‘O desenho fala por si só’: Chargista Bruno Lanza abre as portas de seu ateliê em BH e fala da vida como artista

Bruno Lanza, chargista e parceiro do BHAZ desde 2020 (Jonas Rocha/BHAZ)

“Seu desenho pode ser um lixo, mas se você souber transmitir uma ideia boa, vai dar certo”. A frase é de Bruno Lanza, chargista parceiro do BHAZ, que abriu as portas de seu ateliê e destrinchou as etapas de seu processo criativo enquanto conversava com a reportagem. Formado na Escola de Belas Artes pela UFMG, o belo-horizontino de 33 anos acredita que a arte vai muito além do que é visível.

Embora não acredite ter o “dom” do desenho, é inegável que o desenhista leva jeito para a coisa. Para estimular a criatividade, Bruno “vai cavando” até encontrar o que faça sentido para a realidade em que está inserido. Diariamente, procura se informar sobre o que acontece mundo afora e aproveita para exercitar um olhar atento ao que mais importa: o dia a dia e as pessoas.

Bruno cria histórias, fantasias e homenagens em um estúdio na região Central de BH. Lá, ele se aperfeiçoa na prática de valorizar pequenos detalhes e garante que observar é um aprendizado diário para quem deseja viver da arte. Se antes seu trabalho era “puramente estético”, como ele mesmo define, hoje carrega mensagens que podem mudar o mundo. Por mais duras que sejam.

Bruno Lanza em estúdio que abriu mês passado, no Centro de BH (Jonas Rocha/BHAZ)

De ilustrador a artista plástico

Natural da capital mineira, Bruno se considera setelagoano: quando tinha apenas um ano, a família do ilustrador se mudou para a cidade na região Central de Minas. Já no começo da vida adulta, voltou para Belo Horizonte para ingressar na universidade e se graduou com habilitação em gravura. Essa é uma das expressões artísticas que ganharam o coração do mineiro.

Bruno Lanza conta que começou a atuar como ilustrador freelancer em 2012, ano em que se graduou na UFMG. No último período da universidade, ele ganhou um concurso de cartum na editora Abril, o que conferiu a oportunidade de trabalhar com o grupo. Ele foi um dos últimos ilustradores contratados pela empresa, que já estava em decadência na época.

Quando a editora realmente encerrou as atividades, Bruno se viu “sem rumo”, sem saber ao certo o que faria a partir dali. Foi então que encarnou um “camaleão” e descobriu inúmeras aptidões. “Esse momento foi um momento legal da minha carreira, vendo de hoje em dia. Comecei a fazer tudo: caricatura, logotipo, charge, ilustração infantil, pintura. Onde eu via que tinha possibilidade eu falava: ‘acho que eu consigo fazer isso’. E fazia”, recorda o artista.

Bruno passou por outras equipes ao longo da vida, incluindo a área de criação de uma empresa de marketing. Mesmo assim, nenhum contrato foi capaz de fazê-lo abandonar as charges e as caricaturas, sua verdadeira paixão. Desbravando novos horizontes, o artista se tornou parceiro da Ideia Clara em 2019, onde trabalha como facilitador e ilustrador até hoje.

Espaço que Bruno usa para desenhar (Jonas Rocha/BHAZ)

Humor e crítica caminham juntos

Quem entra nas redes sociais de Bruno logo se depara com charges, desenhos que utilizam o humor para fazer críticas sociais. Ao BHAZ, o artista explica que existe uma diferença entre esse modelo e o cartum: enquanto o último ilustra assuntos atemporais, a charge registra temas atuais que, daqui a alguns anos, podem não fazer mais sentido.

Bruno narra que, em seus primeiros anos como artista, era receoso em expor opiniões polêmicas em sua arte. Ele avaliava que isso poderia atrapalhar seu processo, já que a bipolaridade no cenário político não é segredo para ninguém. O maior medo era perder um mercado muito grande, o que prejudicaria a carreira de chargista.

Não levou muito tempo até notar que esse desejo não poderia seguir confinado. E tudo se intensificou quando ele se tornou parceiro do BHAZ, em 2020. “Chegou uma época que já não aguentava mais. Falei: ‘não tem como, não tem jeito, o momento pede também’. Eu, como artista, tenho que me posicionar. Acho que faz parte da minha profissão manter uma posição. Por mais que isso feche portas, também abre”, recorda.

“É engraçado, porque tem gente que acompanhava o meu trabalho, gostava dos meus desenhos, e parou porque não tolera nenhum tipo de política envolvida. Às vezes a pessoa só não tem esse interesse, acha que tudo que eu faço é atrelado a isso. Mas ao mesmo tempo eu pude conhecer muita gente que não tá só interessada nisso e que me abriu muitos horizontes”.

Prática está acima do dom

Médico, engenheiro, advogado… artista. Você deve estar se perguntando como tudo começou, e é claro que também questionamos nosso parceiro sobre o desenrolar do percurso. Bruno recorda que sua relação com o desenho teve um início natural, assim como um garotinho que nasce devoto ao futebol. Ele simplesmente nunca parou de desenhar e, aos 14 anos, percebeu que era bom.

