Na ebulição arquitetônica da década de 1930 – que abrigou simultaneamente os ecletismos, o Art Déco e o protomodernismo (vistos nos artigos anteriores) – soma‑se ainda aquele movimento que viria a ser uma das mais revolucionárias expressões da história mundial, o modernismo, tema deste sexto artigo sobre a evolução da arquitetura em Belo Horizonte.
Na capital mineira, o modernismo despontou no início dos anos 1930 e se desenvolveu com vigor até a década de 1970, tornando‑se o estilo arquitetônico mais longevo na cidade. Belo Horizonte abriga um expressivo acervo de construções com essa linguagem, das quais algumas obras-primas – especialmente dos primórdios dessa arquitetura na metrópole – tiveram grande repercussão internacional.

A chamada arquitetura moderna surgiu simultaneamente na Europa e nos EUA no início do século XX. Após a exuberância da arquitetura gótica medieval, ela representou a transformação técnica e formal mais radical de toda a história da arquitetura. Na Europa, esse movimento foi concomitante às vanguardas artísticas do início do século passado, tais como o cubismo, o dadaísmo, o futurismo, entre outros. Esses movimentos de vanguarda estabeleceram uma ruptura drástica com milênios de representação figurativa na arte e rumaram da distorção do real à abstração, e travando um combate ferrenho a todas as normas de composição clássicas e acadêmicas, até em então vigentes.
Podemos destacar quatro pilares do modernismo europeu: o neoplasticismo holandês (1917), liderado pelo arquiteto Piet Mondrian, pautado no purismo, cores primárias e nas formas elementares e divulgado pela revista De Stijl; a escola alemã Bauhaus (1919), fundada pelo arquiteto Walter Gropius e que defendia materiais pré‑fabricados e a geometrização das formas; Le Corbusier, autor em 1926 dos “Cinco Pontos da Nova Arquitetura” (pilotis, planta livre, fachada livre, janela em fita e terraço jardim); e Mies van der Rohe, ícone do minimalismo, que cunhou a célebre frase “Menos é Mais”.
A arquitetura moderna apresentou‑se como um movimento internacional e contou, entre 1928 e 1956, com os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) – poderosos fóruns itinerantes de discussão e difusão – como um de seus principais instrumentos. Nesse contexto, destaca‑se a Carta de Atenas de 1933, manifesto do 4º CIAM, que propôs a setorização das cidades em habitação, trabalho, diversão e circulação, com edifícios independentes e soltos do solo. Brasília, inaugurada em 1960, foi um dos resultados mais acabados desses preceitos.
O modernismo – com foco na funcionalidade e na racionalidade construtiva – pregou a ruptura integral com as formas do passado e a abolição da ornamentação. Em sua expressão ortodoxa, os edifícios se apresentam como prismas puros e abstratos, com amplo uso de concreto armado, elementos metálicos, grandes aberturas envidraçadas e paleta cromática contida. As coberturas são planas e utilizáveis – terraços em lugar de telhados –, e as fachadas incorporam o brise‑soleil (quebra-sol) para minimizar a insolação direta. Outro traço característico são os pilotis – pilastras ou colunas que sustentam o prédio, liberando total ou parcialmente o pavimento térreo.
A manifestação da arquitetura modernista em Belo Horizonte ocorreu no período em que a cidade consolidou‑se como o grande polo industrial e financeiro de Minas Gerais, o que resultou na formação do maior aglomerado urbano do estado. Esse fenômento intensificou-se entre as décadas de 1960 e 1970, quando a população saltou de 690 mil para 1,78 milhão de habitantes, gerando uma verticalização sem precedentes no centro da cidade – com modernos arranha‑céus marcando a paisagem urbana e o núcleo histórico perdendo sua feição original.

