Às vésperas de votação, pesquisadores contestam dados da Prefeitura de BH para reduzir outorga onerosa

Prédios em BH
Valor é cobrado das construtoras sobre a utilização de espaço para empreendimentos (Amanda Dias/BHAZ)

Pesquisadores da UFMG apresentaram, nesta quinta-feira (27), novos documentos e dados que contrariam os argumentos usados pela PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) para defender a redução da Outorga Onerosa do Direito de Construir, um valor cobrado das construtoras sobre a utilização de espaço para novos empreendimentos na capital.

O projeto de lei 508/23, apresentado pelo prefeito Fuad Noman (PSD) e que diminui o índice dessa cobrança, já foi aprovado em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e está na pauta para ser votado em segundo turno nesta sexta-feira (28) (entenda melhor o conceito da outorga onerosa abaixo).

O grupo de pesquisadores e professores de arquitetura e urbanismo já havia emitido nota técnica pedindo a paralisação da tramitação do projeto. Hoje, às vésperas da votação em 2º turno, eles apresentaram informações e números obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI), inclusive um estudo interno da própria PBH, que contêm argumentos contrários ao PL.

Pesquisadores
Professores da UFMG apresentaram novas informações hoje (Sofia Leão/BHAZ)

Proposta de redução

A proposta da PBH reduz pela metade o valor a ser pago pelas empreiteiras, sob o argumento de que a mudança “alinha o valor da outorga aos preços praticados no mercado imobiliário”. A prefeitura alega que essa diminuição, na verdade, aumentará a arrecadação do município por reforçar o interesse das construtoras na cidade.

A administração municipal acredita em um crescimento de R$ 2 milhões para R$ 53 milhões anuais. Essa informação é questionada por especialistas do Observatório das Metrópoles, instituto que estuda e debate os desafios metropolitanos, e também por movimentos sociais pelo direito à moradia.

Segundo eles, a projeção de arrecadação com a outorga onerosa da forma que está valendo hoje, considerando a demanda dos projetos já protocolados na prefeitura, é de R$ 106 milhões, e não somente os R$ 2 milhões divulgados. Eles dizem que esse valor apresentados pela PBH equivalem a apenas 10% do que já foi pago pelas empresas pelos projetos aprovados, e não à previsão total de arrecadação com a outorga onerosa.

O assunto, que pode até soar muito burocrático, tem impacto direto na qualidade de vida dos moradores de BH. O dinheiro captado pela outorga é destinado a dois fundos, que ajudam a descentralizar os investimentos em infraestrutura ao redor da cidade e contribuem para a construção de habitações sociais.

Novos documentos

Em coletiva de imprensa nesta manhã, pesquisadores da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG apresentaram estudos para sustentar que a redução do valor da outorga onerosa não é necessária. Para o professor Carlos Alberto Maciel, o mercado imobiliário na verdade está “dando um tiro no próprio pé”.

Eles solicitaram à PBH, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o valor de arrecadação projetado com a outorga onerosa a partir dos projetos protocolados pelas construtoras na prefeitura. O número exato não foi apresentado, mas, segundo estimativa feita pelos pesquisadores a partir dos dados enviados, este valor chega aos R$ 106 milhões já citado.

“Quando você [a empresa] protocola um projeto na prefeitura, você já especifica a quantidade de outorga que vai precisar. Mas, até o projeto ser aprovado, você não contrata a outorga. Depois que ele é aprovado, o empreendedor paga 10%, e o restante somente dali a um ano. Então, esses R$ 2 milhões que o secretário tem dito que foram arrecadados são só 10% da parte já aprovada. São pelo menos R$ 20 milhões já aprovados, e com todos os projetos já protocolados, são cerca de R$ 106 milhões previstos”, afirma Roberto Andrés.

Para o professor, os dados desconstroem o argumento da PBH de que as construtoras não estão pagando o valor da outorga onerosa, preferindo negociar de forma privada por meio da Transferência do Direito de Construir (TDC), como argumentou o secretário Municipal de Política Urbana em entrevista ao BHAZ em março.

O professor Carlos Alberto Maciel também apresentou um relatório que aponta que, com o valor da outorga como está hoje, os custos finais dos empreendimentos podem subir entre 3,45% e 5,17%. Para ele, este valor não é suficiente para que as construtoras deixem de atuar na região Centro-Sul de Belo Horizonte, nem para que os moradores deixem de comprar imóveis.

“Quem compra um apartamento de R$ 5 milhões na região Centro-Sul de BH não vai morar no Centro de Nova Lima, de Contagem, de Betim. Ele está disposto a pagar 3%, 5% a mais. Se o pão subir esse tanto, ninguém para de comprar pão. A passagem aumentou, e a cidade não parou”, exemplifica.

Estudo da prefeitura

Outro documento apresentado hoje é um estudo interno da Secretaria de Política Urbana, assinado pelo próprio secretário João Fleury em outubro do ano passado, também obtido por meio da LAI.

De acordo com o professor Silvio Motta, presidente do IAB-MG (Instituto de Arquitetos do Brasil – Minas Gerais), a conclusão técnica do estudo da prefeitura é que, com os valores de outorga praticados atualmente, o valor do terreno volta ao normal depois de certo tempo.

