Não saio daqui enquanto não resolver meu problema

Divulgação/Pixabay

Parece que tem razão quem disse que o Brasil não é para principiantes. A cada quinzena bombam novidades de tirar o sono. O salário mínimo que Bolsonaro avisa que não terá mais ganhos reais (nem 1 real). O fim dos concursos públicos. O Supremo Tribunal Federal trazendo de volta a censura. Para não falar na reforma da previdência, que quer castigar os mais pobres. E por aí vai.

Mas hoje quero falar de torpedos menos graves, mas nem por isso menos impactantes na vida do cidadão brasileiro. Isso porque passei as últimas semanas pendurado ao telefone para tentar resolver problema de portabilidade, de uma conta cobrada em dobro e de um telefone mudo. Enfim, esse inferno nosso de cada dia, pelo qual parece que todo mundo tem de passar. As empresas de que dependemos para ter comunicação, transporte, saúde e tudo que cerca a vida moderna, na medida em que somem do mundo real e só são alcançadas à distância, pelo telefone ou pela Internet, parecem que se esmeram em aperfeiçoar os tormentos para os usuários. E ainda chamam isso de eficiência.

Tenho duas experiências que acho que ilustram bastante bem a questão. A primeira foi quando comprei uma impressora, boa e barata, de uma marca famosa: Xerox. Logo descobri que o barato ia sair caro, porque dois cartuchos de tinta valiam quase o preço da impressora. Relevei esse fato no mínimo estranho e fui tocando a vida. Até que um dia não encontrei mais os cartuchos na loja em que costumava comprar, nem no shopping em que ficava a loja, nem na outra loja que me indicaram, nem na outra… Fiz o que dizem que temos de fazer. Liguei para o atendimento ao cliente. Do outro lado da linha, o rapaz (registre-se que atencioso) me informou que eu acharia o produto sim numa certa papelaria que eu não conhecia.

Eu: Mas qual o endereço?
Ele: Onde é que o senhor mora?
Eu: Em Belo Horizonte.
Ele: Então a loja mais próxima fica em… Juiz de Fora.

Imaginem: alguém saindo daqui e indo parar a quase 300 quilômetros para comprar um cartucho de impressora! Ainda insisti que, afinal, não morava na roça, mas numa das maiores cidades do país, ao lado de um shopping enorme… Ele: não posso fazer nada. É lá que tem. E cá fiquei eu com uma impressora sem tinta… com a qual acabei não fazendo mais nada.

Segunda situação. Voltando da UFMG, à noite, esperava o antigo 2004, quando percebi que as pessoas reclamavam que o ônibus não vinha. Como estava lendo, não tinha percebido que esperava havia 55 minutos! Então, peguei o primeiro ônibus que passou, para que me deixasse no Centro. Já dentro dele, fiz o que dizem que devemos fazer. Liguei para o número de reclamações da BHTrans. Do outro lado atendeu um rapaz (registre-se de novo que também atencioso):

Eu: Queria fazer uma reclamação.
Ele: Pois não?…
Eu: É que fiquei 55 minutos esperando o 2004 em frente da UFMG e ele não veio.
Ele: Qual o número do veículo?
Eu: Estou dizendo que o ônibus não veio…
Ele: Mas qual o número do veículo?
Eu: Se estou dizendo que o veículo não veio!…
Ele: Sem o número do veículo não posso fazer nada.
Eu: Mas como vou saber, se ele não veio???
Ele: Então vamos fazer assim: eu dou para o senhor o telefone da garagem, o senhor telefona para lá, pergunta o número do veículo e me liga de volta.

Resumo da ópera: eu é que teria de fazer o papel da BHTrans. Resumo 2: para o que será que serve o telefone que recebe reclamações? Resumo 3: fiquei sem veículo tanto quanto sem impressora.

É claro que a culpa de situações assim não é dos atendentes que estão do outro lado da linha, que têm inclusive de suportar o mau humor de quem se depara com as mãos amarradas deles. O diretor ou dono da empresa fica protegido sabe-se lá onde e a fúria de quem enfrenta esse tipo de situação jamais chega nem perto deles.

Internet, telefone e assemelhados são bons meios para tornar a vida mais fácil. Do jeito que funcionam no Brasil, em horas como essas, dá saudade de quando a gente tinha o trabalho de se arrumar, sair de casa, muitas vezes enfrentar fila, mas afinal falava com o dono, o diretor, o chefe (o governador, o presidente!) ou o diabo a quatro. E podia mesmo dar o ultimato:

– Não saio daqui enquanto o senhor não resolver meu problema!

Jacyntho Lins Brandão[email protected]

Jacyntho Lins Brandão é doutor em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo e professor de grego na Universidade Federal de Minas Gerais, onde foi diretor da Faculdade de Letras e Vice-Reitor. É autor de, entre outros, O fosso de Babel (romance) e A poética do hipocentauro (ensaio). Traduziu do original acádio o poema Ele que o abismo viu: epopeia de Gilgámesh, indicado para o Prêmio Jabuti de 2017. É membro da Academia Mineira de Letras.

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