Negros são mais vulneráveis ao coronavírus; risco de morte é 62% maior

O epidemiologista explica que a população negra está mais sujeito às doenças em geral (Envato Elements)

Um estudo mostrou que a Covid-19 tem causado 62% mais mortes entre a população negra. No caso do pardos, o risco de óbito pela doença é 23% maior, em comparação com os pacientes brancos. A pesquisa foi baseada no boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo.

O professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Ricardo Alexandre de Souza, acredita que a perspectiva observada na cidade deve ser um reflexo da situação em todo o Brasil. Quando são analisados os registros no país, a chance de morte por coronavírus entre os negros ainda é 7% maior. No entanto, o professor explica que os registros nacionais dos casos são mais imprecisos e subnotificados.

O epidemiologista explica que a população negra está mais sujeito às doenças em geral, para além da Covid-19. “Não se trata de nadar no esgoto ou qualquer bobagem assim. É o risco social em que o sujeito está inserido. É o acesso aos cuidados, ao remédio melhor. É também morar numa casa melhor, com mais ventilação, com mais cômodos”, enumera.

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Para Ricardo, isso está ligado ao racismo estrutural e a enorme desigualdade presente no país. Isso fica ainda mais evidente quando a situação é comparada com outras nações. Segundo o professor, o Brasil já registra cinco vezes mais mortes de negros pelo coronavírus do que os EUA.

“Negros representam mais de 50% da nossa população. Temos que entender que estão em maior vulnerabilidade, e se for um negro numa favela é pior, se for uma mulher negra numa favela é pior ainda”, comenta.

Racismo estrutural na pandemia

Em meio ao rápido avanço do novo coronavírus, as desigualdades sociais e raciais ficaram ainda mais evidentes. Segundo o estudioso, parte disso está ligada à condição financeira da população negra. O levantamento do IBGE, de 2019, mostra que entre os 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos. Isso equivale a uma renda domiciliar mensal per capita abaixo de R$ 89,00.

“São pessoas que tem menor reserva financeira, então alguns não podem parar de trabalhar. Assim, continua deslocando e tendo contatos. Essa é a pessoa que pega um ônibus fechado e uma pesquisa de Londres já mostrou que um dos principais meios de transmissão é o transporte coletivo”, exemplifica.

Além disso, o professor ressalta que as pessoas mais pobres não têm condições de fazer o isolamento social adequadamente, mesmo ficando em casa. “Eu já trabalhei em vilas e favelas e vi casa com dois cômodos e sete moradores. Como você pede isolamento de 1,5m num lugar desse?”, pondera.

Medicina e as desigualdades

O epidemiologista explica que o racismo vem sendo reproduzido na prática da medicina. Um estudo da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória mostrou que nas declarações de óbito, negros tem 8,7 vezes mais registros de “causas mal definidas” da morte. Para o professor, isso invisibiliza muitas das questões causadas pela desigualdade racial. “Nós médicos não estamos preenchendo a causa de mortalidade do negro com qualidade”, assume.

Ricardo explica que o tratamento desigual da medicina não é uma coisa de agora. No século XIX, com o espalhamento da febre amarela, o cuidado com a saúde acabou seguindo a ordem de serviço do capital. Como ainda não se conhecia a transmissão da doença pela picada do mosquito, os negros, que foram os mais atingidos pela febre amarela, ainda tiveram que lidar com a prática higienista da medicina na época.

“Eles viviam em cortiços e a medicina serviu para seguir a ordem de afastar os negros, culpá-los pela Febre Amarela e acabar com os cortiços. Agora, a gente volta aos dias atuais, com a mesma população vulnerável, mas para outra doença”, afirma.

Saídas possíveis

Ricardo acredita que a situação deve mudar quando o racismo estrutural for trabalhado em duas frentes: no individual e no coletivo. “A gente tem primeiro que olhar para si e pensar: ‘estou sendo racista?’ Quando você vê uma pessoa negra na rua, o que você pensa?”, reflete.

Além disso, o epidemiologista defende políticas públicas de redistribuição de renda e de oportunidades de educação. “Só assim temos um caminho para uma tentativa de criar igualdade. Hoje, a meritocracia não é uma via possível”, opina.

“Somos uma sociedade muito calorosa, muito amiga, mas ao mesmo tempo muito egoísta. Agora precisamos quebrar esse egoísmo e olhar para o próximo”, conclui.

Guilherme Gurgel[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Escreve com foco nas editorias de Cidades e Variedades no BHAZ.

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