainda sobre o que devia ter sido o foco desde o princípio – e que, talvez pelos mesmos motivos que levaram o BBB a errar, não foi: os autores. Guimê e Sapato, que foram alertados por vários colegas ao longo da festa e muito criticados nas redes, vêm de contextos e histórias diferentes, mas têm uma coisa em comum: são brancos.

A advogada Isabela Del Monde lembra ainda sobre a “divisão racial” da casa, e as várias situações em que atitudes racistas foram apontadas pelos espectadores do programa. Depois dos participantes negros serem tão frequentemente taxados de agressivos durante os últimos meses, quem acabou expulso acusado de um crime foi não um, mas dois homens brancos.

Assim como em todo caso de violência praticada por um homem branco, o questionamento é o mesmo: se fossem outros os praticantes, a repercussão, o tom e até o tempo de resposta seriam os mesmos? No lugar de Guimê e Sapato, participantes como Cezar Black e Ricardo “Alface” teriam seus “bons corações” e “sensibilidade” lembrados por colegas?

“Isso serve para estampar na cara do país que, ao contrário do imaginário do brasileiro, os homens brancos são os que mais cometem crimes sexuais. A violência sexual é uma prática de poder, não de desejo, e o poder está nas mãos do homem branco – e rico”, pontua.

Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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