Quem passou próximo à Sapucaí, em BH, nos últimos meses, notou a presença de tapumes de madeira e poeira incessante. Esse é o cenário de uma das ruas de maior destaque na cena noturna da capital mineira, desde que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) iniciou as obras de requalificação do local, em junho deste ano. O primeiro quarteirão, entre a avenida Assis Chateaubriand e a rua Tabaiares, foi liberado nessa quarta-feira (18) para pedestres e, embora exista a promessa de transformar a área num mirante 100% voltado para o lazer, enquanto o projeto não se concretiza, os estabelecimentos sofrem com a queda no faturamento e até mesmo o fechamento de seus negócios.
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O restaurante Salumeria Central foi o primeiro a sentir os impactos negativos das obras, tendo fechado as portas no dia 15 de agosto, após 12 anos de funcionamento no mesmo ponto. Em conversa com o BHAZ, Rosi Dias, dona do estabelecimento, conta que o faturamento do local teve uma queda de 80% e que a casa passou a ter problemas de segurança. A revitalização ocorre por quarteirões, e a entrega parcial do bloco entre a avenida Assis Chateaubriand e a rua Tabaiares foi realizada nesta quarta–feira (18), segundo informou a prefeitura em nota.
“A reforma prejudicou todos os comerciantes ali, na verdade. Está todo mundo operando no prejuízo. Por eu estar no primeiro quarteirão que está sendo revitalizado, não consegui manter [os negócios], porque a queda no faturamento foi muito significativa. A gente não teve nenhum incentivo da prefeitura, até uma festa junina que tentamos fazer os fiscais foram lá falar que não podia”, relata Rosi.
De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a obra está dentro do cronograma previsto. “A execução da requalificação urbana da rua Sapucaí está dividida em quarteirões, compreendendo o trecho entre as avenidas Assis Chateaubriand e Contorno, num total de cinco quarteirões”.
“A entrega parcial do quarteirão entre a av. Assis Chateaubriand e a rua Tabaiares foi realizada, com a retirada dos tapumes e liberação para uso dos pedestres e comerciantes. As obras no segundo e terceiro quarteirões continuam em andamento”, informou a Sudecap.
Poeira e bagunça afastam clientes
Mesmo com a obra ainda longe de seu perímetro, as vendas do bar Xangô também já foram afetadas devido à queda geral no movimento da Sapucaí, resultado imediato da restrição no tráfego entre as avenidas Assis Chateaubriand e Francisco Sales. Pedro Ludolf, proprietário do local, explica que um dos maiores problemas é a bagunça na rua.
“Todos os dias a gente precisa dar uma boa faxina, porque está com uma quantidade de terra na frente que não tem como. Mas nós entendemos: é normal dentro de um projeto desse acontecer sujeira”, reconhece o empresário. De acordo com Ludolf, o tempo seco junto à poeira viraram mais um motivo de incômodo para quem ainda está frequentando o local.
Falando em frequentadores, o estabelecimento também sentiu uma queda no público, o que impactou em cerca de 30% no faturamento. Mesmo com a queda no faturamento, o Xangô não precisou demitir nenhum dos quatro funcionários fixos, porém, não tem contratado mais freelancers. “Estamos trabalhando com o mínimo de pessoal possível no final de semana”, explica Ludolf.
O aluguel, por sua vez, já aumentou, com a expectativa pela revitalização da Sapucaí. “Já subiu o aluguel e acredito que na próxima renovação do contrato vai subir mais, acredito que vai ter um novo reajuste”, afirma o empresário.
Empresários reclamam de falta de apoio da PBH
Assim como Rosi Dias, do Salumeria, Pedro Ludolf reclama da falta de apoio da Prefeitura de BH aos comerciantes locais, que já previam os prejuízos e tentaram, em vão, minimizar os impactos. Uma solução encontrada pelo empresário foi entrar em contato com a empresa que está executando a obra e negociar para que o outro lado da rua, onde fica o parapeito, seja reformado primeiro quando a obra chegar ao quarteirão do Xangô. “O pessoal da empresa foi super solícito e conseguimos negociar com eles para que fizessem o lado de lá da rua”, diz Ludolf.
