Professor é impedido de entrar em bar de BH com ‘regata’; advogado aponta prática abusiva

Professor no Beb's
Segurança disse que que homens não podiam entrar de regata no bar (Arquivo pessoal)

Imagine estar numa fila, pronto para encontrar o aniversariante da vez, e ser barrado na porta da festa por conta de uma única peça de roupa. Foi o que ocorreu com o belo-horizontino João Victor Oliveira, 25, no último sábado (19). Professor de história, ele foi ao Beb’s Bar, na Pampulha, para comemorar o aniversário de um amigo. No entanto, foi informado de que não poderia entrar por conta da blusa que usava, apontada pelos seguranças como estilo “regata”. A peça usada por ele não tem o decote lateral característico desse tipo de peça, comumente mais cavada. Na verdade, o educador comprou a camiseta no setor feminino de uma loja, mas a falta de mangas foi a justificativa apresentada, na ocasião, pela equipe do bar. João denunciou a situação nas redes sociais e o caso levantou discussões de gênero e vestimenta, além de relações de consumo.

O BHAZ ouviu o professor João Victor, que defende o caráter educativo da denúncia e considera a conduta do estabelecimento “antiquada”; o diretor do Beb’s Bar, Gustavo Vilela, que falou sobre diversidade no estabelecimento e criticou a repercussão do caso, além do advogado Rafael Svizzero, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais). Para o advogado especialista em direito do consumidor, a prática do Beb’s de impedir a entrada de João foi abusiva e ilegal (leia mais abaixo).

‘Com essa roupa você não pode entrar’

João Victor, que tem 25 anos e é gay, denuncia a política baseada na binaridade de gênero do bar. A blusa que ele usava, que foi comprada na seção feminina de uma loja de departamento e cobre os ombros, foi enquadrada como uma “regata” pelo segurança do estabelecimento e, por isso, ele foi impedido de frequentar o local.

“Quando ele disse ‘com essa roupa você não pode entrar’, olhei para trás, porque jurei que ele estivesse falando com alguém atrás de mim. Quando perguntei se ele falava comigo, ele disse que sim, e que homens não podiam entrar de regata no bar”, conta o professor.

“Ao redor, estavam várias pessoas identificadas como mulheres usando blusas de alcinha e ‘croppeds’, exercendo o direito delas. Se roupa ‘de mulher’ pode, por que não me deixaram entrar com a blusa ‘feminina’ da loja?”, questiona.

Roupa
Professor usava blusa que tampa os ombros e calça (Arquivo pessoal)

Sem orientações públicas

O amigo de João havia reservado uma mesa no Beb’s para comemorar ao aniversário e, segundo o professor, não recebeu nenhum aviso sobre regras de vestuário do estabelecimento. No site e nas redes sociais do bar, também não constam referências às roupas permitidas ou proibidas entre os clientes.

“Depois que fui barrado, me disseram que tinha uma plaquinha no canto inferior de uma mesa de apoio que falava sobre a proibição, mas fiquei tão constrangido que não voltei para conferir. Não estou dizendo que não tenham o suposto direito de criar as políticas que queiram, mas ninguém tem a obrigação de voltar para casa e trocar de roupa por causa de uma informação que não era pública”, defende o professor.

João Victor Oliveira denunciou o caso em seu perfil no Instagram, por meio de publicação que já acumula mais de 200 comentários de apoio. Segundo ele, os amigos que foram até a página do Beb’s para pedir uma explicação foram bloqueados. Os comentários nos últimos posts do bar, que até a manhã dessa segunda-feira (21) estavam disponíveis, já foram limitados durante a tarde.

‘Nem na igreja’

O professor de história da rede estadual de Minas Gerais defende que uma política que busca definir como corpos devem se comportar e quais roupas as pessoas devem usar tem como base o preconceito.

“É um absurdo tratar de forma diferente homens e mulheres, ainda mais num bar, um ambiente informal. Nem na igreja eu seria tratado assim. Isso é uma política de gênero regulando espaços sociais, constrangendo pessoas”, argumenta.

