‘Acabou o futebol raiz’: 9 comentários homofóbicos que provam a urgência da luta contra o preconceito

Vitor Fernandes/BHAZ + Torcida Organizada Galoucura/Facebook/Reprodução

Nos últimos dias, após uma determinação da Justiça Desportiva, um crime que se naturalizou em todos os ambientes futebolísticos – incluindo, de forma emblemática, BH e Minas Gerais – veio à tona: a homofobia. Enquanto parte da torcida do Cruzeiro foi flagrada, no domingo (1º), entoando um clássico grito homofóbico, a principal organizada do Atlético, Galoucura, afirmou que manterá com os cantos discriminatórios. Nesta quarta (4), chegou ao absurdo de um casal homossexual ser ameaçado simplesmente por ser flagrado, juntos, no Mineirão.

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Relativização do crime, desqualificação das fontes, ataques, ofensas… Em cada publicação do BHAZ sobre o tema, uma chuva de exemplos reforçando a necessidade – infelizmente – da intervenção da Justiça Desportiva (leia mais abaixo) para a conscientização em busca de um ambiente minimamente civilizado – sem em nada, obviamente, afetar a alegria, a rivalidade, a paixão do brasileiro.

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“Esses cantos atingem tudo o que seria próximo ao feminino ou que se entende feminilizado, que seria algo inferior. Os homens aparecem no topo, e não são todos, somente os com certa masculinidade. Abaixo deles vêm as mulheres, e depois os homossexuais (masculinos, femininos e queers). Dizer que isso é uma questão cultural, é assumir que culturalmente se pratica a violência de gênero contra essa população”, explica Carlos Magno Camargos Mendonça, professor de Comunicação Social da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

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“Entramos em uma seara da lei e da norma. A lei aparece para tentar mudar a norma. Pela norma, pela própria fala, culturalmente, normaliza-se a injúria, a violência e a ofensa. Quando a lei aparece, e a norma diz: ‘nós vamos continuar praticando’, então quer dizer que a lei não é capaz de alterar a norma. O comportamento violento permanece mesmo que a lei já esteja criada”, contextualiza o estudioso.

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Para exemplificar a prática enraizada por aqui, separamos apenas alguns das centenas de comentários publicados em nossas publicações:

‘Acabou o futebol raiz’

Esta aí, se você não falou, inicialmente parabéns, mas com certeza já ouvir (ou leu) alguém próximo falando. “Não é o fim do futebol raiz. É possível torcer sem ser homofóbico, temos que evoluir sobre isso. Eu também sou um torcedor de antigamente, tipo raiz”, afirma Silvio Ricardo da Silva, professor de Educação Física da UFMG e coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas.

“Esses preconceitos, essas violências, que acometem o futebol, precisam ser revistas. O mundo está revisando isso. Eu acho que é muito conservadorismo você ficar se apoiando nesse discurso de futebol raiz para poder sustentar esse tipo de violência. Todo mundo tem direito a torcer, a ir ao estádio, é o que queremos para o futebol”, complementou.

‘Homenagem pra elas’

Foram dezenas de comentários, ancorados em falsos humor e solidariedade, disseminando nova homofobia: tentando diminuir cruzeirenses ao se referir a toda celeste no feminino. “Sempre que você aponta para o feminino, aponta para algo inferior, depreciativo, de menos valor. Por isso usam ‘ela’, ‘Franga’, ‘Maria’, é uma forma de tentar diminuir o ‘alvo'”, diz o professor Carlos Magno Camargos Mendonça

‘Até entenderia’

“Não importa se você está praticando injúria contra um ou contra o coletivo. Você está praticando injúria e ponto. É um ataque coletivo, sempre. E os autores estão perpetuando práticas históricas de violência contra essa comunidade”, diz o professor de Comunicação Social da UFMG.

‘Mundo chato’

Ah, essas também são bem frequentes e com certeza você já ouviu por aí: “hoje em dia não pode nada”, “mundo chato” etc. “É ‘mimimi’ desde que você não seja o centro da ofensa. As piadinhas, os cantos, as ofensas de uma forma geral, são feitas sempre sobre o mesmo público”, afirma Mendonça.

“É o ‘negão safado’, a ‘loira burra’, a ‘bichinha afetada’. O ‘mimimi’ serve para continuar desclassificando os outros. Será que seria ‘mimimi’ se a ofensa fosse dirigida a um sujeito desses? Como ele não se reconhece como o público dessas ofensas, é fácil, porque está no outro”, complementa.