Vale destacar que, a partir da década de 1940, a paisagem construída da cidade passou a contar com a atuação plena das primeiras gerações de arquitetos formados pela Escola de Arquitetura de Belo Horizonte (EABH), fundada em 1930, em paralelo aos profissinais imigrantes ainda ativos na capital.
Todavia, antes da primeira turma da EABH se formar, coube a Ângelo Alberto Murgel – professor e arquiteto, mineiro de Cataguases – o pioneirismo no lançamento da vanguarda modernista na metrópole montanhesa através da arquitetura residencial. Em 1932, recém‑egresso do curso de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro, o arquiteto iniciou suas atividades em Belo Horizonte com projetos cujos traços se alinhavam nitidamente às vanguardas racionalistas europeias, um deles, inclusive, uma casa encomendada pelo visionário Juscelino Kubitschek.
Entretanto, a obra mais emblemática de Murgel nesse período foi a Casa de Elisabeth Barbosa (1932), na Rua Curitiba, na qual observamos a abolição da ornamentação, a cobertura plana, a “explosão” da caixa arquitetural e, sobretudo, as formas retilíneas e minimalistas – aspectos de clara orientação vanguardista. A Casa Modernista da Rua Curitiba, infelizmente demolida, inseriu Belo Horizonte entre as cidades pioneiras desse estilo no Brasil, assim como São Paulo, com a propalada Casa Modernista da Rua Itápolis – projetada pelo arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik e construída em 1930 – considerada pela literatura especializada a primeira obra genuinamente moderna do país. Vale lembrar que Murgel provavelmente foi aluno de Warchavchik na ENBA.

A partir do início da década de 1940, um personagem de grande destaque na arquitetura moderna de Belo Horizonte foi Oscar Niemeyer, que se estabeleceria como um dos maiores expoentes da arquitetura brasileira e mundial. Niemeyer foi grande tributário de dois ilustres mineiros, o belo‑horizontino Rodrigo Melo Franco de Andrade, que o apresentou ao diamantinense Juscelino Kubitschek – este, enquanto prefeito da capital mineira, governador de Minas Gerais e presidente do Brasil, proporcionou‑lhe ótimas oportunidades para desenvolver sua magnífica obra em grandes projetos, inúmeros deles em Belo Horizonte.

O icônico conjunto arquitetônico moderno da Pampulha, criado por Oscar Niemeyer a convite de JK, colocou Belo Horizonte no cenário internacional já em 1943, por meio da exposição Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652‑1942, realizada no renomado Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). No livro‑catálogo dessa exposição, que circulou e foi referência no mundo inteiro, as obras da Pampulha foram destaque na seção “Edifícios Modernos”, sendo o antigo Cassino (1942) – hoje Museu de Arte da Pampulha – escolhido como imagem da sua contracapa. A relevância desse conjunto para a carreira do arquiteto foi ressaltada pelo próprio Niemeyer:
Para mim, a Pampulha foi o começo da minha vida de arquiteto. E com que entusiasmo a começava.
Décadas depois, em 2016, o conjunto arquitetônico da Pampulha voltou a brilhar no cenário internacional ao ser inscrito no Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) – um extraordinário marco cultural que novamente promoveu intensa difusão da imagem da cidade no Brasil e no mundo.

É importante salientar que, na Pampulha, Oscar Niemeyer deu início a uma vigorosa inovação do modernismo em âmbito mundial ao utilizar radicalmente a expressividade e a leveza das formas curvas e, além disso, explorar ao extremo as potencialidades do concreto armado em volumetrias de grande plasticidade, materializadas em dois de seus projetos mais revolucionários: a Casa do Baile (1942) e a Igreja São Francisco de Assis (1943). Com a arquitetura da Pampulha – enriquecida por belos painéis de azulejos e jardins tropicais – o chamado estilo internacional adquiriu feição heterodoxa a partir de curvas inspiradas no barroco e na natureza nacionais.
Nessa mesma linha de exploração da forma livre pelo arquiteto, destaca-se também o Edifício Niemeyer (1954) – um dos mais belos prédios de apartamentos da cidade e, certamente, do Brasil – uma obra escultural marcada pelas lâminas sinuosas de concreto, fluida sob qualquer ponto de observação ao seu redor.

Além das formas sinuosas, o conjunto arquitetônico moderno da Pampulha também fez história com os traços oblíquos de Niemeyer por meio da chamada cobertura “asa de borboleta”, eternizada no Iate Tênis Clube (1942) e na Casa de Juscelino Kubitschek (1945). Esse tipo de cobertura – criado por Le Corbusier, mas praticamente inédito até então – foi introduzido no Brasil nessas obras da Pampulha e logo espalhou‑se pela capital e pelo país, consolidando‑se como um dos símbolos do modernismo brasileiro das décadas de 1950 e 1960.

