Números de um ano recorde (4ª parte)

Zero e Nakagima
Zero e Nakagima foram usados na frota da marinha imperial japonesa (Foto: Rodolfo Hauck)

Já falamos aqui do P51 Mustang, F4U Corsair, P40 e do F4F Wildcat. Mas como ainda estamos em Fightertown, abordaremos um pouco de dois outros veteranos Warbirds. Ambos a sua época idolatrados, só que por lados opostos: um o Mitsubishi A6M Zero, pelos japoneses, o outro, o Grumman F6F Hellcat pelos norte-americanos.

Mitsubishi A6M Zero
Mitsubishi A6M Zero

Estas duas máquinas projetadas como armas de ataque e defesa da frota foram de fato os dois grandes gladiadores que se empenharam em uma luta mortífera pela supremacia aérea na arena de combate do Pacífico Sul. Primeiro falaremos do raro Mitsubishi A6M Zero, que hoje conta somente com cinco exemplares voando no mundo. A saga do mítico A6M Zero, que foi o principal caça da Marinha Imperial Japonesa, começa ainda em 1940 durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa.
Na oportunidade, os pilotos japoneses – tendo nas mãos esta soberba aeronave – ganharam experiência e foram adestrados nas mais diversas táticas de combate ao enfrentarem os chineses, que pilotavam caças de desempenho muito inferior, tais como os soviéticos Polikarpov I-16s e I-153s.

Poderoso Zero

O Zero também teve papel de destaque na escolta dos torpedeiros Nakajima B5N2 Kate e bombardeiros de mergulho Aichi 3A2 Val ao ataque a Pearl Harbor, assim como durante toda a Segunda Guerra. Quer seja operando embarcado em porta aviões ou a partir de bases terrestres.
Projetado por Jiro Horikoshi, este caça era muito leve, construído com até, aquele momento, uma nova e ultrassecreta liga de alumínio, a Type 7075 chamada de ESD, desenvolvida pela Sumitomo Metal Industries. Esta era mais leve e mais forte do que outras ligas até então usadas como a Type 24S, DM31, Bondur 17/11. O Zero dotado de dois canhões de 20mm e duas metralhadoras 7,7mm era relativamente bem armado e possuía ótimo alcance e extremamente manobrável.

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Este caça, impulsionado por um motor Nakajima Sakae de 14 cilindros e 950 hp, podia atingir 560 Km/h em voo nivelado. Tinha uma razão de subida de 16 m/s e era muito superior a qualquer outro caça ocidental na época.
Assim, em um primeiro momento frente aos ocidentais, combatendo principalmente os Brewster F2A Buffalo que tudo lhe era inferior, ganhou a reputação de invencível.
Mais tarde, atendendo às necessidades de combate, foram introduzidas oito versões, sendo a de melhor desempenho a A6M6 Model 53c.
Esta última, dotada de um motor radial Nakajima NK1F Sakae 21 de 14 cilindros desenvolvendo 1.130 hp equipado com injeção de água-metanol que lhe conferia por alguns segundos, uma potência extra de combate de aproximadamente 200hp, que se bem utilizada era suficiente para escapar de uma perseguição mortal. E a mais “sinistra” das versões, a A6M7 Model 63, que sem nenhum armamento defensivo e abastecido somente com o combustível de ida e levando uma bomba de 250 quilos, era destinada exclusivamente às missões kamikazes.

