VÍDEOS: Ex-funcionários da Droga Clara denunciam sessões de espancamento de suspeitos de furto em lojas de BH

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O BHAZ teve acesso a uma série de vídeos que mostram jovens, mulheres e até mesmo idosos sendo agredidos em dependências da Droga Clara (Arquivo pessoal)

Ex-funcionários da rede mineira de farmácias Droga Clara denunciam a existência de uma cultura de violência e sessões de espancamento contra suspeitos de furto em lojas de Belo Horizonte. O BHAZ teve acesso a uma série de vídeos que mostram homens e mulheres, alguns deles idosos, sendo agredidos em locais que ficariam dentro das dependências de unidades espalhadas pelo Centro da capital. No esquema, pessoas flagradas furtando produtos ou mesmo apenas suspeitos eram violentadas por seguranças terceirizados, segundo os relatos e os vídeos.

“Uma vez, na unidade da [rua] Tupinambás, eles bateram tanto no menino que todo mundo começou a gritar: ‘Para, pelo amor de Deus!’. Quando terminou a ‘sessão de tortura’, eles jogaram o menino da escada lá embaixo”, narra um ex-segurança da Droga Clara, que preferiu não se identificar por medo de retaliação. Ele será chamado pelo nome fictício “Pablo” durante a reportagem.

Um dos sete vídeos que o BHAZ teve acesso foi gravado em julho de 2022. Nele, ao menos três pessoas cercam uma mulher quando um deles a agarra pelo pescoço no corredor de uma das lojas. Nas imagens é possível identificar uma funcionária do setor de recursos humanos transitando pela loja. À reportagem, a mulher não quis comentar o caso, e disse que não trabalha mais na Droga Clara.

Em outro vídeo, gravado em fevereiro deste ano, é possível ver que um casal de idosos está dentro de uma sala, quando um homem se aproxima e agride o senhor, depois de ele ter dado um tapa leve no segurança. No decorrer das imagens, o idoso chega a cair no chão. A idosa que o acompanha grita diante da abordagem.

Além dos agressores, que vestem camisas pretas e seriam capangas da loja, dois funcionários uniformizados aparecem. A reportagem fez contato com um deles que confirmou o registro. Ele seria o supervisor de segurança e responsável por convocar os capangas da farmácia para agredir suspeitos de furto. Segundo ele, o dono da rede de farmácias, Warley Oliveira, seria o responsável por dar as ordens de agressão.

“Da minha parte, eu não mandava ninguém meter a mão em ninguém. Eu não posso falar pelo dono da empresa. Eu era funcionário da empresa. Nunca cheguei em ninguém e falei: ‘quebra ele na porrada’. Jamais iria fazer uma coisa dessa”, disse.

Segundo esse ex-funcionário e um dos capangas, outra ordem de Warley era para que nenhum morador de rua ficasse na frente das lojas da Droga Clara e seguranças eram contratados para retirá-los dos locais. A reportagem tentou contato com o proprietário da farmácia por diversas vezes e reiteradamente questionou as respostas dadas pela assessoria de imprensa da rede de farmácias.

A empresa não nega os fatos, nem mesmo que o proprietário tenha dado as ordens. Em nota, diz que “tomou conhecimento sobre situações envolvendo o seu nome e vem esclarecer que adota as melhores práticas de prevenção e combate ao racismo, à intolerância e à violência sob qualquer forma” (leia na íntegra abaixo).

Segundo testemunhas, a prática se repetia em várias lojas da Droga Clara em BH, como as que ficam localizadas nas ruas Tupinambás, Caetés e São Paulo e, também, nas das avenidas Afonso Pena, Santos Dumont e Augusto de Lima.

Cliente denuncia racismo

A apuração da reportagem teve início depois que uma mulher preta denunciou ter sido perseguida por um segurança enquanto fazia compras em uma unidade da avenida Afonso Pena. Em conversa com o BHAZ, Layka Borges conta que sondava o preço de um filtro solar quando percebeu que estava sendo vigiada.