Nesse contexto de modernização da arquitetura na capital, vale lembrar que, além da Pampulha, o visionário JK criou o bairro residencial Cidade Jardim em 1940 – um lugar privilegiado para a expressão do modernismo na cidade, sobretudo pelo trabalho de jovens arquitetos formados pela EABH a partir de 1936, que ali criaram inúmeras moradias alinhadas a essa linguagem de renovação estética. Não por acaso, a singular paisagem arquitetônica produzida nessa região motivou, em 2013, a criação do Conjunto Urbano Cidade Jardim, que reúne um expressivo conjunto de casas modernistas, agora protegidas por este instrumento do patrimônio cultural do município.

Na esteira das iniciativas progressistas de Kubitschek – especialmente Pampulha e Cidade Jardim – a arquitetura moderna expandiu‑se pela cidade, sobretudo por meio de célebres arquitetos mineiros como Sylvio de Vasconcellos, Rafael Hardy Filho, Eduardo Mendes Guimarães Júnior, Geraldo Ferreira Lima, Tarcísio Silva, Hélio Ferreira Pinto, Raul de Lagos Cirne, Luciano Alfredo Santiago, entre outros. Inúmeros projetos desses arquitetos foram tombados em nível estadual ou municipal, passando a integrar o patrimônio cultural e fixando, assim, na paisagem urbana um importante capítulo da memória construtiva da cidade.

Dentre esses qualificados arquitetos modernistas mineiros, temos que destacar a brilhante trajetória intelectual, profissional e acadêmica de Sylvio de Vasconcellos (1916–1979) – um dos mais ilustres nomes da arquitetura de Minas Gerais e do Brasil no século XX. Vasconcellos foi professor emérito da Escola de Arquitetura da UFMG, teórico da arquitetura, ferrenho defensor do patrimônio colonial mineiro e um dos grandes difusores do modernismo na capital, projetando obras notáveis como o Edifício Mape (do Xodó), o Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos (ICBEU), o Diretório Central de Estudantes da UFMG (atual Cine Belas Artes) e a Capela Verda Farrar, do Colégio Izabela Hendrix – declaradas, entre outras, patrimônio cultural do município, integrando o Conjunto Arquitetônico Sylvio de Vasconcellos. Além disso, chefiou o Iphan em Minas Gerais por trinta anos, idealizou e presidiu o Museu de Arte da Pampulha e escreveu relevantes livros e artigos sobre arquitetura, patrimônio, urbanismo e artes.

