Edifício JK: Conheça a história e saiba como é morar no maior prédio residencial de BH

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Conjunto JK, uma construção emblemática e histórica de Belo Horizonte (Moisés Santos/BHAZ)

São cerca de 5 mil moradores em 1.100 apartamentos, dois blocos e 36 andares. Uma cidade vertical com visual inconfundível e população maior do que a de vários municípios de Minas Gerais. O Edifício JK domina o Centro de Belo Horizonte há mais de 50 anos. Nenhum outro gera mais curiosidade. Nenhum outro tem mais lendas.

Entre causos e controvérsias, mergulhamos na história do conjunto projetado por Oscar Niemeyer e procuramos saber como é morar no Edifício JK.

Onde fica

Localizado na região Centro-Sul de Belo Horizonte, colado à Praça Raul Soares, o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek é popularmente conhecido como Edifício JK ou Conjunto JK.

O local é composto por dois grandes espaços, que compreendem uma área comercial e dois altos edifícios residenciais, o Bloco A e o Bloco B. 

O Bloco A, de 23 andares, está de frente para a Rua Timbiras. Já o Bloco B, de 36 andares, tem sua frente voltada para a Rua Guajajaras. Esse é o prédio residencial mais alto de Belo Horizonte, com quase 100 metros de altura.

  • Bloco A: Rua dos Timbiras, 2.500 – Santo Agostinho
  • Bloco B: Rua dos Guajajaras, 1.268 – Santo Agostinho 
Modernista, proposta arquitetônica do JK foi inovadora para a época (Amanda Dias/BHAZ)

O que fica perto do JK?

Por estar situado em um ponto movimentado do Centro, o Edifício JK fica tão próximo a diversos lugares famosos na capital, que dá pra ir a pé. Praça Sete, Mercado Central, o Mercado Novo e o Edifício Maletta, Praça da Assembleia… tudo perto.

O JK também fica a poucas quadras do Diamond Mall, do Shopping Cidade, de centros culturais, como o Sesc Palladium, de escolas, como o Santo Agostinho, e de muitos, muitos restaurantes.

Até o futebol ronda o JK: as sedes do Cruzeiro e do Atlético, além das lojas oficiais dos dois clubes, também ficam em ruas próximas ao complexo.

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Edifício JK se destaca na paisagem belo-horizontina (Moisés Santos/BHAZ/Arquivo 2019)

História do Edifício JK

O projeto do arquiteto Oscar Niemeyer foi feito em 1952. A obra foi executada com recursos doados pelo então governador Juscelino Kubitschek, e o empreendimento foi liderado pelo empresário Joaquim Rolla. O conjunto só começou a ser habitado em 1970.

O projeto do Edifício JK é altamente modernista, conforme destaca Flávio Carsalade, arquiteto urbanista e professor da UFMG.

“É típica do modernismo a proposta de fazer grandes edifícios residenciais, multifamiliares, quase que uma cidade em si própria. Com facilidades como comércio, inserção na cidade em blocos separados, reservando grandes áreas na base dos prédios para atividades de lazer”, avalia o professor.

Essa proposta traz o conceito de uma “cidade dentro da cidade”, já que sua construção tinha o objetivo de oferecer habitação, hotelaria e cultura, transformando hábitos e como se enxergava a cidade.

“A forma edifício multifamiliar só é possível com o avanço da tecnologia e com o ideário modernista, muito voltado para a questão da habitação e da industrialização. Essa é uma concepção avançada para a época, que Oscar Niemeyer e Juscelino trouxeram a Belo Horizonte”, continua Carsalade. 

Construção do JK vista da Praça Raul Soares (Reprodução/vivajk.org)

O que motivou a construção do JK

A ideia era fazer um empreendimento que se assemelha ao que hoje chamamos de parceria público-privada. “O Governo do Estado precisava de um lugar para algumas atividades burocráticas do próprio Estado e de fomentar alguns outros serviços para a cidade de BH, como, por exemplo, ônibus e espaço de espetáculos”, conta o professor.

“O governo daria o terreno, um empreendedor privado – o Joaquim Rolla – faria o empreendimento e devolveria o investimento ao governo em forma de salas e de áreas construídas”, complementa Flávio. 

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Vista de um apartamento do JK na época da construção; Praça Raul Soares se destaca na paisagem até os dias atuais (Reprodução/vivajk.org)

Projeto inovador e modernista

A genialidade do arquiteto Oscar Niemeyer dispensa apresentações. No JK, ele optou por não explorar tanto as curvas, como havia feito no Conjunto Arquitetônico da Pampulha, na década de 1940. No entanto, isso não impediu que o projeto tivesse a “cara” de Niemeyer.