“Sempre rodo em algumas farmácias para saber qual é a mais em conta. Entrei na loja e tive uma leve impressão de que uma pessoa assobiou para o segurança ir atrás de mim. Eu trocava de corredor e ele ia atrás. Fiz o teste de agachar e ele veio atrás. Foi quando perguntei o porquê de ele estar me perseguindo”, relata ela.

A cabeleireira resolveu denunciar o episódio em vídeo filmado ainda dentro da farmácia. Na ocasião, ela questiona a atitude do segurança, que também é negro, de desconfiar da idoneidade dela.

“Quando estava vindo embora, ele riu. Foi o momento em que comecei a gravar. Branco a gente até espera que seja racista, mas agora preto?”, questiona Layka.

Após a repercussão do caso, a cabeleireira começou a receber relatos de pessoas que já trabalharam na rede e presenciaram cenas de violência contra clientes que seriam suspeitos de furto. As imagens foram publicadas por Layka no Instagram.

‘Pessoas negras são mais visadas’

Ao BHAZ, um ex-segurança da empresa, que será chamado pelo pseudônimo “Marcos” durante a reportagem, disse que trabalhou na Droga Clara durante quatro anos e que em todo esse período era coagido por parte do então supervisor de segurança da empresa a participar de abordagens violentas contra pessoas suspeitas de furto.

Ele diz ter participado de ao menos 70 casos de agressão. Marcos conta que em alguns casos a pessoa abordada era inocente: “O simples fato de você entrar na loja e não comprar nada já te torna uma pessoa suspeita”, diz ele.

“As pessoas negras são mais visadas, pessoas com a cútis mais escura, talvez pela vestimenta também, moradores de rua. Se pegasse uma Dipirona que for, a regra é essa: tem que manter a pessoa em cárcere privado até decidirem o que fazer com o indivíduo”, acrescentou o ex-funcionário.

Empresa contrata homens para dar ‘corretivo’

Em um grupo no WhatsApp, conforme afirma Marcos, fiscais de loja, gerentes, seguranças e coordenadores marcavam o rosto dos suspeitos que deveriam ser vigiados enquanto estivessem na loja.

O ex-supervisor de segurança da empresa admite a existência do grupo e conta que a função era monitorar pessoas que já tenham sido pegas roubando as lojas.

“São pessoas conhecidas de todos os seguranças. Quando eles apareciam nas lojas, a gente comunicava nas outras unidades para todo mundo ficar atento”, afirma.

Seguranças mantém grupo no WhatsApp para monitorar suspeitos (Arquivo pessoal)

Na maioria dos casos, seguranças contratados de forma terceirizada compareciam às lojas para dar o “corretivo”. Um deles é Alessandro Magno da Silva, apelidado de Tim Maia – homem forte que aparece em dois dos vídeos de agressões que o BHAZ teve acesso.

Conforme apurado pela reportagem, ele já teria sido preso duas vezes, em 2007 e 2014, por bater em clientes dentro de uma lanchonete e de uma casa de shows em que atuava como segurança. No sistema da Polícia Militar constam 41 ocorrências policiais no nome dele, mas, dessa vez, a maioria dos casos são referentes a suspeitos de furto conduzidos à delegacia por ele.

Outro homem que aparece dando um “corretivo” em um suspeito de furto é identificado como Flávio, funcionário de uma distribuidora de água no Centro de BH. Nas imagens, ele aparece dando socos na barriga de um homem que teria roubado desodorantes. Ele então liga para o ex-supervisor da empresa para pedir orientações.

O BHAZ conseguiu falar com Flávio, que confirmou a prática, mas se negou a gravar com a reportagem. Ele admite ter agredido um homem, mas diz que o fez por ter sido empurrado escada abaixo.

À equipe, ele disse que era contratado pelo então supervisor de segurança da Droga Clara, junto com Tim Maia, para retirar moradores de rua das portas das lojas do centro de BH, mas que a aplicação da violência ficava à cargo do colega na maioria das vezes.

