Após torcedores do Cruzeiro entoarem um canto homofóbico no jogo contra o Vasco, no Mineirão, na noite desse domingo (1º), o BHAZ fez contato com as torcidas organizadas, times e especialistas para debater a questão. Mesmo com o clube podendo sofrer sanções pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), a Galoucura afirma que os cantos homofóbicos vão continuar. A Máfia Azul, responsável pelo canto desse domingo, não quis se manifestar sobre o assunto.
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No jogo desse domingo, o canto foi entoado após o Mineirão avisar, no sistema de som, sobre um gol sofrido pelo Atlético. Com isso, foi entoado: “Cachorrada filha da pu**, chupa ro** e dá o c*. Ei, Galo, vai tomar no c*! Ei, Galo, vai tomar no c*! Sou eu, sou eu, sou eu da Máfia Azul sou eu, até morrer!”.
O árbitro Marcelo Aparecido, substituto de Héber Roberto Lopes, que passou mal antes da partida começar, deixou o jogo seguir após o canto. O juiz também ignorou o fato na súmula, contrariando orientação do STJD (relembre aqui).
A Máfia Azul disse que não irá se pronunciar sobre o assunto. Por telefone, os responsáveis informaram que a torcida organizada não tem nenhum projeto para combate a homofobia nos estádios.
‘Acabando com o futebol’
A Galoucura, principal torcida do Atlético, também é responsável por entoar cantos homofóbicos durante jogos. Em entrevista ao BHAZ, Josimar Júnior de Souza Barros, presidente da Torcida Organizada Galoucura, disse que a proibição dos cantos homofóbicos está “acabando com o espetáculo do futebol”.
“Nossos cantos não citam o nome de ninguém, é uma coisa que vem de muitos anos atrás. Já proíbe bandeira, sinalizador, o que tem em todos os outros países, só aqui que é assim”, relata.
“Agora estão querendo acabar com algo que, querendo ou não, já faz parte do clássico. Isso não ofende ninguém. A gente não está falando especificamente com o torcedor. Isso só está acabando com o futebol, cada vez mais. Está começando o futebol moderno, e nós não apoiamos”, diz o presidente da Galoucura.
De acordo com ele, o objetivo é sempre torcer e apoiar o Galo em qualquer situação. “Estão dando um peso maior para uma coisa mínima. Se tiver [o canto homofóbico] ou não, para a gente não faz diferença nenhuma. Sempre acontece [o canto homofóbico] e para nós não vai mudar em nada. Os cantos vão continuar como sempre foram, não vamos parar. Se nós tivermos que ir lá, cantar e chamar eles de Maria, vamos chamar”, completa.
Masculinidade frágil
De acordo com Silvio Ricardo da Silva, professor de Educação Física da UFMG e coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), o futebol, de uma maneira geral, “está muito ligado a uma lógica de masculinidade”.
“Tudo que for contrário a isso, torna-se algo frágil. Um esporte criado por homens brancos, ricos. Então, temos um reflexo desse conjunto que acaba representando a sociedade. Ainda bem que temos alguns sinais de certa consciência sobre isso, seja do ponto de vista educativo ou punitivo. Vislumbro tempos melhores para o que se refere à prática do futebol”, explica.
“Na medida que esse esporte é tido como algo hegemonicamente masculino, criado por homens para homens, aquilo que sai dessa heteronormatividade, é algo indesejado. Como a questão da sexualidade vem sendo tão discutida na sociedade, isso também vai chegando no esporte”, explica o professor.
“Já vivemos outros absurdos, como a prática do futebol feito por negros e mulheres, que era algo proibido. Tudo isso tende a melhorar, mas a resistência ainda é grande, em função de vivermos em uma sociedade homofóbica, racista, preconceituosa de uma forma geral. E, para piorar, ainda vivemos tempos de um conservadorismo extremo”, pondera o coordenador do GEFuT.
Punição
De acordo com o especialista, é fundamental o clube ser punido quando esse tipo de ato acontecer. “É isso que traz a diferença. A partir da possibilidade da punição, como também é com a questão do racismo há algum tempo, é que os próprios torcedores vão se policiar. Antigamente, quando eu frequentava o estádio na minha adolescência, nós atirávamos objetos no campo. Por que não faz mais isso? Em função da possibilidade de punição. Por isso, é importantíssimo”, completa.
Vale lembrar que orientação do STJD ocorreu após o STF (Supremo Tribunal Federal) criminalizar a homofobia em junho. Portanto, gritos homofóbicos podem não apenas prejudicar o clube – até com perda de ponto -, como, principalmente, é crime:
- “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
- a pena será de um a três anos, além de multa;
- se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
- a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.
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Por nota (leia abaixo na íntegra), o Cruzeiro disse que está “trabalhando no sentido de reeducar nosso torcedor em relação ao assunto, que é de suma importância”. O clube também lembrou que está em uma campanha, junto com todos os times da Série A, contra a homofobia no futebol. O time azul também reforça que sabem que “uma campanha que não traz uma eficácia imediata, uma vez que os clubes não são os aplicadores da lei”.
De acordo com o Atlético, o clube já vinha fazendo campanhas contra a homofobia através de suas redes sociais. “O Clube Atlético Mineiro é um time de todos, que abrange todas as camadas sociais, e não permite nenhum tipo de preconceito. Durante os jogos, avisos nos telões e no sistema de som alertam o torcedor quanto à prática. Além da questão da punição por sanções, é válido lembrar que homofobia é crime, uma prática condenável, que não tem mais espaço na sociedade”.
Nota do Cruzeiro
“Quem vem acompanhando nossas redes sociais desde sexta-feira pode perceber que participamos de uma campanha junto com os demais clubes da Série A, abordando a conscientização sobre homofobia nos estádios de futebol.
Conforme solicitação do STJD, estamos trabalhando no sentido de reeducar nosso torcedor em relação ao assunto, que é de suma importância.
Por outro lado, sabemos que se trata de uma campanha que não traz uma eficácia imediata, uma vez que os clubes não são os aplicadores da lei”.