Então, quais aspectos tornam o projeto do Conjunto JK tão inovador, especialmente para a época em que foi construído? O professor da UFMG responde.

“Temos apartamentos que ocupam mais de um andar. Temos duplex e semi duplex, andares com e sem circulação. Toda a concepção de montagem dos apartamentos é muito original, que tem seus antecedentes em outros projetos, especialmente na França, mas com uma característica muito brasileira”.

No site do Coletivo Viva JK, há plantas originais do complexo, arquivadas pela PBH. Confira alguns desses documentos ao longo da matéria.

Planta original de um apartamento do Conjunto JK (Reprodução/vivajk.org)

Visão ampla da cidade

O Conjunto JK reúne 1.087 apartamentos de 13 tipos diferentes. São dois blocos, com 36 e 23 andares cada. Em um dos maiores conjuntos habitacionais de BH, onde moram mais de 5 mil pessoas, é possível encontrar habitações de um a quatro quartos. 

Carsalade também ressalta um aspecto singular na vista proporcionada aos moradores. “De qualquer janela de qualquer apartamento, tem-se uma visão muito descortinada de BH e seus quadrantes, norte, sul, leste e oeste. É uma planta rica nesse sentido”, destaca. 

Pilares e azulejos

Outro ponto que chama atenção no edifício é a solução estrutural, que o arquiteto urbanista considera criativa. “As cargas verticais são recolhidas em pilares em formas de W, que recolhem vários pontos de carga e jogam para o terreno em apenas dois pontos. Essa solução é muito importante”.

“Plasticamente, a ideia de tratamento da fachada envidraçada, com algumas divisões em proporção áurea, faz com que aquelas cortinas de vidro sejam enriquecidas através desse jogo geométrico de proporções”, adiciona o arquiteto urbanista.

Detalhes dos pilares em W no Bloco A (Arquivo pessoal/Narjara Dalho + BHAZ)

Os azulejos de Candido Portinari, muito presentes no Conjunto da Pampulha, também representam uma parcela visual importante no projeto do Edifício JK.

“O azulejo ajudava a dar leveza aos grandes ‘panos cegos’ [fachadas sem vãos] característicos dos volumes da arquitetura modernista”, analisa Carsalade.

Mudanças na estrutura

Conforme o projeto original, deveriam funcionar no JK alguns espaços comunitários e culturais, como Museu de Arte Moderna, teatro e lojas.

Porém, essas construções nunca foram concluídas. Vale lembrar que a proposta inicial é datada de 1952 e o edifício só foi aberto ao público em 1970. O que aconteceu nesse período?

“Mudaram-se governos, proprietários, e a proposta original acabou desvirtuando-se. Até os espaços destinados ao Governo de Minas passaram por readequações e novas adaptações. O Estado vendeu os espaços que eram destinados à burocracia estadual, nos primeiros andares do bloco que dá para a praça Raul Soares. Eles se tornaram habitação”, explica Carsalade.

Além das repartições públicas, os espaços culturais do projeto original passaram por mudanças. “O grande teatro foi vendido. A implantação do Museu de Arte necessitava de investimento. O Estado nunca teve vontade política de fazer”.

Com isso, o local que seria o museu acabou sendo ocupado pela Polícia Militar. “Em frente ao Museu, há um grande terraço que funcionaria como extensão do museu. A PM não se interessava por abrir o espaço ao público, o que ajudou a desvirtuar ainda mais o projeto”, avalia Carsalade. 

Planta original do Conjunto JK (Reprodução/vivajk.org)

Edifício JK, patrimônio cultural de BH

Mesmo com as mudanças em relação ao projeto original, a edificação não perdeu sua importância, tampouco seu propósito fundamental. E em abril de 2022, o Conjunto JK ganhou um importante título.

O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte aprovou, por unanimidade, o tombamento definitivo do Conjunto Habitacional Governador Juscelino Kubitschek.

Com o tombamento, os proprietários do Edifício JK ganharam uma série de benefícios. Os principais são a isenção de IPTU, o acesso às Leis de Incentivo à Cultura para inscrição de projetos de recuperação dos imóveis e a transferência do direito de construir. Ela dá o direito de alienar ou de exercer em outro local o potencial construtivo do lote.

Para Flávio Carsalade, o tombamento confirma o que o edifício já era antes: patrimônio da cidade. “A obra de Niemeyer é, em si, reconhecida pela arquitetura mundial. O próprio prédio já era legitimamente um bem cultural de importância simbólica patrimonial imensa. Só faltava o ato de reconhecê-lo como tal”.

Edifício JK foi tombado como patrimônio cultural de Belo Horizonte (Moisés Santos/BHAZ)

Após mais de 50 anos de pé, por que o JK foi tombado apenas em 2022?