 Projeto do Mitsubishi A6M Zero
Projeto do Mitsubishi A6M Zero

Herói japonês

Não há como se referir ao Zero e não falar de Saburo Sakai, considerado o maior “Ás” japonês da Guerra no Pacífico, com um score de 64 aeronaves inimigas abatidas. Descendente de samurais, nascido em uma família pobre e numerosa, ele cresceu aprendendo a viver segundo o Bushido, o código de honra militar do Japão.
Teve uma infância e adolescência de muitas privações e, em 1933, aos dezesseis anos alistou-se na Marinha Imperial Japonesa. Porém, devido à pouca formação enfrentou muitas dificuldades, entretanto conseguiu graduar-se como piloto em 1937. Em maio de 1938, na campanha da Manchúria (China), a bordo de um Mitsubishi A5M Claude obteve a sua primeira vitória sobre um Polikarpov I-16s. Em seguida passou a voar o Zero e a obter vitórias significativas, entre elas o abate da primeira Fortaleza Voadora B17 por uma aeronave japonesa.
Mas o espírito guerreiro de Sakai quase lhe custou a vida, em 8 de agosto de 1942, durante um voo solo de patrulha próximo a Tulagi nas Ilhas Salomão, quando avistou o que imaginou ser um grupo de caças americanos. Conforme previa a tática para este tipo de enfrentamento, rapidamente tomou posição atacando pela cauda, porém não eram caças e sim uma formação de Grumman TBF Avenger que possuíam uma perigosa metralhadora cal.50 no dorso operada por um artilheiro.
Quando Sakai percebeu o seu engano já era tarde demais. Ele havia se aproximado demasiadamente dos Avenger’s e uma saraivada de projéteis cal.50 vinham em sua direção. Um projétil atravessou o para-brisa do seu Zero e atingiu sua cabeça no lado direito. Com o impacto, ele perdeu os sentidos e o seu caça mergulhou para a morte certa. Porém, milagrosamente, ele recuperou a consciência conseguindo sair do mergulho.

Mitsubishi A6M Zero em exposição na feira de Oshkosh 2022
Mitsubishi A6M Zero em exposição na feira de Oshkosh 2022

Mesmo gravemente ferido, com um lado esquerdo do corpo paralisado e lutando para manter-se lúcido, após três horas de voo, conseguiu pousar em sua base em Rabaul. Os médicos conseguiram salvar-lhe a vida e após um longo período de convalescência recuperou os movimentos. Contudo, perdeu o seu olho direito e, em razão disto e sob forte protesto, ficou impedido de voar em combate. Isso porque, com uma só vista seu campo visual ficou seriamente afetado. Sakai passou então a dedicar-se a função de instrutor.

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Entretanto, em 1944, com o agravamento da guerra e com a perda de pilotos japoneses experientes, Sakai foi novamente designado a uma unidade de combate, desta vez em Iwo Jima, onde mesmo com suas limitações voltou a conquistar vitórias.
Saburo SaKai sobreviveu a guerra. Convertido ao budismo tornou-se um escritor e palestrante motivacional nos difíceis anos do pós-guerra. Anos mais tarde, visitou os Estados Unidos onde se reuniu com seus antigos adversários, incluindo o artilheiro de cauda do Avenger, que o havia ferido.
Em 2000 trabalhou como consultor no desenvolvimento do Combat Flight Simulator 2. Em 22 de setembro de 2000, aos 84 anos, Saburo Sakai faleceu na Base Aeronaval de Atsugi, vítima de um ataque cardíaco.

Grumman F6F Hellcat
Grumman F6F Hellcat durante a feira de aviação nos Estados Unidos

Contra-ataque dos EUA

No início da Guerra no Pacífico, o acrobático Mitsubishi A6M Zero era o senhor dos céus. O Brewster F2A Buffalo, que em tudo era inferior, foi presa fácil: os P-40 e F4F Wildcat somente faziam frente se estivessem em mãos hábeis e recorrendo a táticas específicas de combate. Então em fevereiro de 1943 surgiu o F4U Corsair. Aí o jogo começou a mudar, mas ainda assim, o Zero, devido a sua excepcional capacidade de manobra, continuava a ser um adversário temeroso.
Então surgiu o Grumman F6F Hellcat, muito mais do que uma evolução do F4F Wildcat: era um caça totalmente novo e quando o seu primeiro protótipo designado XF6F-1 alçou voo em 26 de junho de 1942 suas excepcionais qualidades logo ficaram evidentes. O seu batismo de fogo ocorreu em 31 de agosto de 1943 durante um ataque à Ilha Marcus. Neste dia, os F6F que entravam em combate pela primeira vez pilotados pelos tenentes Dick Loesch e A.W. Nyquist do USS Independence (CVL-22), que se valendo do excepcional poder de fogo de seus aviões, abateram o bem armado hidroavião Kawanishi H8K “Emily” em uma passada de tiro.

