Água do Paraopeba tem metais pesados e não pode ser usada nem para irrigação após um ano de rompimento 

Amanda Dias/BHAZ + Bárbara Ferreira/BHAZ

A região de Brumadinho, na Grande BH, era conhecida por muitos pela produção de hortaliças. As plantações exuberantes de Mario Campos, cidade vizinha, eram vendidas para toda a parte. Há exatamente um ano, após o rompimento da Barragem I, da mina Córrego de Feijão, que espalhou 9,7 milhões de m³ de rejeito de minério de ferro pelo rio Paraopeba, essa realidade mudou por completo.

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Nesta semana, o Ministério Público indiciou 16 pessoas por homicídio duplamente qualificado e por crimes ambientais. A Vale e a Tüd Süv também foram indiciadas. No total, 259 pessoas morreram e outras 11 estão desaparecidas em decorrência da tragédia.

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Os reflexos do que é considerado o maior crime ambiental do país ainda estão, no entanto, longe de acabar. Estudo feito pela SOS Mata Atlântica revela que a água do rio Paraopeba está em péssima condição. “Não se pode usar a água do rio para nada. Nem para pescar ou para a agropecuária”, lamenta o presidente da Associação de Moradores do Bairro Marques e membro do Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho, Marco Amorim.

Amanda Dias/BHAZ

Péssima qualidade

A SOS Mata Atlântica realizou uma expedição entre os dias 7 e 17 de janeiro, quando realizou coletas em 22 pontos do curso d’água. Nenhum deles apresentou qualidade boa ou ótima. Em 11 locais, os rejeitos e contaminantes não permitem sequer que haja a presença de vida aquática.

“É fundamental que a população restrinja o uso da água. Não pode beber, tomar banho, pescar, ou irrigar hortaliças. O gado também não pode beber a água”, alerta a coordenadora da expedição Paraopeba e gerente da Causa Água da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. 

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Amanda Dias/BHAZ

Sofrimento

Malu relembra que a mesma expedição foi feita três dias após a tragédia e o cenário encontrado 365 dias depois não é animador. “Esperávamos encontrar melhorias, principalmente no aspecto social. As pessoas estão muito abaladas e as cicatrizes estão abertas. O que é mais desolador é o sentimento de injustiça. Houve uma mudança na cultura da população, essas pessoas conviviam com o rio e a paisagem era outra”, destaca a pesquisadora.

O presidente da Associação de Moradores do Bairro Marques e membro do Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho, Marco Amorim, revela um outro problema além de todos trazidos pela péssima qualidade do rio Paraopeba: o preconceito. “As pessoas acham que se usa a água do rio (Paraopeba) para irrigar as plantações. Não foi feita uma campanha para mostrar que há em Brumadinho outros mananciais”.

Metais pesados

A SOS Mata Atlântica constatou ainda a presença de metais pesados na água do rio. A contaminação humana por essas substâncias traz diversos problemas para a saúde. “Pode causar dificuldades renais, problemas de pele e mentais”, explica Malu. Moradores de Mariana, por exemplo, foram diagnosticados com problemas do tipo após o rompimento da barragem de Fundão em 2015.

Conforme a instituição, foram encontrados metais como ferro, manganês e cobre em níveis muito acima dos limites máximos fixados na legislação. Outros metais analisados também foram o cromo e sulfeto. Segundo a Resolução Conama 357, a concentração máxima de cobre na água para rios como o Paraopeba (classe 2) é de 0,009 mg/L.

Em 2020, o cobre foi encontrado em concentrações 44 vezes superiores, na média, ao máximo permitido pela legislação, alcançando no ponto mais elevado, por exemplo, 0,45 mg/l. Já o manganês, que o limite é de 0,1 mg/L, foi verificado, na média, 14 vezes acima dos limites máximos permitidos, chegando a 2,3 mg/l no ponto mais elevado.

O ferro, por sua vez, que não pode existir nas águas deste tipo, na média, chegou a concentrações 15 vezes superiores aos níveis máximos permitidos pela legislação. Nos pontos mais elevados, ele chegou a 6 mg/l. Em 2019, o cobre encontrado na água chegou a mais de 4 mg/L, o manganês chegou a até 3 mg/L em alguns locais e o ferro acima de 6 mg/L.

Doenças

O consumo de quantidades relativamente pequenas de cobre livre pode provocar náuseas e vômitos. Existe o risco de seres humanos apresentarem sintomas como rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza a partir da ingestão de manganês, forma da contaminação deste metal.

A concentração elevada de ferro e manganês na água pode ser a responsável pela coloração avermelhada do rio. Ou seja, estes metais oferecem riscos à saúde humana, dos organismos vivos e ecossistemas.  

Desalento

Uma das grandes preocupações da SOS Mata Atlântica é com relação aos dejetos (como fossas) que foram carreados pelo rejeito. “A Vale afirma que o rejeito não é tóxico, mas muitos poluentes foram carregados e há poder contaminante”, explica Malu Ribeiro.

Sobre o tempo que o rio vai demorar para se recompor, Malu informa que não há previsão. “As ações em Brumadinho até então são de remediação. Ainda estão procurando vítimas. Só teremos essa previsão após uma estabilização”, finalizou a pesquisadora. 

Amanda Dias/bhaz

O que diz a Vale?

A Vale monitora o rio Paraopeba desde janeiro e informa que os resultados da análise da água do rio Paraopeba não apontam efeitos tóxicos nas amostras devido à presença de rejeito no rio.  Atualmente, são cerca de 90 pontos de monitoramento, no rio Paraopeba, 10 de seus afluentes, incluindo o ribeirão Ferro-Carvão, e o São Francisco até sua foz no oceano Atlântico.  A companhia mantém ainda 16 sondas paramétricas para leitura remota de parâmetros físicos e químicos da água, de hora em hora, aumentando a eficiência das informações. Já foram realizadas cerca de 4,5 milhões de análises de água, solo e sedimentos em aproximadamente 40 mil amostras para análise de diversos parâmetros, como a presença de metais na água, pH e turbidez.

Adicionalmente, a Vale firmou, no final de novembro do ano passado, Termo de Compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais e Igam transferindo ao órgão ambiental das atividades de monitoramento. Conforme acordado, o trabalho será auditado e, depois, a Vale suportará o Igam na realização dos monitoramentos sobre a qualidade de água e sedimentos na Bacia do rio Paraopeba e no rio São Francisco durante 10 anos.

Aline Diniz[email protected]

Editora do BHAZ desde janeiro de 2020. Jornalista diplomada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) há 10 anos e com experiência focada principalmente na editoria de Cidades, incluindo atuação nas coberturas das tragédias da Vale em Brumadinho e Mariana. Já teve passagens por assessorias de imprensa, rádio e portais.

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