Censura x Liberdade de ensino: Escola Sem Partido é alvo de debates na Câmara de BH

Karoline Barreto/CMBH + Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Projeto de Lei 274/2017, que prevê a criação do Programa Escola Sem Partido, tem pautado as discussões na Câmara Municipal de Belo Horizonte nas últimas semanas. Vereadores favoráveis tentam aprovar o texto, enquanto os da oposição se mobilizam para impedir a votação. A movimentação tem feito com que os ânimos se aflorarem na Casa.

De um lado estão aqueles que querem garantir o “direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos”, proibindo que as escolas se envolvam na orientação sexual dos alunos ou que apliquem o que o projeto define como “ideologia de gênero”. Na outra ponta aqueles que defendem o livre direito da cátedra dos professores, e a liberdade de ensino.

Ao BHAZ, o professor Marcus Taborda, da Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), apresentou os possíveis impactos do PL na educação pública da rede municipal. Antes disso explicamos o que o texto prevê.

Membros da educação tem participado ativamente das reuniões plenárias (Karoline Barreto/CMBH)

Assinado por 21 vereadores, o PL diz em sua justificativa que os professores estão utilizando as aulas para “tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas” e a influenciar que “eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais”.

Para o professor Taborda “é de uma ignorância ou má fé” pensar que ao discutir sobre gênero nas escolas o aluno será impactado. “Somos multiculturais em todos os sentidos, inclusive no gênero. A escola pública tem que ensinar essa diversidade e a convivência. Se nós negarmos aos alunos o acesso ao conhecimento da diversidade, estaremos bloqueando sua capacidade de desenvolvimento pleno”.

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Tratar a questão do gênero é uma forma, segundo o professor, de romper preconceitos. “O que os alunos farão com sua sexualidade é problema deles, mas nós temos que ampliar o debate das várias formas de viver na sociedade, e a questão do gênero é uma delas. Negar isso é permanecer no mundo do preconceito”.

O PL, como prevê em seus artigos, apresenta aquilo que os professores poderão, ou não, fazer e falar em sala de aula, o que criticado pelo docente da UFMG. “A concepção do texto coloca o professor como o vilão e busca esvaziar a escola de um dos seus sentidos fundamentais, de possibilitar diferentes visões de mundo. O Escola Sem Partido é autoritário, escola é lugar de pluralidade”.

Favoráveis ao Escola Sem Partido também estão ocupando a Casa (Karoline Barreto/CMBH)

“O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula”. Esse trecho é um dos itens do artigo 3º da proposta. Na visão de Taborda os professores não doutrinam os alunos, como pensam aqueles que defendem o PL. “É um pressuposto equivocado de que professores doutrinam seus alunos. Dá a entender que todos são engajados ideologicamente ou politicamente em alguma coisa. Temos profissionais que são cristãos, ateus, outros que são liberais, socialistas e apolíticos. Temos várias visões de mundo convivendo harmonicamente”, ressalta.

“Deveres do Professor”

Caso seja aprovado, e consequentemente sancionado, as salas de aula receberão cartazes com os “Deveres dos Professores”. Com, no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura e fonte compatível o cartaz trará o seguinte:

  • O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
  • O Professor não favorecerá, não prejudicará e não constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
  • O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
  • Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa — isto é, com a mesma profundidade e seriedade —, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
  • O Professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
  • O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Nas instituições de educação infantil, os cartazes serão colocados somente nas salas dos professores. Determinar o que os professores devem fazer em sala de aula não é bem visto por Taborda. “Controlar o professor é algo perverso, pois a sociedade não é lugar de neutralidade. Vivemos uma realidade política ideologizada. Imaginar que a escola e a sociedade será neutra é de grande ignorância”.

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Não é a primeira vez que o Escola Sem Partido é levado para votação na Câmara e o professor Taborda espera que ele não seja aprovado. “Esse PL já esteve em pauta outras vezes e foi contestado pelo Ministério Público e sofreu reações de sindicatos, universidades e até mesmo do prefeito. Não sei se teremos o desprazer de ter o projeto aprovado, mas caso aconteça, espero que o prefeito haja para que não tenhamos algo tão obscuro nas escolas”.

PL tem pautado as discussões na Câmara (Karoline Barreto/CMBH)

Na Câmara de BH a discussão em torno do PL continua e os vereadores contrários ao projeto pretendem obstruir a pauta. Essa é uma estratégia prevista no Regimento Interno e utilizada por blocos minoritários para adiar a apreciação do projeto em debate, a fim de ampliar a discussão e os argumentos para evitar a aprovação do texto pela maioria formada.

Uma das ferramentas é a apresentação de requerimentos diversos, que são lidos em Plenário e apreciados individualmente, gerando muitas oportunidades de fala ao microfone: discussão dos conteúdos, encaminhamento das votações e apresentação de recursos das decisões.

As sessões acontecem na CMBH nos 10 primeiros dias úteis do mês. A última sessão de outubro está marcada para a próxima segunda-feira (14).

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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