Invisíveis e silenciadas: a rotina das mulheres na política

Foto: Manuela D’Ávila/Divulgação

Por Juliana Baeta

Se os empecilhos criados para impedir que as mulheres acessem atividades consideradas masculinas são responsáveis por sua baixa incidência nos cargos de poder, a intimidação e a discriminação sofridas quando elas finalmente acessam esses espaços também se configuram como violência de gênero. Exemplos recorrentes se perpetuam na história mas, especialmente hoje, as plataformas digitais e mídias sociais dão luz a esses casos evidenciando a desigualdade que atrasa a representação feminina na política.

“Negar ou dificultar esses acessos parte de uma estrutura machista que considera que elas não são capazes de exercer cargos de liderança da magnitude de uma presidenta, de uma governadora”, explica a pesquisadora das relações entre comunicação e violência contra a mulher, Bárbara Caldeira. “Isso leva a uma reafirmação de que o poder de decisão, tanto sobre as pautas gerais quanto sobre as pautas que impactam diretamente os nossos corpos, cabem aos homens. E perpetuar que outros grupos decidam em relação às demandas urgentes das mulheres, como a descriminalização do aborto e a diminuição do feminicídio é muito grave”, avalia Caldeira.

A falta de representatividade feminina tende a reforçar o lugar equivocado que os homens assumem quanto à soberania popular. Não por acaso, a Lei do Feminicídio, que tira o assassinato motivado por gênero do rol de homicídios passionais ou comuns, foi assinada somente em 2015 pela então presidenta Dilma Rousseff (PT).

Presidente afastada Dilma Rousseff faz sua defesa durante sessão de julgamento do impeachment no Senado (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Para além da dificuldade em ocupar estes espaços, há ainda outro tipo de violência que elas sofrem quando, enfim, estão lá. Durante a própria gestão Dilma, o Brasil presenciou uma forma inédita até então de se mostrar descontentamento com o governo. Nunca antes na história havia se visto tantos insultos e ofensas carregados de misoginia e sexismo proferidos contra um presidente da República. E em meio à ironia de cartazes com os dizeres “Tchau, querida”, a saída de Dilma foi providenciada de modo a lembrá-la qual o “lugar da mulher” na sociedade – para eles, nunca foi na política.

Mas não precisamos voltar à ocasião do impeachment para falar sobre as diferentes formas que os homens encontram para silenciar uma colega parlamentar ou postulante. No debate entre os candidatos à Presidência pela Rede TV, a única candidata – Marina Silva (Rede) – precisou ouvir do postulante Jair Bolsonaro (PSL) que ela não sabia o que era ser mulher. Pouco antes disso, ainda no fervor das apresentações das pré-candidaturas, Manuela d’Ávilla (PCdoB) foi interrompida mais de 60 vezes quando sabatinada no programa Roda Viva, cerca de 10 vezes mais que os outros candidatos – Ciro Gomes (PDT), Bolsonaro e Guilherme Boulos (PSOL) – em suas respectivas entrevistas.

“É também uma forma de violência quando as mulheres que ocupam cargos de poder são coagidas, intimidadas, diminuídas. E uma das formas de se fazer isso é através do estereótipo, de perpetuar o pensamento de que mulheres são mais emocionais, e homens são racionais, e que, portanto, eles governam melhor e tomariam melhores decisões por argumentos lógicos ao passo que as mulheres seriam mais emotivas e, utilizando um termo médico extremamente misógino, histéricas”, pontua Caldeira.

A violência somatizada – falta de representatividade, negação dos espaços e discriminação contra as que ali estão – culmina em uma pressão e carga psicológica que se tornam mais um fator de afastamento na política.

“Quando se fala em violência contra a mulher é comum lembrar os casos de agressão física e estupros, mas a violência psicológica também é gravíssima. Trata-se de uma violência sofisticada; essas mulheres que são políticas diariamente são tratadas como incapazes, têm suas decisões questionadas a todo momento, são coagidas, acuadas, encurraladas”, analisa a pesquisadora.

O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Um exemplo de como as questões de gênero não são exatamente prioridades quando a política é feita apenas por homens é termos no páreo das eleições um candidato como Jair Bolsonaro, conhecido por seus posicionamentos misóginos e, inclusive, condenado por incitar o estupro.

Construção do poder

O poder está tão simbolicamente associado ao masculino que, muitas vezes, as mulheres que ali incidem têm sua sexualidade contestada ou precisam se colocar de forma mais autoritária para obter respeito. A célebre ministra do Reino Unido e primeira mulher a assumir o cargo, Margaret Thatcher, por exemplo, ganhou o apelido de “Dama-de-ferro” por essa postura. Depois de eleita, ela teve aulas para aprender a empostar a voz conferindo um timbre mais masculino, que passasse um pouco mais de firmeza e autoridade para validar a sua atuação.