“[O estudo] traça um cenário com a outorga como está e indica que vai acontecer um equilíbrio no valor da terra, a dinâmica econômica vai voltar ao que era antes”, explica o pesquisador.

A única mudança proposta pelo secretário no documento é a atualização da planta de valores de ITBI (Imposto sobre a transmissão de bens imóveis) utilizada para a cobrança da outorga.

Trecho de documento
Em estudo, secretário não sinaliza necessidade de redução do valor da outorga (Divulgação)

Ou seja, ainda conforme os especialistas, o relatório feito pelo próprio secretário municipal contradiz o que ele sustenta atualmente. “Surpreende que um estudo que dizem que embasou o PL 508, na verdade, mostre que a outorga da forma como entrou em vigor está cumprindo o papel dela”, completou Silvio Motta.

Em nota, a Prefeitura de BH diz que só pode considerar os valores que estão efetivamente em caixa, e não os referentes aos pedidos de outorga para cumprir legislação federal. “Em 20 de abril de 2023, as receitas referentes à outorga do direito de construir totalizam R$ 2,3 milhões. Este valor é considerado pouco significativo diante do volume total das receitas municipais, o que demonstra que o instrumento foi utilizado de forma pouco efetiva neste tempo em que esteve em vigor o Plano Diretor – desde fevereiro de 2020”.

E acrescenta: “Dessa forma, considerar projetos aprovados que ainda não pagaram a integralidade dos valores pelo uso da outorga e aqueles ainda em tramitação é considerar um valor em conta que pode não se concretizar. Vale lembrar que os projetos podem não ser aprovados ou pode haver a desistência do uso da outorga por aqueles que já a adquiriram”.

Sobre o estudo que apontaria para retorno dos preços dos imóveis ao patamar anterior à legislação, a PBH diz que “o modelo inicial foi reformulado a partir da análise de diversos dados, de avaliação jurídica e de discussões internas no Executivo”, o que resultou no projeto de lei enviado à Câmara.

Entenda a Outorga Onerosa

A Outorga Onerosa do Direito de Construir é um mecanismo que permite aos proprietários de imóveis em determinadas áreas da cidade adquirirem o direito de construir acima dos limites estabelecidos pela legislação, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira à prefeitura. Ela é calculada por meio de uma fórmula que varia conforme a região em que a obra será feita e o tamanho do lote, entre outros fatores.

A criação da medida foi uma das propostas mais polêmicas à época da discussão do novo Plano Diretor de BH, em 2018 (relembre aqui). Isso porque empresários da construção civil alegam que a cobrança torna as obras mais caras e provoca um movimento de fuga do setor para outros municípios.

A fórmula para determinar o tamanho de uma construção é feita, conforme o Plano Diretor em vigor atualmente, multiplicando o Coeficiente de Aproveitamento (CA) pelo tamanho da área do terreno em metros quadrados. Antes, existiam terrenos com diversos coeficientes na capital, variando entre 1.0 e 5.0.

“A outorga coloca todos os terrenos da cidade em coeficiente 1.0, que é o básico. Para o empresário chegar ao máximo, ele tem de comprar o direito de construir da sociedade. Pois, quando ele adensa essa região, ele gera uma necessidade de mais serviços, como escolas, coleta de lixo, e por isso é preciso pagar”, explicou na ocasião a então secretária Municipal de Políticas Urbanas de BH, Maria Caldas.

A aplicação do instrumento é prioritária para determinados territórios, como terrenos adjacentes a eixos de transporte coletivo ou dentro da avenida do Contorno, por exemplo.

Desde a aprovação do Plano Diretor, em 2019, até fevereiro deste ano, as mudanças estavam em período de transição. Desde o dia 5 de fevereiro, a nova medida passou a valer integralmente, passando para 1.0 o coeficiente em qualquer terreno na cidade.

Outorga Onerosa
Entenda como funciona a Outorga Onerosa (Arte de Henrique Coelho/BHAZ)

O dinheiro captado pela outorga é destinado a dois fundos, que buscam descentralizar os investimentos em infraestrutura ao redor da cidade e contribuir na construção de habitações sociais:

  • Fundo de Desenvolvimento Urbano das Centralidades, que recolhe a outorga das regiões próximas de corredores da capital, como as avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, e o recurso é reinvestido em infraestrutura na região;
  • Fundo Municipal de Habitação Popular, que usa o dinheiro arrecadado das outras regiões da cidade para investir em urbanização de favelas, atendendo às minorias e à população que vive em situação precária.

“A medida se insere numa família de instrumentos de recuperação de valorização imobiliária que são utilizados no mundo todo, inclusive em mais de cinco capitais brasileiras. É um atributo do poder público de conferir a possibilidade de algumas áreas da cidade se adensar mais do que outras”, detalha João Tonucci, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Segundo o especialista, estudos apontam para uma série de benefícios que a Outorga Onerosa traz para as cidades “em termos de racionalização do uso do solo, de maior equidade dos direitos de construção entre diferentes proprietários, de distribuir melhor as oportunidades e, principalmente, o princípio de recuperação para a sociedade da valorização dos terrenos, causada pela ação do próprio poder público”.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!