Um homem de 28 anos precisou passar por cirurgias no rosto e pode perder parte da visão depois de ser agredido por um policial militar, no dia 8 de maio, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. O cabo da PM, que estava de folga, bateu no homem com o cano de um revólver durante uma briga de trânsito, no fim da tarde do Dia das Mães.
Vídeos gravados por testemunhas, pela namorada da vítima e por câmeras de segurança da região mostram o policial, 27, saindo do próprio carro com a arma apontada para o veículo do motorista. Ainda há imagens em que Douglas Brandão Miranda, que trabalha como motorista de aplicativo, aparece sangrando após ter o nariz e a bochecha fraturados e o maxilar deslocado no ataque.
Procurado pelo BHAZ, o Comando de Policiamento da Capital da Polícia Militar informou que a “ocorrência envolve militar de folga e à paisana e que o fato já está sendo apurado pela unidade à qual o militar pertence”.
Início da confusão
A namorada da vítima, Marcelly Gomes, conta ao BHAZ que o namorado dirigia após o casal deixar a casa da mãe dela naquele dia, por volta das 17h. Na rua Augusto dos Anjos, o carro da frente, dirigido pelo policial à paisana, teria freado bruscamente para fazer uma baliza, sem fazer a sinalização devida. Na versão do PM, ele disse ter sinalizado a manobra (leia mais abaixo).
Douglas, então, freou o próprio carro também de forma brusca. Com a parada, um motoqueiro esbarrou na traseira do veículo, mas como não houve arranhão, ele pediu desculpas e seguiu o caminho. “Ele [Douglas] contornou o carro da frente e disse a exata frase: ‘da próxima vez, você sinaliza’. E seguimos caminho para casa, que fica a quatro quarteirões dali”, conta a namorada.
Violência
Mas o trajeto foi interrompido pelo veículo do cabo, que entrou na contramão e fechou a via com o carro atravessado, parando na frente do carro do casal. “Ele saiu com a arma apontada para a nossa cabeça, chegou na nossa janela e disse: ‘você bateu no meu carro’. O Douglas negou, mas ele não deu chance para resolver nada e bateu com o cano do revólver na cara dele”, relata Marcelly.
Depois do ataque, ainda segundo a namorada da vítima, o policial começou a tentar tirar a chave do carro da ignição. Ele se identificou como militar e mostrou o documento, dando voz de prisão ao motorista e ordenando que ele deixasse o veículo. Um vídeo gravado por Marcelly, que estava sentada no banco do passageiro, mostra toda a agressão.
Motorista detido
Testemunhas que passavam pela rua também filmaram a cena, enquanto o cabo se enfiava pela janela do carro para tentar tirar a chave da ignição. “O Douglas disse que só sairia se a viatura fosse até lá, e eu liguei para o 190. Quando a PM chegou, já levaram ele como preso à UPA Venda Nova, onde só deram pontos, não passaram remédio nem fizeram exames”, diz a namorada.
Depois de passar pela Unidade de Pronto Atendimento, o casal foi levado à base policial onde o PM de folga atua. Tanto o motorista quanto o militar passaram pelo bafômetro e os dois estavam aptos para dirigir. Douglas e Marcelly, então, foram encaminhados ao Detran (Departamento de Trânsito de Minas Gerais), onde ele seguiu detido.
“Chegamos lá às 22h30 e saímos às 11h do dia seguinte, depois que o delegado viu o caso e liberou o Douglas. Ele passou um pedido de exame de corpo de delito, que fizemos no IML [Instituto Médico Legal]. Mas, dentro do meu coração, sentia que tinha algo errado”, relata Marcelly Gomes.
Fraturas e sequelas
A namorada levou Douglas até o Hospital Belo Horizonte, onde pagou pelas consultas e pela tomografia. Lá, eles descobriram que o nariz e um osso da bochecha do motorista estavam quebrados, e que o maxilar havia sido deslocado. O olho da vítima também foi danificado, já que, durante o ataque, a armação e uma lente dos óculos que ele usava quebraram.
A equipe médica do hospital determinou que Douglas Miranda precisava passar por uma cirurgia de urgência, antes que a chance de perda de visão aumentasse. O procedimento foi feito nessa quarta-feira (18) e o motorista teve placas de metal e de silicone e seis parafusos inseridos no rosto.
Com os laudos do Hospital Belo Horizonte, Marcelly foi à delegacia no dia 10 de maio e registrou um boletim de ocorrência complementar com as novas informações a respeito das lesões. O casal também registrou denúncia junto ao Ministério Público.
“Estou tendo crises de ansiedade, colocamos grade na nossa casa inteira e estamos pensando em nos mudarmos. O que mais espero é que isso não aconteça com mais ninguém. Porque aconteceu com a gente em uma via pública, com testemunhas e câmeras de segurança, e estamos tendo que passar por isso tudo para provar que as vítimas somos nós”, desabafa.
Versão do policial
No boletim de ocorrência registrado no dia do crime, o policial de folga deu a versão dele dos fatos. O cabo afirma que sinalizou devidamente para fazer a baliza, quando o veículo de trás freou bruscamente e a motocicleta colidiu com a traseira dele.
Segundo o militar, o motorista do carro de trás, Douglas, parou do lado dele e desferiu xingamentos, antes de arrancar de forma brusca e bater na parte dianteira esquerda do veículo dele. O cabo diz conta que perseguiu o carro, abordou o motorista e ordenou que ele saísse, se identificando como policial militar.
Só quando o motorista não acatou as ordens foi que, ainda segundo o relato do PM, ele sacou a arma. As imagens de câmeras de segurança, no entanto, mostram que o militar já deixou o próprio carro com o revólver na mão.
De acordo com o policial, o intuito dele era preservar a própria integridade física e evitar uma possível agressão do motorista. Ele afirma que o motorista tentou fugir, arrancando o carro, e que, para não ser atropelado e para não colocar em risco a vida das pessoas na rua, desferiu um soco no rosto de Douglas.
Diante da recusa do homem de deixar o veículo, o cabo diz que retirou a chave do carro dele de ignição e deu a voz de prisão em flagrante.