‘Amassar isso na sua cabeça’

Em outro vídeo, Tim Maia aparece com uma algema em mãos e dá tapas em um homem, que tenta fugir das agressões. Em uma segunda filmagem, ele coloca uma luva de látex antes de dar vários tapas no rosto de outro suspeito, além de agredi-lo também com um desodorante que teria sido furtado.

“Roubando aí? Olha para a minha cara aqui, sô! Cê não me conhece não, conhece? Cê me conhece, sô! Porque cê veio roubar aqui? Fala comigo, sô! Já falou comigo? Amassar isso na sua cabeça pra você aprender, filho da p***”, diz ele em um dos vídeos, enquanto agride um homem que está sentado numa escada.

“O Tim Maia não tem cargo na empresa, era aquele cara que faz segurança de loja, segurança de rua. O perfil dele é aquele perfil que amedronta e as pessoas começam a ter medo dele. Qualquer lugar no Centro de BH que tem um comércio, se você perguntar por ele, todo mundo sabe quem é”, relata Pablo, que saiu da empresa em agosto de 2021.

O BHAZ tentou contato com Tim Maia por telefone e WhatsApp por repetidas vezes, mas, até a publicação desta matéria, não obteve retorno. Tão logo ele se manifeste, esta matéria será atualizada.

Funcionários proibidos de questionar

Em outro vídeo obtido pelo BHAZ, uma idosa é agredida nas mãos com uma espécie de palmatória. Um ex-gerente da Droga Clara, que será chamado de “Reinaldo” na reportagem, conta que era comum até mesmo o uso armas de choque, soco inglês e algemas nas abordagens.

“O pessoal fica com medo, porque eles batem muito. Já teve caso de eu ter que socorrer, chamar a ambulância porque um rapaz ficou desacordado do lado de fora da loja. Todos os funcionários sabem que esse tipo de coisa acontece”, declarou ele.

Em outra abordagem, um idoso teria sido espancado no estoque. “Ele defecou todo nas calças e o pessoal do lado de fora ficou revoltado e queria invadir a loja”, lembra Reinaldo.

Ao questionar a prática a um dos supervisores, o ex-segurança Marcos, que pediu demissão em fevereiro deste ano, disse ter recebido uma punição.

“Muitas vezes tinha que abordar o indivíduo lá fora, com garrafa, com arma branca. E a gente tinha que pegar o indivíduo até a empresa tomar providências”, conta ele.

Apenas um dos depoimentos de ex-funcionários da Droga Clara ouvidos pela reportagem foi dado em off. Todos os demais foram gravados. A decisão de usar pseudônimos foi para proteger a identidade dos entrevistados, temerosos de sofrer retaliações.

O que diz a Droga Clara?

Em nota, a Droga Clara diz não compactuar com episódios de violência mesmo que eventualmente, sejam eles ocorridos nas dependências da empresa ou fora dela“.

“Estamos empenhados na apuração dos relatos envolvendo o nome da nossa empresa e as medidas legais serão devidamente tomadas. A Droga Clara mantém o transparente compromisso de respeito e dignidade com seus clientes e funcionários”, acrescentou.

Nota da Droga Clara

A Droga Clara tomou conhecimento sobre situações envolvendo o seu nome e vem esclarecer que adota as melhores práticas de prevenção e combate ao racismo, à intolerância e à violência sob qualquer forma, ao que repudia e não compactua com qualquer episódio que envolva tais situações, mesmo que eventualmente, sejam eles ocorridos nas dependências da empresa ou fora dela.

Estamos empenhados na apuração dos relatos envolvendo o nome da nossa empresa e as medidas legais serão devidamente tomadas. A Droga Clara mantém o transparente compromisso de respeito e dignidade com seus clientes e funcionários.

Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

Asafe Alcântara[email protected]

Coordenador de mídias digitais e repórter, no BHAZ, desde setembro de 2021. Atualmente concilia como repórter na Record TV Minas.
Jornalista graduado pelo UNI-BH, com experiência em redações de veículos de comunicação, como RedeTV! BH, TV Band Minas, TV Alterosa, TV Anhanguera (afiliada Globo GO), TV Justiça e CNN Brasil.

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