Verba desigual para Áurea e Consolação gera crise no PSOL e ameaça de renúncia coletiva

Áurea Carolina (Bernardo Dias/CMBH) e Maria da Consolação (Arquivo Pessoal)

Um conflito interno pode culminar na derrubada de todas as candidaturas do PSOL em Minas, incluindo os principais nomes no Estado, como a vereadora mais votada na capital mineira em 2016, Áurea Carolina, e a diretora do partido, Maria da Consolação. As duas, inclusive, estão no centro da polêmica: classificadas como “prioridade 1” na sigla, as candidatas a deputado federal possuem uma verba de campanha 40 vezes maior do que a de outras. Postulantes da chapa proporcional ameaçam protagonizar uma renúncia coletiva por discordar dessa divisão, o que faria com que o partido não atingisse a cota mínima de mulheres.

O Bhaz teve acesso a documentos que embasam o argumento dessas candidatas da chapa proporcional insatisfeitas com a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Segundo uma das candidatas em desacordo com o partido, que não quis ser identificada, cerca de 12 pessoas, entre homens e mulheres, estão organizando uma retirada de candidaturas coletiva. Fato que prejudicaria o partido para atingir a cota mínima de mulheres (30%) na chapa. Atualmente o PSOL tem 34% de representação feminina.

A sigla, aliás, já responde a um processo no TRE-MG impetrado por um membro do próprio PSOL, que também discorda da divisão do fundo eleitoral. Em seu argumento, o pré-candidato, Bruno Bedim, afirma que houve irregularidades na convenção do partido que culminou na retirada de seu nome.

Áurea e Consolação priorizadas

Conforme apurado pelo Bhaz, O PSOL nacional recebeu R$ 24,6 milhões do tesouro nacional, por meio do FEFC. Cerca de R$ 690 mil foram destinados ao PSOL-MG para investimento em campanha no Estado. Conforme a Lei Eleitoral, 30% deste valor – algo em torno de R$ 207 mil – deveria ser destinado às candidaturas femininas do partido.

Atualmente o partido conta com 32 candidatas. Sendo assim, cada postulante deveria receber, em média, R$ 6 mil para montar sua campanha, caso o valor fosse distribuído igualmente entre as mulheres. O PSOL, no entanto, priorizou algumas candidaturas, como a de Áurea Carolina e Maria da Consolação, por exemplo: a vereadora mais votada de Belo Horizonte e a diretora do partido em Minas teriam recebido cerca de R$ 40 mil cada uma para alocar em suas campanhas.

Trecho da distribuição financeiras aprovada pelo PSOL: as prioridades federais são Áurea e Consolação, enquanto as estaduais são Iza, Natalia Granato, Nana, Juhlia Santos (Reprodução)

Enquanto isso, outras mulheres, que concorrem ao mesmo cargo, receberam aproximadamente R$ 1 mil em material de campanha. “Não tenho condição de montar uma estrutura mínima de campanha com esse valor. Entrei no PSOL porque acreditava no discurso de igualdade do partido e no incentivo a participação da mulher na política. Mas vi que a realidade é completamente diferente do que eles pregam”, diz a candidata revoltada.

Procurado, o PSOL-MG disse que vê os questionamentos políticos como natural e saudável. “Tais questões estão sendo avaliadas pela Coordenação de Campanha, cientes das reclamações e argumentos discordantes a respeito da divisão do Fundo Eleitoral de Campanha”, afirma em nota.

O partido ainda acrescenta a definição quanto à alocação dos recursos do fundo eleitoral em Minas Gerais foi realizada pelo Diretório Estadual, “com a aprovação de faixas de priorização para candidatas e candidatas com maior potencial eleitoral”.

‘Machismo’

A candidata ressalta que não está cobrando que o partido destine mais dinheiro para a sua campanha. “Queremos estrutura. O partido, que luta tanto pelo feminismo, está sendo machista em alguns casos. Alguns homens estão recebendo mais que as mulheres. Não tenho nada contra a Áurea, que é mulher, negra e ‘puxadora’ de votos, mas essa injustiça não pode continuar”, afirma.

Ao se referir ao caso de machismo, outra candidata, que também faz parte do grupo que estuda a retirada de candidaturas, citou o caso do candidato a deputado federal João Rasgado. Segundo a mulher, João (candidato derrotado à prefeitura de Santa Luzia em 2016) estaria sendo privilegiado sem qualquer explicação.

Em conversa com nossa reportagem, João Rasgado assumiu que irá receber cerca de R$ 4 mil do partido para estruturar sua campanha. Entretanto, ele afirmou que não concorda com a divisão desigual, tampouco com a retirada arbitrária de Bruno Bedim da chapa do partido, que culminou no processo que corre no TRE-MG e pode derrubar toda a chapa psolista.

