Tranquilo: Shows ‘secretos’ em BH levam música a ouvidos atentos e corações abertos

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Além de Dan Gentil, line up do Tranquilo traz a compositora Thaís e a dupla mineira Hot e Oreia (Reprodução/Instagram/@tranquilobh)

“Um rolê de descoberta”. Assim se define o “Tranquilo”, projeto que conecta artistas independentes ao público de BH, com shows “secretos” e bebida na confiança. A ideia é levar música pra quem está de coração aberto e ouvidos atentos ao que é novo.

A ideia surgiu há pouco mais de quatro anos, na tentativa de um artista de furar a bolha da música independente e romper com certos padrões. O plano disruptivo buscou valorizar artistas mineiros, mas já vem conquistando na versão paulistana.

Sempre nas noites de terça-feira, o movimento itinerante encontra casa em um determinado local de BH, informado apenas um dia antes do evento aos interessados.

O público, que começou com 30 pessoas e já chega a 1,2 mil, escuta as canções em silêncio e curte o momento em conjunto. “Ouvidos atentos. Corações abertos”, conforme o combinado coletivo do grupo.

Desde o início do movimento, o número de artistas recebidos já passa de 300 em dezenas de edições presenciais. Marina Sena, Lagum, Lamparina, Coral, Graveola, Cruvinel, Pedro Morais e Mariana Cavanellas são alguns artistas – na época, independentes – que já passaram pelo Tranquilo BH.

Entre os nomes conhecidos, o evento já recebeu músicos como Chico Amaral, Celso Adolfo, Tadeu Franco, e recentemente, Lô Borges.

O BHAZ conversou com Thales Silva, idealizador do projeto. Ele conta como tudo começou, detalha o desenvolvimento da iniciativa e “dá uma palinha” do que vem por aí.

Do quintal de casa…

O Tranquilo surgiu há pouco mais de 4 anos, no quintal da casa de Thales Silva. Cerca de 30 a 40 pessoas apreciavam as noites de música. Na época, o evento era mais focado no trabalho de música autoral de Thales, que buscava espaço para a própria música e também convidava outros artistas de BH.

Para ele, o público de shows se mostrava muito dependente de um modelo festivo, com mais “agitação”. Então, a ideia era criar uma experiência diferente, que também pudesse abrir portas a novos talentos.

“Tentei, nesse primeiro embrião, começar a criar um ambiente em que a música independente, não necessariamente festiva, também pudesse ser absorvida e atraísse pessoas que se conectassem com essa ideia”, relata o produtor.

Segundo ele, a ideia era buscar por um público mais atento para ouvir, descobrir e, de fato, absorver a música.

Cerca de um ano depois, Thales organizou um festival com banda, mantendo o nome “Tranquilo.”. Porém, em sua visão, a experiência se tornou um evento comum e não funcionou tão bem.

… para a cidade inteira

Passados alguns meses, o mineiro resolveu reunir cerca de 10 artistas de BH para consolidar o projeto de vez. “Nos encontramos na minha casa. No início, foi natural estar todo mundo empolgado, cada um com seus próprios objetivos. Depois, o grupo foi debandando e, no fim, ficamos eu e o Bernardo Bauer”, relembra o músico.

Os dois prosseguiram e o resultado chegou. “Deu super certo. Começou com 30, no máximo 40 pessoas na minha casa. Foi legal, gostoso, a experiência que eu queria foi passada: as pessoas sentadas, absorvendo, trocando, postando, e isso começou a gerar curiosidade na cidade. Na segunda edição, foram 50 pessoas e, na terceira, 60”.

Depois, Bernardo Bauer saiu do projeto para investir em sua música autoral. Thales ficou e o negócio cresceu tanto que não sobra muito tempo para ele focar na própria música autoral.

