Conjunto Sulamérica-Sulacap: a história do endereço com várias ‘vidas’ em BH

17/02/2025 às 11h21 - Atualizado em 17/04/2025 às 14h56
Conjunto Sulamérica-Sulacap: a história do endereço com várias 'vidas' em BH
Conjunto Sulacap e Sulamérica foi inaugurado em 1947. (Ana Magalhães/BHAZ)

É difícil passar pelas movimentadas avenidas Assis Chateaubriand e Afonso Pena, no trecho entre as ruas Tamoios e Bahia, no Centro de Belo Horizonte, sem notar as imponentes torres gêmeas do conjunto Sulacap-Sulamérica. Construídas sobre um quarteirão triangular, as duas edificações, com 15 andares cada, podem ser consideradas exemplos de arquitetura que buscaram ser ‘amigáveis’ com a cidade. Projetados no final da década de 1940, os edifícios foram idealizados não apenas para acompanhar o processo de verticalização da capital mineira, mas também para se tornarem uma verdadeira ‘janela’ para o Viaduto Santa Tereza, conectando, por meio de uma praça e pelo fluxo contínuo de pedestres, duas das principais avenidas da cidade.

Quem é morador de BH ou conhece bem a capital sabe que a ideia da ‘janela aberta para o horizonte’ não durou muito. Em menos de três décadas, durante os anos 1970, foi construído o anexo — ou leia-se ‘puxadinho’ — Novo Sul América, que acabou unindo as duas torres do conjunto e, consequentemente, alterando parte da essência do projeto. O prédio, que abrigava diferentes comércios, foi demolido em 2024 pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), na intenção de recuperar as características iniciais da construção, idealizada pelo arquiteto italiano Roberto Cepello. Desde abril, a Praça da Independência, que é uma das ações do ‘Centro de Todo Mundo’, está em processo de reconstrução, com previsão de reabertura para até o fim do primeiro semestre deste ano.

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Além do esforço para recuperar as condições originais, o que poucos sabem é que essa não é a primeira — nem a segunda — intervenção nesse emblemático quarteirão. Nesta reportagem, que dá continuidade à série do portal BHAZ sobre edifícios icônicos de BH, você vai conhecer a história desse endereço que, no plano original da cidade, estava destinado a ser uma praça, e, ao longo dos anos, já abrigou um prédio público; dois prédios privados e uma praça; dois prédios privados e um anexo; e, agora, os dois prédios se preparam para receber, novamente, a praça. Ficou confuso? Então, vamos te explicar!

Prédios dos Correios e Telégrafos

Antes de ser ocupado pelo conjunto Sulamérica-Sulacap, o quarteirão abrigava o prédio dos Correios e Telégrafos, uma obra financiada pelo Governo Federal. A construção iniciou em 1904, quando BH tinha apenas sete anos, e foi concluída em 1906. Com sua arquitetura sinuosa e imponente, o edifício com dois pavimentos se destacava na paisagem do Centro da cidade.

Segundo o arquiteto e professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Flávio Carsalade, a estética do prédio — que chegou a ser cartão-postal da capital — seguia o estilo eclético neoclássico, o mesmo da Igreja São José, a poucos metros de distância e que, na época, ainda estava em construção. “Ele [edifício dos Correios e Telégrafos] tinha acabamentos de primeira. Além disso, contava com a importação de elementos da Bélgica e revestimentos de luxo. Era, realmente, um prédio maravilhoso”, destacou em entrevista ao BHAZ.

No entanto, é importante salientar que a construção do ‘Palácio dos Correios’ destoava do projeto original da cidade. No plano urbanístico de Aarão Reis, estavam previstos quatro espaços quadrados nas extremidades do Parque Municipal Américo Renné Giannetti — que, na época, tinha uma área quase 50% maior que a atual. Esses espaços seriam públicos e separados por amplas avenidas, formando duas praças triangulares. No caso da Praça Tiradentes, onde se instalaram os Correios e Telégrafos, a divisão foi feita pela avenida Afonso Pena, que, nos anos seguintes, se tornaria o eixo central dos edifícios mais emblemáticos da capital mineira.