“Independentemente da divisão do fundo, eu acho que isso deve ser decidido com diálogo dentro do partido. Eu não vou deixar o PSOL e, também, não vou sair do partido. A questão do dinheiro independe pra mim, não podemos deixar que esse conflito acabe com os nossos ideais de buscar um futuro melhor para o país”, disse João.

O partido nega que haja machismo. “Foi acertado que candidaturas com maior potencial eleitoral deveriam ter fundos adicionais alocados, criando-se assim faixas de priorização. Desse modo, mais de 50% dos recursos do fundo eleitoral foram destinados às mulheres, valor muito acima da exigência legal mínima (30%), que para nós é muito baixa”, esclarece o PSOL-MG.

Risco

Em entrevista ao Bhaz na última sexta-feira, a candidata ao governo pelo partido, Dirlene Marques, comentou o assunto. A concorrente negou que a sigla tenha privilegiado algumas mulheres em detrimento de outras. “O fundo eleitoral passa pelo diretório estadual que decide como distribuí-lo, isso é uma questão legal. Na convenção, foi adotada a ideia de estimular candidaturas, pois é necessário eleger parlamentares para manter os direitos do partido a tempo de TV e ao fundo partidário, superando a cláusula de barreira”, afirmou Dirlene.

Quanto aos conflitos internos do partido, Dirlene se posicionou de maneira contrária as decisões tomadas pela sigla durante a convenção. “Acho ruim para o PSOL ter que passar por isso. Deveríamos ter feito um acordo interno buscando um diálogo melhor, sem esse tipo de enfrentamento [se referindo ao processo no TRE-MG]. Agora está posto e não sabemos que resultado pode dar a partir disso”, salientou a candidata.

Questionada se estava confiante na vitória do partido na ação, Dirlene titubeou e disse que a decisão cabe somente à análise da Justiça. “Acho que há 50% de chance de vencermos. Agora, dependemos do jurídico do partido para resolver isso”, concluiu.

Migração de recursos

Outra questão denunciada pelo grupo de candidatos revoltados com o partido é de que a divisão não está de acordo com o documento registrado pelo PSOL nacional no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o uso do fundo.

O documento diz que “não é permitida migração de recursos entre faixas de tipo de candidaturas (governador, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital)”. O termo estipula os seguintes valores para cada cargo em Minas:

  • Governador: R$ 106.332,33
  • Senador: R$ 15.938,89
  • Deputado Federal: R$ 436.088,06
  • Deputado Estadual: R$ 132.492,03
  • Total: R$ 690.851,31

Porém, o documento interno do partido em Minas, aprovado em convenção, diz que a distribuição será da seguinte forma:

  • Governador: R$ 96.395,00
  • Senador: R$ 27.160,00
  • Deputado Federal: R$ 227.600,00
  • Prioridades federais: R$ 148.000,00
  • Deputado Estadual: R$ 105.750,00
  • Prioridades estaduais: R$ 56.000,00
  • Total: R$ 666.905,00
  • Fundo de reserva: R$ 23.946,31

A divisão acima estaria contrariando o proposto pelo diretório nacional, firmado em consenso com o TSE, fato que o tornaria irregular. Para o partido, o dado exposto acima não se trata de uma denúncia, já que, segundo o próprio, não houve algo “espúrio, ilegal ou leviano”. “Caso houvesse alguma irregularidade com o FEFC ou com a resolução do PSOL nacional, o recurso sequer teria sido liberado. O PSOL-MG está cumprindo a resolução do diretório nacional a respeito destes recursos, sem qualquer migração, como foi sugerido aqui”, diz o PSOL de Minas.

Por fim, o partido mantém a confiança nas candidaturas e manutenção da chapa em Minas. “A Coordenação de Campanha tem acompanhado as reclamações e opiniões discordantes relativas à distribuição do Fundo Eleitoral de Campanha. E mantém sua decisão estratégica, dentro da legalidade e transparência”, diz o posicionamento.

Fundo de reserva

Outro problema identificado pelos denunciantes é de que o partido destinou aproximadamente R$ 24 mil do valor recebido pelo FEFC como um “Fundo de Reserva”. Entretanto, o artigo 11 da resolução que estabelece o fundo diz que parte do dinheiro não utilizado deverá ser devolvida ao Tesouro Nacional integralmente, no momento da prestação de contas.

Em nota, o PSOL-MG disse que alegar ilegalidade na criação do fundo é algo “leviano”. Segundo o partido, o fundo de reserva, com seu valor declarado, será utilizado para lidar com eventualidades e imprevistos, como, por exemplo, reimpressão de material gráfico.

“Em conformidade com a legislação eleitoral, qualquer quantia do fundo de reserva que não for utilizada até o período permitido para propaganda eleitoral, será devolvida ao Tesouro Nacional integralmente, no momento da prestação de contas”, finaliza a sigla.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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