“Começou a tomar conta da minha vida, fomos ajustando o modelo, o processo e o projeto foi crescendo”, afirma Thales Silva, que, atualmente, têm um sócio. Hoje, a equipe envolvida no projeto tem 15 pessoas, incluindo cargos como gerência, coordenação de comunicação, curadoria, coordenação de operação e gestão de rede social.

Por que ‘Tranquilo’?

O nome chama atenção – até porque durante um evento de música, a tranquilidade pode passar longe. Mas com o Tranquilo, é diferente.

“O projeto é muito mineiro, embora esteja expandindo agora. Estamos trazendo vários valores do comportamento de Minas, da forma de pisar devagar nos chãos, dialogando com as pessoas, procurando um crescimento sem muito alarde”, justifica Thales. 

Então, como achar uma palavra que descreva esse jeitinho mineiro? “A palavra ‘tranquilo’ é uma gíria daqui. Claro que existe em outros lugares, mas em BH, especificamente, a gente usa pra tudo. ‘Pega isso pra mim?’ ‘Tranquilo'”, diz.

“Hoje em dia, algumas pessoas até brincam que não está tão tranquilo, porque tem muita gente no público. Mas, na minha opinião, a gente segue tranquilo, porque não é para estar parado, letárgico”.

Thales celebra o fato de que a ideia inicial se mantém no foco: OUVIR. “Na hora que uma pessoa está cantando, a gente escuta de fato. Parar e prestar atenção no que ela está dizendo, nas palavras que ela escolheu, na postura, no tom da voz, na dicção”, celebra. 

Silêncio absoluto nas apresentações

A ideia do Tranquilo é gerar conexão absoluta entre público e artista. Nas apresentações, as pessoas se sentam no chão, bem perto do músico. O ambiente é de silêncio, conforme solicitado pela organização. Quem quiser conversar ou comentar algo, tem de se afastar da música.

Até o volume do som é mais baixo em comparação a um show convencional. “O som é baixo, para as pessoas experimentarem a música de outra forma. Queremos desconectar da agitação completa”.

“O convite e o exercício que fazemos com as pessoas é de troca intensa, que você vá ali para descobrir um artista. Se você não prestar atenção, ele vai apenas passar pelo seu ouvido, isso é diferente”, prossegue.

Cada edição recebe uma média de três apresentações, de 25 a 30 minutos cada.

Ingresso consciente

O Tranquilo não trabalha com ingresso antecipado, convite VIP, nem reserva. O evento sempre funciona por ordem de chegada. E a entrada? É paga? Depende, conforme comenta Thales Silva.

“Sugerimos um valor para contribuição, são cerca de R$ 20. A pessoa paga na hora, de acordo com a consciência. O projeto também tem um caráter educativo, nesses pequenos gestos. O sugerido é 20 reais, mas a pessoa pode entrar mesmo se apresentar qualquer quantia inferior, e mesmo se ela não puder pagar. A gente devolve essa questão para o público refletir”. 

Para quem tem condições financeiras melhores, Thales deixa um recado. “Para alguém que está super estabilizado, R$ 20 é pouco pra um evento tão bonito, tão poético, com uma programação tão maravilhosa. Então, pode pagar mais. Para que essa pessoa crie a consciência de que, assim, ela possibilita que outra pessoa pague menos e possa ir, sem que o projeto estabeleça um valor igual para todo mundo”.

Dessa forma, de acordo com o produtor, o próprio público do Tranquilo consegue equalizar a diferença de possibilidades sociais entre alguns indivíduos.

“As pessoas precisam entender que, para se experimentar arte de qualidade, com produções bem feitas, artistas dedicados, e cobrar isso da sociedade, ela precisa pagar, quando ela pode”, resume.

Consumo na confiança

Nos intervalos entre as apresentações, o evento proporciona socialização entre as pessoas, que conversam entre si, comem e bebem.