‘Não é obrigação dos clubes’

“É isso que traz a diferença. A partir da possibilidade da punição, como também é com a questão do racismo há algum tempo, é que os próprios torcedores vão se policiar. Antigamente, quando eu frequentava o estádio na minha adolescência, nós atirávamos objetos no campo. Por que não se faz mais isso? Em função da possibilidade de punição. Por isso, é importantíssimo”, explica Silvio Ricardo da Silva.

‘Não ouvi grito homofóbico’

Surgiu alguma dúvida se o canto é ofensivo, homofóbico, criminoso? A explicação do professor Carlos Magno Mendonça pode despertar uma reflexão: “É um canto homofóbico, pois as práticas sexuais são identificadas como práticas de um grupo. Elas não são entendidas como práticas reprodutivas, são entendidas como práticas de prazer direcionadas a um grupo. As palavras não têm só um sentido imediato que elas expressam, estão ligadas em uma rede contextual”.

‘Se banir, eu desisto’

“Se para essa pessoa o futebol se baseia nesses atos de escárnio, de violência, ele não entendeu nada do esporte, do que deveria ser a prática esportiva”, afirma Carlos Magno Mendonça.

‘Ninguém nunca se ofendeu’

Se a pessoa cis hetero falou que “ninguém nunca se ofendeu”, então tá falado, né **IRONIA**?! “Se ela acha que é regressão alguém defender o feminino e ela, como mulher, chama o outro de ‘franga’, é hora de repensar. Se a mulher usa o feminino como motivo de ofensa, é uma questão de diminuição de direitos para ela mesmo”, alerta o professor de Comunicação Social da UFMG, Carlos Magno Mendonça.

‘Vontade de assistir em casa’

“Se não dá pra protagonizar um crime reconhecido pelo STF, fica sem graça”.

“Nesse caso, há de se questionar a questão de convivência desse indivíduo em grupo. Se os limites do respeito ao outro são um impeditivo para a convivência em sociedade, há de se questionar também se não há um caso de sociopatia”, alerta Mendonça.

Reação das torcidas e clubes

Após o caso vir à tona, clubes e torcidas foram procurados pelo BHAZ. Atlético e Cruzeiro se posicionaram contra a homofobia, e citaram campanhas de conscientização contra a prática. A Máfia Azul, maior torcida do Cruzeiro, preferiu não se manifestar. Já a Galoucura, a maior do Atlético, disse que não vai parar com os cantos.

Por nota, o Cruzeiro disse que está “trabalhando no sentido de reeducar nosso torcedor em relação ao assunto, que é de suma importância”. O clube também lembrou que está em uma campanha, junto com todos os times da Série A, contra a homofobia no futebol. O time azul também reforça que sabem que “uma campanha que não traz uma eficácia imediata, uma vez que os clubes não são os aplicadores da lei”.

De acordo com o Atlético, o clube já vinha fazendo campanhas contra a homofobia através de suas redes sociais. “O Clube Atlético Mineiro é um time de todos, que abrange todas as camadas sociais, e não permite nenhum tipo de preconceito. Durante os jogos, avisos nos telões e no sistema de som alertam o torcedor quanto à prática. Além da questão da punição por sanções, é válido lembrar que homofobia é crime, uma prática condenável, que não tem mais espaço na sociedade”.

Josimar Júnior de Souza Barros, presidente da Torcida Organizada Galoucura, disse que a proibição dos cantos homofóbicos está “acabando com o espetáculo do futebol”. “Estão dando um peso maior para uma coisa mínima. Se tiver [o canto homofóbico] ou não, para a gente não faz diferença nenhuma. Sempre acontece [o canto homofóbico] e para nós não vai mudar em nada. Os cantos vão continuar como sempre foram, não vamos parar. Se nós tivermos que ir lá, cantar e chamar eles de Maria, vamos chamar”.

A torcida organizada Máfia Azul disse que não vai se pronunciar sobre o caso. Por telefone, também confirmaram não ter nenhuma campanha prevista contra a homofobia nos estádios.

É crime!

Vale lembrar que orientação do STJD, de punir os clubes por cantos homofóbicos, ocorreu após o STF (Supremo Tribunal Federal) criminalizar a homofobia em junho. Portanto, gritos homofóbicos podem não apenas prejudicar o clube – até com perda de ponto -, como, principalmente, é crime:

  • “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
  • a pena será de um a três anos, além de multa;
  • se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
  • a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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