Os colegas de escola pediam que ele desenhasse caricaturas e criasse histórias, já que sabiam da habilidade e interesse na arte por trás do estudante. “Eu realmente não achava que eu tinha um diferencial no desenho. Foi só a prática mesmo. Eu desenhava muito, o tempo inteiro, a aula inteira. Saía de sala por causa disso. E uma hora você fica bom, não tem jeito. Era quase uma obsessão”, lembra, divertindo-se.

Bruno mantém desenhos fixados à parede do estúdio (Jonas Rocha/BHAZ)

“É engraçado isso, porque todo mundo começa a infância desenhando, talvez até na mesma proporção. É uma prática comum de criança, e eu nunca parei de desenhar. Enquanto isso, os meus amigos mudaram os interesses, começaram a ficar mais interessados em jogar bola, e tal. Quando você tem um hábito recorrente, começa a ficar bom naquilo, né”, conta Bruno.

Com as pressões de escolher uma profissão batendo à porta, Bruno percebeu com surpresa que não nutria interesse por outras áreas. Foi então que se deparou com um impasse: o pai era dentista da Força Aérea brasileira, enquanto a mãe era fazendeira. De que modo caberia seguir uma carreira como artista? Ele era frequentemente questionado sobre planos, sobre como faria para se sustentar e ganhar dinheiro.

Apesar de tudo, decidiu “bancar” a decisão que hoje lhe rende inúmeros frutos positivos. Ele acredita que a imaturidade da juventude foi até boa para conseguir seguir essa posição, que considera aleatória levando em conta os parâmetros familiares. Atualmente, ele se sente satisfeito com o trabalho que desempenha e a flexibilidade de fazer coisas distintas.

Além de trabalhos autorais, Bruno guarda registros de artistas que o inspiram (Jonas Rocha/BHAZ)

Tirar o olho da tela e olhar para fora

Atualmente, Bruno garante não abre mão de expor certos posicionamentos. Ele cria charges ao menos uma vez na semana e, por isso, acredita que o público já ligue seu trabalho a temas polêmicos. Embora reconheça essa realidade, ele segue explorando a multiplicidade de ideias e formatos que pode criar com um lápis na mão.

Para Bruno, o processo criativo não flui de forma tão natural e espontânea como vemos na TV. Ele conta que anda pelas ruas de Belo Horizonte à procura de inspiração e vai “cavando até achar”, além de se manter informado sobre o que acontece sempre que possível. Um hobby inusitado é observar o rosto das pessoas dentro dos ônibus e do mercado, analisando o modo como elas falam e se expressam. Em seguida, elabora mentalmente como traduziria as informações em um desenho.

“Meu processo criativo é totalmente externo. Não vem nada de dentro, tipo: ‘ah, uma inspiração desceu aqui’. Não funciona assim. Eu vou captando coisas de fora, colocando na bolsa, eu chego aqui e jogo tudo na mesa. Aí falo: vou usar isso, vou usar aquilo. Um conselho é tirar o olho da tela e olhar para fora”, explica o ilustrador.

Rostos conhecidos e homenagem à ex-vereadora Marielle Franco (Jonas Rocha/BHAZ)

O desenho fala por si só

Para Bruno, muito mais importante que saber é desenhar é saber construir uma ideia legal. Ele avalia que a estrutura da ilustração pode até ser mais simples, mas o que realmente torna o trabalho valioso é a autenticidade por trás dele. “Seu desenho pode ser um lixo, mas se você souber transmitir uma ideia boa com seu desenho ruim, vai dar certo”, observa.

Desenhista autodidata até o ingresso na universidade, Bruno revela que o período na UFMG foi intenso. Ele ilustrava sem referências e passava boa parte do dia se dedicando aos trabalhos. Uma inspiração? A Laerte Coutinho – para ele, uma artista multimídia.

Bruno Lanza ilustrou o cantor Milton Nascimento (Jonas Rocha/BHAZ)

Embora as demandas comerciais tomem quase o dia todo, Bruno nutre uma paixão gigantesca pela ilustração infantil. Além de ter uma filha pequena, esse é um universo que o permite “viajar para longe”, o que instiga o desenhista. “Hoje em dia, boa parte do que eu faço é pra Ideia Clara. Lá eu faço facilitação gráfica, ilustração pra vídeo, caricatura. Um pouco de tudo que aparece”, explica Bruno.

O parceiro do BHAZ reforça que o conceito da arte é quase sempre mais relevante que o desenho em si. Por meio das ideias, o artista é capaz de informar as pessoas de maneira acessível, uma das coisas que mais importam para Bruno.

“Acho que tecnicamente, eu sempre tive uma prática muito grande. Então considero que evoluí pouco. Já na parte conceitual, acho que evoluí muito mesmo. Meu trabalho antes era puramente estético, era só uma coisa bonita que você usava pra decorar. E agora isso pra mim não é mais suficiente: tem que ter ali um algum tipo de mensagem, por mais que seja uma mensagem dura”.

Ilustrações e materiais de trabalho de Bruno (Jonas Rocha/BHAZ)
Edição: Roberth Costa
Nicole Vasques[email protected]

Jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escreve para o BHAZ desde 2021. Participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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