Um mineiro na melhor universidade do mundo: Fernando Brandão e o emaranhamento quântico

A computação é uma parte onipresente da tecnologia moderna, utilizada em smartphones, carros, aparelhos de cozinha e muito mais. Mas há limites para o seu poder.
Fernando Brandão, o mais novo professor do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), ocupa a cátedra Bren de fisica teórica no instituto e estuda como superar esses limites com computadores quânticos, que podem revolucionar a computação e mudar os sistemas criptográficos do mundo um dia.
Fernando é o primeiro e o único professor brasileiro da Caltech, instituição que tem 34 prêmios Nobels associados e foi eleita nos últimos cinco anos a melhor universidade do mundo, no ranking da Times Higher Education.
Conversamos sobre sua carreira, que começou na UFMG e passou pelo Imperial College (Reino Unido), ETH (Suica), University College London (Reino Unido) e Microsoft Research (Estados Unidos), antes da renomada instituição americana.

Brandão é o primeiro e o único docente brasileiro na Caltech.
BHAZ: Quando você descobriu seu gosto para a física?
FERNANDO: Quando criança, eu não tinha muito interesse por ciência. Gostava de arquitetura e depois me interessei por música na adolescência. Mas acho que sempre tive uma mente criativa. No segundo grau percebi que gostava de física e matemática, mas não sabia se eu queria ser cientista. Então fui estudar engenharia na universidade. No meio do curso, descobri que meu interesse era realmente por ciência básica. Assim mudei para física e nunca mais me arrependi.
Você escolheu um caminho diferente para sua graduação em física e seu mestrado, adiantando matérias e provas, algo até então pouco visto na UFMG. Como você fez para conseguir em muito menos tempo que o normal, terminar a graduação e obter o mestrado?
Quando decidi largar o curso de engenharia e mudar para a física, eu fiquei alguns meses entre um e outro. Neste tempo resolvi começar a estudar física por conta própria e ler os livros que eu utilizaria no novo curso. Foi ai que descobri que a UFMG tinha a opção de eliminar matérias fazendo uma prova sobre o conteúdo. Me aproveitei disso e adiantei alguns anos a minha graduação.
Quando fez o mestrado, você escolheu qual caminho para o doutorado? E por quê?
Quando eu decidi mudar de curso, fiquei na dúvida se iria para física, matemática ou ciência da computação, porque gostava muitos das três disciplinas. Foi então que eu descobri a área na qual eu trabalho até hoje: computação quântica. Desde que comecei a aprender sobre a área, eu ja sabia que era com isso que eu queria trabalhar (isso na verdade foi o motivo para eu terminar a graduação mais rápido, para poder me dedicar a pesquisa). Tanto no mestrado na UFMG, quanto no doutorado no Imperial College, a computação quântica foi o meu tópico de pesquisa.

O que você faz na Caltech?
Minha pesquisa é em ciência da informação quântica, um campo que procura fundir duas das maiores descobertas do século passado: a mecânica quântica e ciência da computação. Particularmente, estou interessado em estudar o emaranhamento quântico. Aprendemos que o emaranhamento é um novo recurso físico (como energia) que pode ser usado em computação e criptografia quântica. É um tipo especial de correlação encontrada apenas na mecânica quântica. Estamos todos familiarizados com o conceito de correlações. Por exemplo, o clima no sul da Califórnia é muito bem correlacionado de um dia para o outro, se é ensolarado hoje, ele provavelmente vai ser ensolarado amanhã. Sistemas quânticos podem ser correlacionados de forma ainda mais forte. O emaranhamento foi visto pela primeira vez como uma característica estranha de mecânica quântica. Einstein se refere a ele como uma “ação fantasmagórica à distância”. Mas com o avanço da ciência da informação quântica, o emaranhamento é agora visto como um recurso físico que pode ser usado no processamento de informações, como na criptografia quântica e computação quântica. Uma parte da minha pesquisa é desenvolver métodos para caracterizar e quantificar emaranhamento. Outra é encontrar novas aplicações de emaranhamento, tanto em ciência da informação quântica e em outras áreas da física.