APCBH/PBH

Em 1938, pouco menos de três décadas após a construção do edifício, a prefeitura municipal vendeu o terreno à Companhia de Seguros Sul América, por meio de hasta pública. Entre 1930 e 1950, a empresa se dedicou à construção de edifícios-sede nas principais cidades brasileiras, como Curitiba, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Belém e Manaus. Segundo a arquiteta e doutora Karine Arimatéa, que pesquisou os prédios da seguradora planejados pelo arquiteto Roberto Cepello em sua tese de doutorado, a decisão de vender o terreno onde estava o ‘Palácio dos Correios’ foi motivada pelo aumento da demanda pelos serviços postais.

“Já em 1930 o governo achou melhor construir outro prédio para atender os Correios, também na avenida Afonso Pena, deixando o antigo edifício eclético sem uso”, contou a arquiteta. Assim, no início da década de 1940, o ‘palácio’ foi demolido — o que seria o primeiro ‘quebra-quebra do espaço’ — e abriu caminho para a construção do conjunto Sulamérica/Sulacap.

Sulamérica Fortaleza/ Acervo Karine Arimatéa
Sulamérica Salvador/ Acervo Roberto Capello
SULACAP/Santos/ Acervo Karine Arimatéa
Edifício Sul América/Porto
Alegre/ Karine Arimatéa
Desenho em
perspectiva da sede Sul América
de Recife/ Revista Sul América
APCBH/PBH

‘O que está entre a Assis Chateaubriand e a Afonso Pena?’

Inaugurado em 1947, o conjunto Sulacap/Sulamérica de Belo Horizonte acompanhou a verticalização e modernização da capital mineira. Com 15 andares, as duas torres idênticas foram dispostas simetricamente no terreno, mas com funções distintas: enquanto a Sulamérica combinava espaços comerciais nos primeiros quatro andares e residenciais do quinto ao décimo terceiro, a Sulacap era inteiramente comercial. Até hoje, os edifícios mantêm essa configuração, operam de forma independente e possuem administrações distintas.

Ainda conforme o professor da UFMG, a concepção dos dois prédios acompanhava o rápido crescimento da avenida Afonso Pena, que, na época, concentrava os principais edifícios da capital mineira. “Eles são uma das construções mais importantes da cidade, porque têm uma arquitetura mais adequada ao terreno, ao lugar onde estão dispostos na cidade”, explicou.

As torres Sulacap e Sulamérica foram erguidas sobre os dois catetos do triângulo retângulo que forma o quarteirão, resultando em uma concavidade voltada para a avenida Afonso Pena. Essa disposição criou a ‘janela’ que une a via e o viaduto Santa Tereza. “Em termos de situação urbana, o conjunto arquitetônico foi pensado para conversar com a cidade. Isso fez com que a construção fosse muito aclamada, justamente devido a essa delicadeza e generosidade com BH”, afirmou Flávio.

Conforme Karine, a escolha de criar esse vão entre as avenidas não foi precisamente uma decisão da seguradora, mas sim uma das condições para a prefeitura vender o loteamento. “Na escritura de compra e venda do terreno, havia a condição de manter uma galeria de 10 metros de largura, alinhada ao eixo do antigo viaduto Tocantins, atual viaduto Santa Tereza. A intenção era que o espaço permanecesse de uso público e servisse como passagem para pedestres”, contou.

Além disso, em sua tese de doutorado, a arquiteta constatou que a Prefeitura de Belo Horizonte autorizou a compradora a dividir o terreno em três lotes distintos. Caso optasse por construir no lote central, os outros dois poderiam ser vendidos a terceiros. Segundo Karine, isso permite supor que, no momento da venda, já se discutia a possibilidade de erguer a sede da Sul América. No entanto, em vez de concentrar a construção em um único edifício no centro do terreno, Cepello optou por erguer dois prédios nas extremidades, atendendo à exigência da galeria e destinando o espaço central para uma praça, que ficou popularmente conhecida como Praça da Independência.