“Características que são valorizadas nos homens, por exemplo, se ele é assertivo, ousado, firme, não têm o mesmo peso quando estão nas mulheres que ocupam esses mesmos lugares”, aponta Bárbara Caldeira. “Nesses casos, elas são tomadas como histéricas, como loucas, a depender da forma como se posicionam, ou mesmo frágeis, quando não se posicionam dentro de uma lógica mais combativa em relação a essas masculinidades que as circundam”.

Em Minas, a primeira mulher a se candidatar ao governo do Estado, Sandra Starling, em 1982, se lembra de uma ocasião, durante comício, quando um homem gritou de dentro de um carro: “sapatão”. No entanto, a sua candidatura, e posterior atuação na política (foi deputada estadual e federal nas décadas de 80 e 90), foi mais marcada pela estranheza que causava em um meio predominantemente masculino do que por episódios como esse.

“Pelo contrário, todo mundo queria ver que loucura era aquela, de uma mulher candidata ao governo. Os meus comícios ficavam cheios, era um sucesso. A impressão que eu tinha era que as pessoas iam para ver se realmente eu falava, se eu pensava, se eu andava”, recorda-se Sandra. Quando subiu ao plenário pela primeira, ela também se deparou com a rápida organização e atenção que recebeu. “Eu causava estranheza. A primeira vez que assomei à tribuna, ficou todo mundo em silêncio, todo mundo correu e ficou sentadinho escutando, olhando para a minha cara, querendo ver se macaco falava”.

Mesmo antes da vida pública, quando ajudou a fundar o Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais, Sandra percebeu o papel delegado às mulheres na sociedade. “Na época, os sindicalistas queriam que as mulheres fossem secretárias no sindicato porque tinham a letra mais bonita, redondinha, e organizavam melhor os papéis”, conta.

A pesquisadora Bárbara Caldeira relata que essas funções são definidas já a partir da infância, quando os meninos são estimulados a competir, a brincar de corrida com os carrinhos, a vencer, enquanto as meninas têm as brincadeiras relacionadas ao cuidado, à maternidade, aos afazeres domésticos.

“É como se, de certa forma, a mulher ficasse confinada ao espaço privado, ao lar, ao lugar de cuidar, enquanto ao homem compete o espaço público. E isso influencia muito na forma como construímos o papel da mulher na sociedade, como se ela tivesse a função de cuidar, e, o homem, de decidir”, conclui.

Guerra civil oculta

Determinante na construção da Constituinte mineira, a advogada e professora Sandra Starling conseguiu que as parlamentares obtivessem o direito de poder usar calças no plenário da Assembleia Legislativa quando, até então, só era permitido que usassem saias. Sandra também conseguiu aprovar 60% das emendas que apresentou, dentre elas a extinção do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) – um dos principais instrumentos de repressão durante o regime militar – e a transportação de todos os seus documentos para o Arquivo Público Mineiro, onde ainda hoje permanecem.

Ex-deputada federal Sandra Starling (Foto: Guilherme Dardanhan/ALMG)

De lá para cá, no entanto, o mundo não mudou tanto assim. Sandra aponta, por exemplo, que a própria legislação que garante a destinação de uma porcentagem determinada dos recursos partidários para as campanhas de candidaturas femininas é falha.

“A gente parece que não andou pra frente. A violência cresceu mais ou, talvez, os casos de violência e feminicídio é que estejam mais visíveis, mais denunciados. O desemprego entre as mulheres é maior do que os homens, assim como a renda delas. Há uma espécie de guerra civil oculta contra as mulheres e isso nunca mudou”, comenta. Para ela, mesmo a decisão de os partidos destinarem 30% de seus recursos às campanhas de mulheres reforça isso. “O que tem acontecido é que eles estão pegando as mulheres e colocando como suplentes para utilizarem também este dinheiro nas candidaturas dos homens. Olha que macete!”.

Talvez por isso, Sandra acredite na mudança desses mecanismos – que mesmo quando criados para equilibrar alguma diferença, ainda se mostram ineficazes – por meio do fazer político nas ruas. “Mais do que lei, cotas ou coisa nenhuma, as mulheres têm que ir para a rua, para os botecos, para os encontros, conversar com as pessoas, por o dedo na cara dos outros, fazer discurso, falar alto. É assim que você se apresenta, e é isso que faz com que os outros te respeitem”, conclui.

Campanha Libertas[email protected]

Somos um coletivo de mulheres jornalistas de Minas que já trabalharam em redações de grandes jornais de BH e em assessorias de imprensa. A Campanha Libertas – Por mais mulheres na política surgiu para fazer uma cobertura jornalística independente sobre as eleições de 2018 com foco nas mulheres.

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