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Os japoneses se deram conta que o novo caça norte-americano era, de fato, muito superior ao seu antecessor, impulsionado por um motor radial Pratt & Whitney R-2800-10W “Double Wasp” desenvolvendo 2.000 hp (existiu uma versão com injeção de água/metanol com 2.200 hp). Este caça era um formidável oponente. Fortemente blindado, equipado com tanques auto-vedadores, com um teto operacional de 37.300 pés, uma razão de subida de 18 m/s, armado com seis metralhadoras M2 Browning M2 cal.50 e uma velocidade nivelado de 621 Km/h, era um temeroso adversário.
E mais: era diferente dos demais caças norte-americanos com os quais os japoneses estavam acostumados a combater tirando proveito das principais vantagens do seu caça Zero, que eram manobrabilidade e razão de subida. Agora, este atarracado caça norte-americano em tudo superava o Zero e o pior, além de ser incrivelmente resistente, conseguia acompanhá-lo em uma curva apertada.

Vitórias no ar

Mas o grande choque para os japoneses ainda estava por vir e aconteceu no dia 16 de fevereiro de 1944, quando 72 Hellcats, decolando de porta aviões, partiram para um ataque à base japonesa no Atoll Truk, nas Ilhas Carolinas. Foi quando o F6F enfrentou o seu primeiro grande combate ar-ar.
No feroz dogfighting que se desenrolou nos céus, o Hellcat confirmou sua superioridade sobre o Zero. Neste dia surgiu aquele que se tornaria o quarto maior “Ás” norte-americano com 19 vitorias no ar e 21 aeronaves destruídas em solo: o Tenente Alexander Vraciu. Em poucos minutos de voo abateu quatro Zeros. No total, somente naquele dia, os japoneses perderam 130 aeronaves no ar e 74 em solo, contra a perda de apenas dois Hellcats. Agora a sorte deles havia mudado.

Desenho do projeto do Grumman F6F Hellcat
Desenho do projeto do Grumman F6F Hellcat

Como esta incrível aeronave foi projetada para ser de fácil produção, os norte-americanos começaram a produzi-lo em massa (12.275 fabricados em 26 meses) e rapidamente substituíram os F4F Wildcat’s a bordo de seus porta aviões. Dessa forma, a taxa de abates cresceu vertiginosamente, ao ponto de 305 pilotos Hellcat se tornarem ases. Sendo o maior deles o Capitão David McCampbell com 34 abates confirmados e com o incrível feito de derrubar sete aeronaves inimigas em 19 de junho e mais nove em 24 de outubro de 1944, sendo por esses feitos agraciado com a Medalha de Honra.

 Grumman F6F Hellcat
Grumman F6F Hellcat

Durante toda a Segunda Guerra Mundial, o F6F Hellcat se tornou o caça naval de maior sucesso de todos os tempos, com um total de 5.271 abates (também foram operados por ingleses). Destes abates, 5.163 foram feitos por pilotos da Marinha e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, contra uma perda de apenas 270 Hellcat’s. Isso resultou em uma notável taxa de 19:1.

Novas histórias

Na próxima parte da nossa série, falaremos sobre dois importantes astros também presentes em Fightertown o Grumman TBF Avenger e o amado e versátil North American T6. Para nós o eterno T Meia.
Espero que tenham gostado e conto com o seu comentário ao final. Até a próxima aventura.

Texto: Rodolfo Hauck, enviado especial a Oshkosh.

Metalmoro 20

(*) Rodolfo Luiz Aquino Hauck tem 40 anos de experiência na indústria automobilística e sempre esteve envolvido com competições automobilísticas desde 1976, quando iniciou no Kart, fazendo provas de Turismo e rally. Por seis anos, foi responsável pelo desenvolvimento e preparação de carros de endurance e rally de uma montadora. Trabalha atualmente também com fotografia.

Acesse: www.aceleraai.com.br

Acelera Ai[email protected]

Jornalistas Eduardo Aquino e Luís Otávio Pires são os editores do site Acelera Aí e da seção veículos do portal Bhaz

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