Além disso, o dono do Xangô espera contar com o apoio do público nesse período de obras. “Queríamos era reforçar com a própria comunidade, com as pessoas que frequentam, para não deixarem de vir para dar uma força para os bares, porque, de certa forma, os bares que são o coração da Sapucaí, e a gente conta com o apoio deles para não precisarmos fechar e fazer jus a essa obra”.
Em nota ao BHAZ, a PBH esclareceu que a requalificação teve participação popular que discutiu as melhorias na estrutura e no espaço de convivência. “Além de pesquisa pública, que contou com a participação de 7.000 moradores, foram realizadas oito reuniões públicas com a sociedade civil organizada, Ministério Público, comunidade acadêmica, moradores e comerciantes locais”, informou o órgão.
Conforme a prefeitura, “a equipe em campo também mantém o diálogo com os comerciantes” durante a obra. Ao todo, a administração municipal investe R$ 4,65 milhões na revitalização da Sapucaí.
Bares fazem rodízio de funcionários e realocam empregados
Mesmo com a diminuição drástica no faturamento, alguns estabelecimentos seguem operando, como o pub Mi Corazón, também localizado no primeiro quarteirão que recebe as obras. Adair Egídio, dono do local, tem uma visão otimista sobre a requalificação da Sapucaí, no entanto, reconhece os impactos negativos.
“Ficamos parcialmente fechados. Normalmente, abrimos às sextas-feiras e sábados, mas, com a rua em obras, vinha muita pouca gente. Teve uma queda de tudo, a receita caiu de 60% a 80%. Começamos a abrir somente no sábado”, explica o proprietário do pub.
Para sobreviver ao período de baixo movimento, Egídio conta com o apoio de outra unidade do Mi Corazón, que fica na Savassi. Os funcionários foram realocados neste outro estabelecimento. “Não poder colocar mesas na calçada foi triste. No sábado vinha aquele público mais fidelizado, eles enfrentaram lama, cimento, areia e muita terra”, diz Egídio.
“É um sacrifício. O movimento, eu não sei se vai melhorar, mas a rua vai ficar linda e a gente vai colocar uma proposta bem legal no bar. Eu torço muito para que isso seja compensado”, diz Egídio.
Fernando Berigo, proprietário do bar Murê, também afirmou ao BHAZ que, durante o período da obra, o movimento caiu 80%. Em razão disso, foi necessário reduzir e, até mesmo, fazer rodízio entre os funcionários, mas a situação financeira do bar não se agravou porque a casa se planejou durante meses para este período. “Buscamos alternativas para sobreviver e, por isso, fomos cortando algumas coisinhas. Entendo que é necessário no momento, pois, assim que as obras acabarem, voltaremos com força total”, disse.
Apesar do período de recessão, Fernando está otimista com o resultado da revitalização, uma vez que, para ele, isso fortalecerá o turismo e a rotatividade de pessoas na rua Sapucaí. “Tenho certeza que todos ficarão curiosos, afinal, aqui é um ponto famoso de BH, rico em gastronomia e cultura. Quem ainda não visitou o espaço, com certeza, vai querer vir aqui para ver como ficou. Sem contar os frequentadores fiéis. Tem clientes que ligam e mandam mensagem falando que está com saudades e não vê a hora de poder voltar”, afirma.
Segundo a PBH, no projeto estão inclusos área de permanência; mobiliário urbano; arborização e paisagismo; arquibancada mirante; quiosques comerciais com banheiro público; acesso local para carros das garagens existentes; vagas de carga e descarga; pavimentação de um plano único entre os dois passeios das avenidas Assis Chateaubriand e Contorno; trechos em piso gramado; entre outras adequações.
Outro lado: bar muda de lugar e expande operação durante obra
O empresário e arquiteto Alfredo Lanna pensou em estratégias diferentes para “driblar” a situação. Segundo o sócio do Botequim Sapucaí, durante os primeiros dez dias de obra, ele notou que o faturamento e o movimento caíram 80% e, por isso, uma das soluções foi mudar de endereço. Atualmente, o estabelecimento foi realocado para o Tabaiares, bar que abriu recentemente e leva o mesmo nome da rua onde está localizado – perpendicular à rua Sapucaí.
