Trans espancada no Carnaval deixa hospital, mas impunidade impera

Cibelly foi brutalmente agredida no Carnaval de BH
Cibelly foi brutalmente agredida no Carnaval de BH (@duda_salabert/Instagram/Reprodução)

“Ela estar viva é um milagre”. Difícil encontrar definição mais precisa do que a escolhida pela prima de Cibelly do Pará para resumir a situação da parente. Espancada por sete homens durante o Carnaval de Belo Horizonte, no dia 22 de fevereiro, a transexual conseguiu receber alta no último sábado (6), mais de três meses se recuperando no hospital. Se não bastassem as chocantes sequelas – de afundamento do crânio a perda da fala e movimentos -, ninguém foi preso ou mesmo identificado.

A Polícia Civil de Minas Gerais afirma que “não poupa esforços para esclarecer o crime” e garante que ainda trabalha nas investigações, mas o fato é que não existem nem mesmo suspeitos de cometer tal atrocidade. “Não sei o que dizer. Não quero mexer com polícia. Não posso fazer nada. Não posso voltar atrás. A gente quer justiça, mas o que posso fazer? Preciso voltar para Belém-PA [cidade natal de pai e filha]”, desabafa ao BHAZ o pai de Cibelly, cujo medo de algum tipo de represália é tamanho que pede para não ter o nome citado.

O receio pode parecer excessivo para alguns, mas tem justificativa: a transfobia, especialmente no Brasil, carrega um ódio animalesco. “Segundo o relatório do Mapa da Violência Transexual, 80% dos assassinatos contra trans acontecem com exagerada violência. São crimes odiosos. Estamos longe de combater a transfobia. Os números mostram que a cada ano vem aumentando”, lamenta Duda Salabert, presidente da Transvest, ONG (Organização Não Governamental) que abriga alunos e alunas travestis e transexuais em BH.

Barbaridade

No dia 22 de fevereiro deste ano, Sábado de Carnaval, Cibelly foi cercada por sete homens na rua Espírito Santo, no Centro da capital mineira, e espancada. Em seguida, abandonada em via pública. Cibelly só recebeu algum tipo de socorro após uma amiga dela se deslocar ao local e acionar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para a vítima, então, ser internada em estado grave no hospital João XXIII.

Mesmo com a gravidade das lesões – Cibelly ficou mais de 10 dias em coma -, as autoridades só registraram a ocorrência seis dias depois, apenas no dia 28 de fevereiro. A unidade hospitalar, referência em todo Estado, possui até mesmo uma unidade da Políca Civil na entrada do pronto-socorro, mas o caso só entrou no sistema da segurança pública mineira na sexta-feira seguinte.

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Neste carnaval de BH, Cibely, mulher trans, foi covardemente espancada por 7 homens. A violência foi tamanha que ela ficou paraplégica, sem uma parte do crânio. A brutalidade começou com esses homens, que estão livres, chamando-a de “traveco”, de “demônio” e pediram pra ela “virar homem”. . . Repito: os criminosos estão livres! Os criminosos estão livres! Entrei em contato com o pai da Cibely, que veio do Pará cuidar dela. A @ongtransvest , projeto que coordeno, se comprometeu pagar as passagens aéreas e translado para o pai e para Cibely. Daremos também uma renda mensal para a família até quando existir a Transvest. . . Estou imensamente triste, revoltada, sem palavras. Até quando continuaremos assim? Segundo relatórios anuais, 83% dos assassinatos contra travestis ocorrem com uma violência exagerada: paus enfiados no ânus, corpos esquartejados… Tristeza. Tristeza! Revolta!. . . Quero agradecer todos as pessoas que estão ajudando a vaquinha virtual da @ongtransvest . A ajuda de vocês possibilitou essa ajuda à família da Cibely.