O que é um computador quântico?
No nível mais básico, os computadores são feitos de milhões de interruptores simples, chamados de transistores. Os transistores têm dois estados – ligados ou desligados – que podem ser representados como zero ou um, compondo o código binário. Com um computador quântico, seus blocos de construção básicos (chamados qubits) podem ser um ou zero, ou eles podem existir simultaneamente como um e zero. Esta propriedade é chamado de princípio da superposição e, juntamente com o entrelaçamento e interferência quântica, é o que permite que os computadores quânticos, teoricamente, resolvam certos problemas muito mais rápido do que os computadores normais, “clássicos” poderiam. Vai levar um longo tempo até que nós realmente tenhamos computadores quânticos, mas já estamos tentando descobrir o que eles podem fazer.
Qual seria um problema que só poderia ser resolvido por um computador quântico?

É um fato matemático que qualquer número inteiro pode ser decomposto (fatorado) em um produto de números primos. Por exemplo, 21 pode ser escrito como 3 x 7, que são ambos números primos. Decompor um número é bastante simples quando se é um número pequeno, mas fatorar um número de mil dígitos num computador clássico levaria realmente bilhões e bilhões de anos, mais tempo do que a idade do universo! No entanto, em 1994, Peter Shor mostrou que computadores quânticos seriam tão poderosas que seriam capazes de fatorar números muito rapidamente. Isto é importante porque muitos sistemas criptográficos-os atuais algoritmos que protegem suas informações de cartão de crédito quando você faz uma compra on-line, por exemplo, são baseados em fatorar números grandes com a suposição de que alguns códigos não poderiam ser quebrados por bilhões de anos. A computação quântica iria mudar a forma como fazemos criptografia.
O que despertou seu interesse em informação quântica?
Durante a minha graduação, eu estava procurando coisas interessantes para ler na web e encontrei algumas notas de aula sobre computação quântica, que eram de John Preskill [Richard P. Feynman Professor de Física Teórica da faculdade Caltech]. Eram ótimas notas e foram realmente o meu primeiro contato com a informação quântica e, de fato, com a mecânica quântica. Estive trabalhando com ciência da informação quântica desde então. E agora que estou na Caltech, tenho um escritório direito no corredor de Preskill!
O que te deixa particularmente animado agora que você está na Caltech?
Eu não posso pensar em um lugar melhor do que a Caltech para fazer informação quântica. Há muitas pessoas trabalhando nisso a partir de ângulos diferentes, por exemplo, no cruzamento da informação quântica e da física da matéria condensada, ou física de alta energia. Estou muito animado para começar a colaborar com eles.
O que você gosta de fazer no seu tempo livre?
Eu costumava viajar muito, mas seis meses atrás, minha esposa e eu tivemos um bebê, então ele está nos mantendo ocupados. Junto com o trabalho e exercícios que, basicamente, ocupam todo o meu tempo.
Você é guitarrista, não é? Você acha que a música e a física tem algo a ver?
Estou parado no momento, mas sim, a música é uma parte importante da minha vida. Eu toquei no passado num trio de jazz e um aspecto fundamental é improvisar sobre o tema da música. O processo me lembra muito como é fazer ciência. Existe um sistema de algumas regras fixas que devem ser seguidas, mas você tem a liberdade para criar em cima delas, e produzir algo original. No caso do jazz o resultado é um solo que agrade aos ouvidos. No caso da ciência é algo novo sobre o nosso universo que ninguém tinha descoberto ainda.
Você chegou a trabalhar um tempo na Microsoft, como isso aconteceu? O que você fazia lá?
Sim, eu estava trabalhando como professor associado de ciência da computação no University College London quando apareceu oportunidade de trabalhar no grupo de pesquisa em computação quântica da Microsoft Research. Ai mudei com minha esposa de Londres para Seattle, onde é a sede da Microsoft. O departamento de pesquisa da empresa investe em computação quântica a mais de um década já, mas agora eles decidiram aumentar os esforcos na área. Foi uma experiencia gratificante ver como o ritmo de trabalho em uma grande empresa é diferente da academia.
Quais seus seus projetos daqui pra frente?
Acredito que estamos no meio de uma revolução científica na física, no uso de ideias da ciência da computação em areas como física da matéria condesada e física de alta energia, e é estimulante poder fazer parte dela. E claro, eu espero antes de me aposentar ver um computador quântico funcionando.

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