Por falar em consumo no local, o esquema é parecido com o da entrada, na base da consciência. O projeto traz isopores e tinas com bebidas, viabilizadas por meio de acordos com os parceiros do Tranquilo BH. A pessoa compra a bebida no Pix ou no cartão e ela mesma se serve. É um processo de confiança, estipulando que o comprador pegará apenas o que pagou. A alimentação é terceirizada, também por parceiros do projeto.

Segundo Thales, o esquema esbarra na tentativa de alguns poucos de pegarem a bebida sem pagar, mas é uma minoria. “A gente segue acreditando e conversando com as pessoas para manter esse modelo, que é uma experiência única de consumo sem fiscalização. E que isso sirva de aprendizado”, diz Thales.

Como ir ao evento?

Embora a ideia carregue um ar de mistério, Thales garante que o projeto não é secreto e não há seleção prévia de pessoas para o público.

“Quem quiser ir ao evento, basta interagir com as enquetes que soltamos. É postada uma por dia na página do Instagram do Tranquilo BH: domingo, segunda e a própria terça-feira, no dia do evento. Quem reagir ao post com o ‘foguinho’, recebe o endereço com todas as coordenadas”.

Tranquilo BH e o endereço itinerante

Thales avalia que mais de 40 lugares de BH já receberam o Tranquilo. A mudança constante de palcos é uma das marcas do projeto.

“Estar em cada edição em locais diferentes, para que as pessoas os experimentem de forma diferente. Isso vale tanto para quem nunca foi, quanto para quem já conhece o lugar”.

É o exemplo de algumas casas de show, como A Autêntica, Odeon, Distrital e Galpão 54. “Em um dia normal, as pessoas não vão nesses lugares e sentam no chão. Com o Tranquilo, o público consegue ouvir um som mais baixinho, curtir um clima mais caseiro e convidativo nesse sentido, uma experiência mais íntima. Por isso, a gente é itinerante”, detalha Thales Silva.

Mas, acima das escolhas dos lugares, está um objetivo central do projeto: propagar e exaltar o trabalho dos artistas com muita potência.

“Nós calculamos a saída do eixo a partir de uma autocompreensão de força, para não impactar numa perda grande de público. Não adianta nada amadurecermos como um projeto multiplataforma, se fizermos o músico se apresentar para poucas pessoas. A quantidade é essencial”, defende.

A primeira edição do Tranquilo BH neste ano foi em 7 de março, na Usina de Cultura. A casa fica no bairro Ipiranga, região Nordeste da capital.

“Sabíamos que, por ser o primeiro do ano, teria mais força. Então, trouxemos o Lô Borges. Em uma terça-feira, poderia ser considerado um lugar distante para pessoas que preferem algo mais central, então resolvemos apostar”. Na edição, 1,2 mil pessoas compareceram – um recorde de público no projeto.

Projeto em expansão

No início, ainda no período de construção do projeto Tranquilo BH, o trabalho era voluntário. Com o crescimento, os funcionários passaram a receber remuneração.

“Somos uma empresa que visa bater vários objetivos ideológicos, mas também de lucro. Queremos expandir, estamos vindo para São Paulo porque é lucrativo em Belo Horizonte. O Tranquilo se enxerga como uma empresa e isso contribuiu muito para que crescesse e conseguisse trazer mais impacto para os artistas”.

Conforme conta Thales, muitas vezes, o projeto cultural não é visto como algo estruturado. “As pessoas olham ele acontecendo, é um evento bem visceral, verdadeiro, orgânico. Mas não fazem ideia do tanto que a gente trabalha no dia a dia, com metas de comunicação e engajamento para construir um evento forte e crescente tão constantemente”, revela.

A música em Minas

“Uma sociedade sem identidade cultural não vai a lugar nenhum. Tratando-se de Belo Horizonte, Minas Gerais, a gente tem uma estrada longa pela frente. Aqui, tem muita coisa original, maravilhosa e especial, que não olhamos com um carinho devido, destaca o artista.