A seguir, outros ícones da arquitetura modernista de BH
1. Secretaria do Tribunal de Justiça
Imóvel tombado.
Este exuberante edifício público – projetado em 1949 por Raphael Hardy Filho – foi a primeira obra vertical de Belo Horizonte criada por um arquiteto graduado na capital, alinhada aos princípios do modernismo. Surgiu na esteira de uma das mais impactantes realizações do modernismo brasileiro: o monumental edifício do Ministério da Educação e Saúde (MES), inaugurado no Rio de Janeiro em 1945 e assinado por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe. Assim como o MES, o projeto de Hardy Filho explora com maestria os códigos da arquitetura moderna brasileira, como os imponentes pilotis, os marcantes brise‑soleil e a cobertura com terraço jardim.
2. Escola de Arquitetura da UFMG
Imóvel tombado.
Este edifício, projetado em 1949 pelos arquitetos Shakespeare Gomes e Eduardo Mendes Guimarães Júnior – ambos egressos da própria escola, fundada em 1930 como a terceira do Brasil – foi inaugurado em 1954. A construção, por si só, é didática quanto aos preceitos da arquitetura moderna, marcada por volumetria prismática e dinâmica, cobertura plana, pilotis, brise‑soleil e amplos painéis de vidro.
3. Antigo Abrigo de Bondes
Imóvel tombado.
O antigo abrigo de bondes – atual Sesc Centro de Atendimento ao Turista – foi construído no início da década de 1950 com projeto do arquiteto mineiro Tarcísio Silva, formado pela EABH. O imóvel se destaca pela volumetria gerada por uma laje curva em concreto armado, cujos pilares constituem a continuidade do arco que define a cobertura.
4. Edifício Helena Passig
Este edifício de 24 andares – projetado pelo arquiteto Raphael Hardy Filho em 1956 e que abriga lojas e salas comerciais – compõe a paisagem urbana do coração da cidade e um dos seus cartões-postais, a Praça Sete. A solução de brises desenhada por Hardy para a fachada da Rua Rio de Janeiro dialoga com o edifício projetado por Oscar Niemeyer, situado no lado oposto da via. Conforme Márcio Borges, “Belo Horizonte tinha uma característica muito marcante nessa época: seus edifícios eram conhecidos pelo próprio nome […]. Não se precisava dizer, por exemplo, Avenida Amazonas n. 718, mas simplesmente ‘o Levy’. Assim o Mariana, o Guimarães, o Acaiaca, o Dantês, o Nazaré, o Paraopeba, o Helena Passig […].”
5. Edifício Joaquim de Paula
Este arranha-céu, situado na Praça Sete, foi projetado pelos arquitetos Ulpiano Nunes Muniz e Oswaldo Santa Cruz Nery em 1955. Em junho de 1956, o título de uma das matérias do jornal Estado de Minas anunciava uma “Nova e majestosa obra arquitetônica em Belo Horizonte.” Essa reportagem referia-se à construção de um dos marcos do modernismo mineiro, o Ed. Joaquim de Paula, que foi apresentado ao público com as seguintes palavras: “Em breve, serão iniciadas as obras de outro grande conjunto, destinado a marcar uma etapa em nossa evolução urbanística; será a maior área construída da Capital, excetuando-se, naturalmente, o Condomínio da Praça Raul Soares [JK]. Referimo-nos ao grande edifício, já projetado, que será a sede da Cia. de Seguros Minas-Brasil. […] será todo ele em linhas rigorosamente modernas e funcionais.”
6. Estádio Governador Magalhães Pinto
Imóvel tombado.
O Mineirão – a obra mais monumental da arquitetura moderna de Belo Horizonte – foi projetado em 1958 por Eduardo Mendes Guimarães Júnior e Gaspar Garreto e inaugurado em 1965. Durante décadas, foi o segundo maior estádio coberto do país, com capacidade para até 130 mil torcedores, atrás apenas do Maracanã. Tombado como patrimônio histórico municipal, passou por reforma e adaptações para a Copa do Mundo de 2014, com projeto conceitual de Gustavo Penna e projeto executivo do escritório BCMF. Sua capacidade foi reduzida para 62 mil lugares.
7. Edifício Panorama
Imóvel tombado.
Obra projetada em 1959 pelos arquitetos Oswaldo Santa Cruz Nery e Henri Friedlander. Imponente construção de concepção modernista, com 16 andares, o Ed. Panorama se destaca no alto da Av. Afonso Pena pela sua expressiva volumetria curvilínea na esquina, marcada pelas faixas de varandas em torno de todos os apartamentos em cada pavimento. A coloração alternada das varandas também proporciona um aspecto peculiar ao imóvel, tornando-o um ponto de referência na paisagem urbana.
8. Escola de Design – UEMG
Imóvel tombado.
A antiga sede do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG) – atual Escola de Design da UEMG – foi projetada em 1960 pelo arquiteto Raphael Hardy Filho e inaugurada em 1964. Nessa obra destacam‑se vários elementos típicos do modernismo: a transparência promovida por amplos panéis de vidro; a volumetria purista e movimentada; os pilotis; e a laje plana que propicia terraço utilizável.
9. Sede do BDMG
Imóvel tombado.
A sede do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) foi projetada em 1969 pelos arquitetos Humberto Serpa, Cid Horta, Marcos Meyer, Márcio Pinto de Barros e William Ramos Abdalla. Conforme a pesquisadora Nara Grossi “Um arcabouço de concreto aparente definiu o objeto arquitetônico com 12 pilares trapezoidais delimitando o perímetro e sustentando o corpo envidraçado que, recuado, parece flutuar. Esse afastamento entre a ossatura de concreto e a pele envidraçada permite enquadrar visadas urbanas […].”
10. Banco Central do Brasil em BH
A sede do Banco Central em Belo Horizonte foi projetada pelo arquiteto mineiro Hélio Ferreira Pinto em 1976. Esta obra tem como base o projeto arquitetônico do Edifício‑Sede do Banco Central do Brasil em Brasília‑DF, elaborado em 1975 pelo próprio Ferreira Pinto. O projeto de Brasília também serviu de referência para a implantação das sedes do banco em outras capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza. Hélio Ferreira Pinto graduou‑se na Escola de Arquitetura da UFMG em 1953.