“Ele tinha diversas possibilidades para o projeto, mas escolheu uma solução bastante intrigante, integrando o conjunto à cidade e preservando a vista para o viaduto. Além disso, em BH, esse é o único projeto com duas torres. Nas demais cidades, os edifícios Sulamérica e Sulacap ficam próximos, na mesma praça, mas não formam um conjunto arquitetônico”, destacou a doutora ao BHAZ.

Após a inauguração dos prédios, Karine afirma em sua tese que os comerciantes da cidade passaram a abrir escritórios e lojas na região para expandir seus negócios, já que a maior circulação de pessoas está concentrada no Centro. Além disso, famílias tradicionais mineiras decidiram se mudar para os amplos apartamentos do Sulamérica, com cerca de 150 m², atraídas tanto pela proximidade com a área verde do Parque Municipal quanto pela oportunidade de viver em apartamentos, uma novidade na época. Desde 1995, o prédio se tornou mais comercial e, atualmente, apenas três unidades têm moradores, enquanto outras foram modificadas para atender funcionalidades diferentes, como produtoras e estúdios.

APCBH/PBH

Anexo ou ‘puxadinho’

Na tese, Karine conta que, em 1966, a companhia de seguros vendeu, devido a uma crise financeira, a torre Sulamérica aos empresários Benzion Levy e Isaias Idel Levy, com exceção do 3º andar, que continuou sendo propriedade da empresa. O contrato garantiu aos compradores o direito de construir em uma área de 399,040 m², metragem que, segundo a arquiteta, correspondia à metade da praça, já que a outra parte estava vinculada à torre Sulacap. O mesmo ocorreu com o edifício comercial, adquirido por Alair Gonçalves Couto, Juarez Mariano Machado e Roberto Santos Laureano, permanecendo apenas uma pequena parcela sob propriedade da seguradora.

Com a venda do conjunto arquitetônico, na década de 1970, foi construído o Novo Sul América nas áreas não edificadas dos lotes localizados nas extremidades do terreno. A nova edificação resultou na demolição da praça, alterando significativamente as características originais do conjunto. O anexo, com dois pavimentos, passou a conectar as torres idênticas, sendo destinado exclusivamente a atividades comerciais e de serviços. Segundo Flávio, como os edifícios não eram considerados patrimônio público na época, a construção do anexo foi facilitada. Em 2015, o conjunto foi reconhecido como bem cultural tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH).

“A lógica da cidade era aproveitar ao máximo os espaços com potencial de lucro, e a legislação de uso e ocupação do solo em Belo Horizonte era bastante permissiva na região central. Na década de 1970, por exemplo, a norma permitia construir até oito vezes a área do terreno, e no conjunto Sulacap/Sulamérica ainda havia margem para novas edificações. Os proprietários do complexo souberam tirar proveito dessas condições para expandir a oferta de lojas e serviços”, disse o professor da UFMG.

Outro fator determinante, segundo Karine, foi a falta de clareza na descrição da proposta da prefeitura municipal e do arquiteto Roberto Capello quanto à preservação da galeria nas condições originais. Embora o anexo cobrisse a fachada dos prédios, o espaço de convivência permaneceu inalterado, com as dimensões previamente estabelecidas. “A ausência da especificação de que a galeria deveria ser descoberta facilitou a construção no lote intermediário, ainda que isso contrariasse o propósito original. Bastava a inclusão da palavra ‘descoberta’ para que tudo fosse diferente. Os proprietários da época identificaram essa brecha e a aproveitaram”, explicou.

Karine também destacou que a construção do anexo na praça gerou intensos debates e polêmicas na capital, pois muitos moradores se opuseram à intervenção e, por anos, lutaram pela sua desapropriação e demolição. No entanto, o tema só voltou à pauta em 2019, com a campanha ‘Janela Aberta’. Já em 2023, a PBH publicou um decreto que reconheceu a irregularidade da construção e deu início ao processo de demolição e restauração da praça.

Divulgação/PBH

Ainda segundo a arquiteta, na década de 1960, antes da construção do anexo, o prédio já havia passado por alterações, uma vez que as torres mais baixas do conjunto arquitetônico, originalmente projetadas com três pavimentos acima do térreo, tiveram um andar adicional acrescentado. Além disso, no caso da torre menor do Sulamérica, Karine afirma que houve uma ampliação no pavimento térreo, especificamente na face voltada para o viaduto, o que descaracterizou a linearidade da marquise, e no trecho que liga a avenida Afonso Pena à rua Tamoios.