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E, até hoje, pouco se sabe sobre dinâmica do crime. “Várias diligências foram realizadas para identificar e solicitar imagens de câmeras de segurança existentes ao redor do local dos fatos. Infelizmente nenhuma câmera captou o momento das agressões ou mesmo os agressores”, afirma, por nota, a polícia. “Em uma delas, que se encontra com a perícia policial, é possível ver a multidão que estava presente em um bloco de Carnaval e a equipe do Samu que chegou ao local para prestar socorro a Cibelly”, complementa.

As autoridades admitem, ainda, que não conseguiram encontrar nenhuma testemunha do fato. “Diversas pessoas foram chamadas a prestar informações e muitas preferem não se envolver e não prestar nenhum tipo de cooperação com a Polícia Civil de Minas Gerais”, argumenta a instituição, em trechos do posicionamento.

“Nós ficamos muito revoltados porque, mesmo de longe, sabemos que o crime foi motivado pela orientação sexual dela. Como sete homens tem coragem de fazer isso só por ela ser trans?”, questiona Adriely Souza, prima de Cibelly, que também mora em Belém-PA e é autora da fala que abre esta reportagem. “O crime foi muito brutal, tanto que chegou informação de que ela tinha morrido. Ainda bem que isso não aconteceu, mas ela ficou mais de 10 dias em coma”.

A vítima ficou paraplégica, teve afundamento do crânio, perdeu a fala e os movimentos do lado direito.

‘Milagre do amor’

Entre diversas perguntas, as pessoas próximas têm uma certeza: se Cibelly ainda está viva é por causa do amor do pai. “A Cibelly é um milagre movido pelo amor. O pai tem se dedicado, de forma integral, para ela se recuperar. Está o tempo todo ao lado dela. Nesses quase quatro meses de internação, ele morou no hospital. O amor dele pela filha fez Cibelly viver novamente. Não tenho dúvidas”, diz o pastor Sandro Lúcio, da Igreja Cristã Contemporânea, que era frequentada por Cibelly.

O pai da Cibelly, assim que soube do crime, abandonou o emprego, pegou um ônibus para encarar uma viagem de 2.756 km e dar todo o amparo possível à filha. Agora, ele aguarda o fim de burocracias e visitas médicas que a filha ainda precisa fazer para retornar à cidade natal, onde toda a família a aguarda. “Estamos de braços abertos para cuidar dela. Vamos dar muito carinho, que é o que ela mais precisa neste momento. Nós amamos ela demais”, diz Adriely, que cresceu com Cibelly.

Apoio

A viagem será custeada pela Transvest. A ideia é que pai e filha estejam no Pará ainda neste mês. “A Transvest vai pagar as passagens aéreas. Até sábado, com certeza, eles vão poder voltar. Vamos nos colocar à disposição da família para ajudá-los e a Transvest, enquanto existir, vai dar uma renda mínima para Cibelly”, conta Duda Salabert.

Nota da PCMG na íntegra

“A Polícia Civil de Minas Gerais informa que desde que tomou conhecimento, em 28 de fevereiro de 2020, seis dias após o fato, da tentativa de homicídio contra Cibelly, não poupa esforços para esclarecer o crime.

Várias diligências foram realizadas para identificar e solicitar imagens de câmeras de segurança existentes ao redor do local dos fatos. Infelizmente nenhuma câmera captou o momento das agressões ou mesmo os agressores. Em uma delas, que se encontra com a perícia policial, é possível ver a multidão que estava presente em um bloco de carnaval e a equipe do SAMU que chegou ao local para prestar socorro a Cibelly.

Diversas pessoas foram chamadas a prestar informações, no entanto, ainda não temos testemunhas do fato e muitos preferem não se envolver e não prestar nenhum tipo de cooperação com a PCMG.

A Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas esclarece que este caso continua sendo investigado e se coloca a disposição para receber qualquer informação que possa auxiliar nos trabalhos investigativos e assim , identificar os autores da tentativa de homicídio contra Cibelly”.

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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