“Como a prefeitura estabeleceu um diálogo conosco e fomos avisados com antecedência, foi possível me organizar para fazer a mudança. Além disso, tínhamos uma demanda reprimida por conta do tamanho do nosso espaço. Então, aproveitamos a revitalização e o imóvel disponível na Tabaiares”, contou ao BHAZ.
Alfredo afirmou que a intenção não é manter o Botequim Sapucaí no novo endereço, mas sim retorná-lo, assim que as obras terminarem, para o local antigo. Porém, o Bar Tabaiares permanecerá atendendo as demandas de almoço e jantar. “Continuamos com o trabalho, mas, um pouco diferente. Evidentemente, as obras ‘espantam’ as pessoas, mas, apesar disso, o nosso movimento está crescendo. Foi apenas um baque inicial”, completou. O empresário também explicou que, enquanto a revitalização segue, o intuito é reformar o espaço que está fechado.
Além disso, diferentemente de outros comerciantes, que precisaram fazer contenção de gastos, o arquiteto ressaltou que, no momento, está concentrando em fazer investimentos. Desde que as obras começaram, o quadro de funcionários do restaurante aumentou e foram feitas algumas modificações, como a construção de uma cozinha de produção central e expansão do local.
“Se eu abri dois comércios quando a rua não tinha infraestrutura, iluminação boa, câmeras de segurança e imobiliário urbano é porque acreditava na Sapucaí. Então, agora não seria diferente e pensamos que é o momento de reinvestir”, relembrou Alfredo que inaugurou, na semana passada, a sorveteria Zeferino, ocupando o salão central do antigo Salumeria.
Outro estabelecimento que não sofreu com as consequências da revitalização foi a pizzaria Panorama, onde Alfredo também é sócio. Ainda segundo o empresário, como o comércio é no segundo andar do prédio, conseguiu “se livrar” da poeira e da bagunça causadas pela obra. “Segunda e terça-feira temos um ótimo movimento. Além disso, estamos pensando em expandir para o andar debaixo”, reiterou.
O arquiteto, assim como os demais comerciantes, está otimista em relação ao resultado da revitalização e acredita que a circulação de pessoas no ponto turístico será ainda maior. “Tem um motivo para ir à Sapucaí que não seja só os bares, né? A rua também encanta. Como arquiteto, desejo que o espaço urbano seja ocupado e vê isso acontecendo em BH é incrível. Essa obra veio para trazer potenciar o turismo de negócios, tenho certeza disso”, disse.
Sapucaí Festival fomenta economia da Sapucaí
Neste fim de semana (21 e 22), será realizado mais uma edição do Sapucaí Festival, evento que promove música, arte e gastronomia na via em questão. Por causa das obras, a festa será realizada na rua Itambé, com a participação de alguns estabelecimentos da Sapucaí. A expectativa é de ajudar os empreendedores a dar um gás em suas vendas.
“Foi um longo processo até receber a negativa do setor de licenciamento da prefeitura, de que de fato as obras aconteceriam a partir de junho. Eu sempre realizo o festival no mês de julho, mas este ano, por conta de decisões burocráticas, até mesmo por causa dessa demora em decidir se a Sapucaí estaria aberta ou não, marquei para setembro”, relata Fabiana Pinheiro, idealizadora do evento.
Com o objetivo de continuar próxima da Sapucaí, a idealizadora escolheu a rua Itambé para a realização desta edição. “Lá, o público vai continuar observando o Mirante da Sapucaí, então esse atrativo cultural, essa presença lá, nós ainda vamos conseguir ter”.
Segundo Pinheiro, a grande maioria dos estabelecimentos da Sapucaí participarão do evento de alguma forma. “O festival em si tem como uma de suas vertentes o estímulo ao microempreendedor da gastronomia daquela região. Nós vamos ter petiscos na feira e, ao terminar o festival, o público pode ir até um dos bares que estiverem abertos e fazer uma refeição com a família”.
“Então, um dos nossos objetivos com esse festival é fomentar a indústria gastronômica da Sapucaí”, diz Fabiana.
O evento vê a obra de requalificação com um olhar positivo. “O festival foi criado com essa ideia de valorizar o Centro através da arte e da cultura, ser ferramenta. Nós vimos com muitos bons olhos porque o festival foi criado justamente para isso, o festival é um ato de amor para a cidade, então acreditamos que essa obra também seja um ato de amor”.
Com Ana Magalhães