Na década de 1980, os prédios passaram por diversas manutenções, muitas delas documentadas em atas das administrações, conforme detalha a doutora em sua tese. Entre as principais alterações, destaca-se a pintura da fachada, que modificou a aparência original do pó de pedra, e o fechamento da circulação entre os dois prédios com um gradil, impedindo o fluxo de pedestres à noite. Outro ponto relevante, segundo a arquiteta, foi a proposta de alteração da Convenção do Condomínio do Sulamérica, permitindo que os proprietários dos apartamentos utilizassem ou destinassem as unidades para fins comerciais.

Além de ter se tornado bem público em 2015, vale ressaltar que o conjunto Sulacap/Sulamérica está incluído no perímetro de tombamento do Conjunto Urbano da Avenida Afonso Pena e do Conjunto Urbano da Rua da Bahia e Adjacências, ambos protegidos desde novembro de 1994. Dessa forma, a PBH afirma que o conjunto deve ser preservado em sua feição original, por possuir valor histórico e cultural para a capital mineira.

Sulamérica/Sulacap é espaço de encontro cultural

O produtor musical e um dos fundadores da casa de shows Autêntica, Leo Moraes, que adquiriu um apartamento no Sulamérica em 2007, reconhece que muitos elementos originais do prédio foram descaracterizados ao longo de seus 78 anos. “Tivemos, há um tempo, uma síndica excelente, a escritora Bruna Piantino, que conseguiu restaurar algumas áreas comuns. Um exemplo foi o elevador social, que havia sido completamente revestido de fórmica, mas ela removeu esse material, revelando novamente a linda madeira original. Do lado de fora, muitas pessoas retiraram as venezianas, que eram belíssimas, o que é uma pena. No entanto, acredito que, com um pouco de vontade, ainda é possível recuperar muita coisa”, comentou durante entrevista ao BHAZ.

Embora tenha adquirido a unidade residencial, Leo optou por não morar no local, mas sim transformá-lo em seu estúdio musical, o Pato Multimídia. Segundo ele, que também é formado em arquitetura, desde o período da faculdade, havia muita convesa sobre o conjunto arquitetônico. “Então, quando surgiu a oportunidade, não pensei duas vezes. O prédio é muito bem projetado e construído, a vista é incrível, e tem muita personalidade. Também fui síndico durante um período, experiência que não recomendo (risos)”, relembrou.

O charme e a singularidade do Sulacap/Sulamérica também inspiraram os produtores culturais Marcelo Santiago e Luciano Viana a estabelecerem a produtora Quente no local. “Conheci o Sulamérica através do estúdio do Leo, pois frequentávamos bastante o espaço entre 2009 e 2010. Naquela época, eu fazia parte do coletivo Pegada, que promovia diversos eventos culturais voltados para a música autoral. Por isso, realizávamos nossas reuniões de produção e planejamento na Pato”, explicou Luciano, que, até então, nunca havia tido a oportunidade de conhecer o interior do prédio.

O produtor cultural e empresário afirma que, mesmo naquela época, já se impressionava com o edifício, especialmente pela vista privilegiada, pela aura vintage e por sua localização no coração da cidade. No entanto, foi apenas em 2022, após o período pandêmico, que conseguiram transferir a Quente para o Sulamérica. “Nosso escritório era na minha casa, e sentíamos que precisávamos de um espaço que seria não apenas o nosso local de trabalho, mas também um ponto de encontro das pessoas da música e da cena cultural como um todo. Então, acredito que foi uma decisão muito acertada”, relembra.

Com panorama para a avenida Afonso Pena, o Viaduto Santa Tereza e a rua Tamoios, a unidade encontrada por Marcelo e Luciano estava fechada há bastante tempo. Por isso, antes de instalarem o escritório, o local precisou passar por pequenas reformas, como a pintura e restauração de acabamentos. Situado no sexto andar, o espaço recebeu a equipe do BHAZ, que pôde apreciar não apenas sua beleza e vista para o horizonte, mas também a vida da cidade acontecendo através das amplas janelas.