“Antes de tudo, o papel do Tranquilo é interno, de questionar isso. Tudo que é de fora costuma ser considerado melhor, é mais bem recebido”, critica. 

O produtor ressalta que Minas fica no centro do Brasil, tem um pouquinho de cada estado, mas ainda assim, não recebe a atenção necessária.

“É um estado nem tão interiorano, nem tão cosmopolita. Isso é positivo, mas vejo no belo-horizontino moderno uma recusa em se reconhecer como o que é, parece que tá sempre tentando ser outra coisa. A gente tem o nosso próprio jeito de falar, as gírias. Acho que os artistas do funk de BH defendem isso de uma forma muito mais legal”, aponta.

“Se conseguimos criar espaço para os artistas daqui, e os independentes se sentem livres para carregar a mineiridade deles, a tendência é construir uma autoestima maior para o mineiro”, destaca.

“Você vê o que o Carnaval faz com a autoestima do belo-horizontino, o que o Tranquilo faz. As pessoas defendem a música independente de BH quando vão para fora da cidade. É isso que a gente quer. Acreditar em nós mesmos, para que a gente consiga propagar isso e trazer outros resultados”. 

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Carnaval é um grande representante significativo de como a cultura movimenta a economia (Paulo Santos/BHAZ)

Tranquilo BH, São Paulo e mais

Com a expansão do Tranquilo para São Paulo – onde os eventos são às segundas-feiras -, Thales Silva precisou se mudar para a capital paulista. É de se esperar: os planos para 2023 são ousados.

“Vamos fazer 45 edições no ano aqui em São Paulo, assim como em BH. Temos a previsão de testar, fazer um piloto, em pelo menos, mais uma ou duas cidades de estados diferentes. E se tudo fluir como estamos sonhando, até testar uma edição fora do Brasil”, pretende Thales. 

“Agora, o Tranquilo entende que tem um papel na circulação entre os artistas. Gostamos de combater as dificuldades do artista independente, em começo e meio de sua trajetória. A circulação é um grande impacto que, estando só em BH, a gente não conseguia resolver”.

Será que tem como dar “spoiler” do que vem por aí? “Não posso citar nomes porque ainda não estão fechados, mas podem saber que estamos procurando algumas figuras mais consolidadas, como foi com o Lô Borges”, antecipa Silva.

“É essencial essa ferramenta de trazer músicos tradicionais que vêm chancelar o trabalho deles como artistas e o nosso trabalho como evento. Neste ano, vamos trazer pelo menos um grande artista por mês, e algumas surpresas também”.

Agora, com o sucesso do projeto, Thales celebra que terça-feira se tornou o dia de escutar música independente em BH.

“Antes, era um dia parado. Hoje, é o dia do Tranquilo. Tem até uma brincadeira que um amigo meu criou: ‘Segunda, Tranquilo, Quarta, Quinta, Sexta…'”, brinca o produtor.

É assim, no bom estilo mineiro, que o movimento vai “comendo pelas beiradas” e ajudando a fortalecer cada vez mais a cena musical independente. Tudo isso, é claro, sem perder o jeito tranquilo.

Serviço – Tranquilo

Redes sociais*: instagram.com/tranquilobh e instagram.com/tranquilosaopaulo
Site: tranquilobh.com.br | Na loja virtual, são vendidos itens para uso em festivais, shows, praias e praças: camisa, boné, shoulder bag, ecobag, cadeirinhas práticas, por exemplo.
* Na rede, são feitas as enquetes que chamam as pessoas para o evento.

Edição: Sinara Peixoto
Beatriz Kalil Othero[email protected]

Jornalista formada pela UFMG, escreve para o BHAZ desde 2020, e atualmente, é redatora e fotógrafa do Portal. Participou de reportagens premiadas pela CDL/BH em 2021 e 2022, e pela Rede de Rádios Universitárias do Brasil em 2020.

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