“E olha que sou uma pessoa lida como homem branco gay, imagina quem confunde esses estereótipos, como pessoas explicitamente não-binárias, ou trans. Mesmo que exista esse código em espaços privados, ele tem que ser igualitário. É uma política generificada, binária, antiquada”, completa João Victor.

O professor afirma que, por enquanto, a denúncia tem caráter educativo, buscando fazer com que os estabelecimentos repensem esse tipo de política. Caso o Beb’s não o responda, ele pode cogitar acionar as vias legais, mas ainda não pensa na possibilidade.

“O que eu quero é que o debate possa avançar. É intolerável que outras pessoas vivam isso, ainda mais sem a atenção que eu recebi. Pessoas negras, pessoas trans, provavelmente não teriam a mesma visibilidade ao denunciar, e não vou deixar chegar a esse ponto”, finaliza.

Advogado vê prática abusiva

O BHAZ procurou um advogado especialista em direito do consumidor para esclarecer se um estabelecimento tem ou não o direito de impedir a entrada de um cliente nessa situação. Para Rafael Svizzero, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais), a prática do Beb’s foi abusiva e ilegal.

“O Código de Defesa do Consumidor aponta como prática comercial abusiva, considerada uma ofensa, quando o estabelecimento trata alguém de forma desigual, preconceituosa, ou fora dos bons costumes, pra generalizar. Um bar é um ambiente informal, não tem legislação nenhuma que trate de um tipo de traje necessário”, explica o advogado.

Ainda que houvesse uma “permissão de proibição” nesses casos, ainda conforme o especialista, essas restrições teriam que ser divulgadas de forma clara e ampla. O advogado usa como exemplo os estabelecimentos que não aceitam cheque como forma de pagamento – que devem afixar placas ostensivas com o aviso.

“Se é um caso em um ambiente considerado informal, em que vai se comemorar o aniversário do amigo, e não há restrição clara, é ilegal. Temos que entender sob esse aspecto, a prática expõe as pessoas pelo que estão vestindo, há um embate com o mundo moderno. Entendo como prática preconceituosa, abusiva e vedada”, completa.

O especialista ainda compara a situação com o debate nacional que veio à tona em 2017 sobre a cobrança de preços diferentes de ingressos para homens e mulheres em casas noturnas (relembre aqui). Assim como nesse caso, em que a gratuidade para a mulher é considerada uma forma de objetificá-la, Svizzero defende que os estabelecimentos devem ter as mesmas regras independentemente do gênero do cliente.

O que diz o Beb’s?

Em contato com o BHAZ, o diretor do Beb’s Bar, Gustavo Vilela, afirmou que o estabelecimento tem como princípio não responder comentários ou publicações em redes sociais, porque na internet os usuários “palpitam sem ter conhecimentos e levam a discussão para outro lado, para gerar polêmica”.

Segundo o diretor, o bar defende e acolhe a diversidade. “Temos mais de 100 colaboradores homossexuais, além fornecedores, clientes e sócios. O Beb’s sempre foi uma casa que pessoas homossexuais frequentam de igual para igual, como tem que ser. Quem frequenta sabe”, defende. Ele ainda lembra que a empresa já teve um bar direcionado ao público LGBT+, o Code Bar, que fechou no ano passado.

Ainda de acordo com Vilela, o estabelecimento tem como conduta a proibição da entrada com chinelos, capacetes, bonés ou blusas cavadas, no caso de homens. O chinelo é barrado para evitar que clientes machuquem ou cortaram os pés. Já capacetes podem ser usados em eventuais brigas, por isso também não são permitidos.

Em relação aos bonés, o diretor argumenta que o acessório impede a identificação das pessoas em imagens de câmeras de segurança em casos de furto. Já quanto às camisetas cavadas, ele explica que, principalmente quando são de times de futebol, elas são proibidas porque “viram problema” e o estabelecimento “não quer exibicionismo”.

“O problema hoje é que, quando há negativa de entrada por causa de conduta, vestimenta ou outra norma que estabelecemos para tentar manter um controle, se pessoa é negra, homossexual, ou tem deficiência, ela acha que é por isso. E não é. O Beb’s nunca vai barrar uma pessoa por causa disso”, completa Gustavo Vilela.

Edição: Giovanna Fávero
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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