Gabi Cardoso
Gabi Cardoso
Gabi Cardoso
Gabi Cardoso

As inúmeras possibilidades de encontros culturais, impulsionadas pela localização privilegiada do Sulacap/Sulamérica, também motivaram Gabriel Assad, um dos sócios da Híbrido Comunicação e do restaurante Sula, a abrir o espaço no conjunto no final de 2021. Situado na galeria entre os edifícios, o Sula, conforme o produtor, vai além da gastronomia, promovendo diversas atividades artísticas e se tornando, inclusive, um dos pontos da programação da Festa da Luz.

“Ali, anteriormente, funcionava o restaurante Bem Natural, que operou por 25 anos. No entanto, com a pandemia, assumimos o ponto e não queríamos perder essa essência. Mas, como a Híbrido é uma produtora de grandes eventos, como o Festival Sensacional, decidimos trazer essa veia cultural para o espaço”, explicou Gabriel ao BHAZ.

Para ele, escolher esse espaço para o restaurante foi mais do que uma decisão de negócios; foi um gesto de conexão afetiva com o Sulamérica. “Fizemos questão de que o nome do restaurante homenageasse o prédio. Afinal, quem é belo-horizontino ‘raiz’ e conhece bem o Centro sabe que o conjunto é uma referência importante. Ali é o centro do centro, o verdadeiro coração da cidade. Não foi à toa que, na Festa da Luz, colocamos o inflável de coração bem no meio da galeria”, relembra.

 
 
 
 
 
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Nos últimos anos, o Sula tornou o prédio ainda mais movimentado, oferecendo almoço de segunda a sexta-feira e funcionando também à noite com uma programação variada. “Neste momento, devido às obras da Praça, estamos operando em um horário reduzido, o que afetou a dinâmica da frequência do público. Porém, sabemos que é para um bem maior, já que, com a inauguração da praça, o prédio chamará mais atenção, será mais conhecido e se tornará um ponto turístico”, destacou Gabriel.

Histórias de terror e peculiaridades do Sulamérica/Sulacap

Além da importância arquitetônica e cultural para Belo Horizonte, o Conjunto Sulacap/Sulamérica apresenta particularidades originárias da década de 40. Uma delas é que os dois últimos andares do edifício com unidades residenciais eram destinados exclusivamente aos quartos dos empregados e a um banheiro coletivo. “Era muito comum, nos prédios daquela época, que as dependências dos empregados ficassem em andares separados. O mesmo aconteceu em outros edifícios da empresa, como no do Rio de Janeiro”, conta Karine.

A arquiteta também explica que essa característica revela que o prédio foi projetado para uma classe mais alta, uma vez que “todo mundo queria morar perto do Parque Municipal e na modernidade”. “É interessante refletir sobre como essas tipologias mudam e se perdem com a transformação da sociedade. Hoje, por exemplo, em novas construções, não há mais nem dependência dentro de casa, né?”, indaga.

Sobre a decisão de posicionar as dependências nos andares superiores, Leo explica que ela foi influenciada pela falta de segurança nos elevadores naquela época. “Elevadores ainda eram uma novidade, e as pessoas não confiavam muito neles. Por isso, os andares altos eram os menos valorizados”, contou.

No edifício Sulamérica, entre o quinto e o décimo segundo andar, há dois apartamentos por pavimento. O quarto andar, o primeiro residencial, originalmente possuía uma única unidade ampla e um terraço sobre os volumes laterais. Com o tempo, o terraço foi coberto, e o apartamento acabou completamente descaracterizado. O mesmo aconteceu nos últimos pavimentos, onde, em vez de abrigarem quartos de empregada, as antigas dependências passaram a ser utilizadas como depósitos e, até mesmo, transformadas em empreendimentos comerciais.

Ana Magalhães/BHAZ

Outra curiosidade é que, sendo um prédio com mais de 75 anos, não faltam histórias de terror e assombração nos corredores do edifício. Segundo o sócio-fundador da Autêntica, há um relato sobre o fantasma de uma senhora que, ocasionalmente, é vista no elevador de serviço.”O elevador foi projetado com dimensões que permitiam acomodar um caixão inclinado, já que, na época da construção, era comum realizar velórios em casa. Dizem que essa senhora morava no prédio, mas a família optou por não velá-la no apartamento. Por isso, acreditam que ela ainda vague pelo edifício”, relembra Leo.

‘Janela aberta’

Em 12 de setembro de 2000, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Muncípio de BH aprovou novas diretrizes de proteção do conjunto e, com isso, ficou definido a demolição do anexo e a restauração dos jardins anteriormente existentes como espaço público. Porém, a medida foi executada somente em abril do ano passado, cerca de 24 anos depois. Na época, cinco lojas foram desapropriadas e, entre os comércios da avenida Afonso Pena, somente uma rede de fast food e uma loja de chocolates estavam em funcionamento.

 “Desde que o anexo foi construído, a comunidade de arquitetos fez várias manifestações contra ele. Foi uma luta muito grande, pois o prédio apagou o espaço cultural. E todo mundo comemorou a decisão de demolí-lo. Quando conto isso para outros arquitetos do Brasil, até porque o conjunto é famoso nacionalmente, eles ficam incrédulos, porque é muito difícil demolir algo para o bem da sociedade e da comunidade”, disse Karine.

Segundo a PBH, o projeto de demolição e reconstrução da Praça da Indepedência está previsto no Programa de Requalificação do Centro de BH e foram investidos cerca de R$ 3,42 milhões de recursos do próprio municipio. “Entre os objetivos do ‘Centro de Todo Mundo’ estão qualificar a região central da capital aumentando as oportunidades de moradia, trabalho e lazer”, informou.

Todo o processo, por sua vez, estava previsto para ser finalizado em 150 dias corridos, entretanto, a PBH informou ao BHAZ que precisou reprogramar o prazo devido à complexidade do processo de demolição do Edifício Novo Sulamérica, que apresentava características imprevisíveis devido à falta de regisros detalhados e intervenções realizadas ao longo dos anos.

“Durante a execução, constatou-se a necessidade de ajustes na planilha contratual para refletir a realidade da obra e garantir a segurança dos trabalhadores e transeuntes. Fatores como a presença inesperada de revestimentos de mármore, forros de gesso ocultos, elementos estruturais mais robustos ou frágeis do que o previsto e a necessidade de escoramento adicional para evitar colapsos tornaram indispensáveis essas adaptações”, disse a PBH em nota.

Para o produtor cultural Luciano, embora algumas pessoas defendam que o valor empregado na demolição poderia ter sido destinado à construção de um espaço cultural em outra área da cidade, a revitalização do conjunto é válida, considerando que ele foi projetado para ser daquela maneira. “O contraponto é relevante, porque muitas regiões da cidade têm um déficit de equipamentos culturais e de convivência. Porém, acho que o local onde estão o Sulamérica e o Sulacap é importante, afinal, é uma área cultural expressiva, muito pelo que o Duelo de MCs batalhou e buscou fazer. Além disso, ter essa praça ali fomenta o turismo, né?”, indaga.

O proprietário do Sula também se mostra otimista em relação à inauguração da Praça da Independência. “Sem dúvida, será um grande impulso para revitalizar o espaço cultural da região e, até mesmo, para resgatar o que o Sula representava. Como produtores, temos várias ideias interessantes e planejamos inaugurar um novo espaço na praça em breve”, conclui.

Em nota ao BHAZ, a prefeitura informou que as obras seguem em andamento, com previsão de entrega ainda no primeiro semestre de 2025. Até lá, nos resta aguardar e admirar a imponente janela formada pelo ‘belo horizonte’.

Ana Magalhães

Jornalista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi estagiária do Jornal Estado de Minas e do programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Repórter do BHAZ desde agosto de 2024.

Ana Magalhães

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Jornalista pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi estagiária do Jornal Estado de Minas e do programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Repórter do BHAZ desde agosto de 2024.

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