Segundo o arquiteto urbanista, o conjunto não estava com a integridade que se imaginava que deveria ter para ser tombado.

Mesmo assim, ele já fazia parte até do imaginário da cidade de Belo Horizonte. “Todo mundo em BH conhece o Edifício JK. Trata-se de um marco urbano para todos que passam por ali”, defende.

“O JK é importantíssimo do ponto de vista da história da urbanidade em BH, na medida que ele impôs novas formas de morar e de interagir com a cidade”, afirma o professor da UFMG.

Viva JK

O Viva JK é um coletivo que nasceu em 2019 com a proposta central de fazer do conjunto um “patrimônio vivo, harmônico e plural”. O grupo é formado por habitantes do JK e colaboradores especialistas de diversas áreas.

Durante a pandemia, a partir do primeiro semestre de 2020, o coletivo ganhou mais projeção – literalmente. Por meio de ações coordenadas pelo Viva JK, a fachada do bloco mais alto, de quase 100 metros de altura, serviu de “tela” para mensagens projetadas durante a quarentena.

Na época, foram registradas frases de apoio ao isolamento, mensagens contra o então presidente Jair Bolsonaro e até pedido de casamento.

Projeções do coletivo durante a pandemia (Maira Monteiro/BHAZ)

Diante da repercussão das ações, o coletivo passou a fazer projeções esporádicas no prédio. Em abril de 2022, por exemplo, foram expostas mensagens em apoio ao tombamento da Serra do Curral.

Como é morar no Edifício JK

Certamente, quem mora em um imóvel emblemático como esse tem muita história para contar. Em meio a lendas e casos controversos, a localização e a diversidade são apontadas como pontos fortes de se morar no Edifício JK.

“O que atraía era o propósito”

Aos 65 anos, o administrador Sergio Hirle já passou quase dois terços de sua vida no Edifício JK: ele mora no prédio há pouco mais de 41 anos.

No início da década de 2000, após viver de aluguel no local por 18 anos, Hirle se tornou proprietário de um apartamento no Bloco A.

A escolha pelo prédio se deu pela localização estratégica e pelas condições financeiras que o permitiram alugar um apartamento na época. Em 1982, o prédio tinha apenas 12 anos de inauguração.

“Um condomínio estruturado com muitos vidros, muita luminosidade, transparência e leveza, com assinatura de um Oscar Niemeyer. O que atraía era o propósito da socialização dos moradores, da diversidade social e financeira. Isso acabou se perdendo com o passar dos anos, devido a uma política exatamente inversa adotada pela administração”.

“Tenho saudades das sensações causadas pela dinâmica do treinamento do Corpo de Bombeiros Militar. Eles usavam as duas torres do Condomínio, em suas operações de tirar o fôlego de quem assistia”.

Detalhe das janelas do prédio (Maira Monteiro/BHAZ)

“O JK é instigante”

Narjara Dalho nasceu em São Paulo e trabalha no ramo de energias renováveis. A engenheira de 34 anos mudou-se para BH devido ao emprego e chegou ao edifício agorinha, em maio de 2022.

Nova na capital mineira, ela escolheu o JK porque muitos amigos do trabalho já moravam no prédio. Após quase um ano em Belo Horizonte, precisará voltar para a capital paulista, mas garante que vai se lembrar do prédio com carinho.

“O JK é muito bem localizado na cidade de Belo Horizonte, permitindo fazer a maior parte das atividades cotidianas a pé. Para mim, isso significa qualidade de vida, uma vez que não perco horas no trânsito. Os vizinhos são muito agradáveis e solícitos. Com certeza, vou sentir muita saudade. Conheci muita gente querida e também sentirei falta do meu charmoso apartamento de sala ampla, pé direito alto e as escadas internas. Ele tem um ar de velho, porém novo, não sei explicar… é encantador”.

Vista do apartamento (Arquivo pessoal/Narjara Dalho)

“JK é plural”

Maria Eduarda Silva tem 23 anos, cursa Arquitetura e Urbanismo na UFMG e se mudou para o Edifício JK no início de 2022. É de se esperar que a vivência no curso tenha ajudado na escolha de onde morar.

“Eu vim para Belo Horizonte para estudar na UFMG e, primeiramente, me estabeleci perto do Mercado Central. Da janela, eu avistava o JK todos os dias. É uma obra modernista do Niemeyer, uma cidade vertical. Acho incrível a ideia da pluralidade!”.

A jovem conta que ficava “namorando” o lugar antes de se mudar pra lá. “Sempre tive vontade de morar lá, principalmente, por causa do semiduplex, uma planta diferente. É um apartamento que você não encontra em outro lugar. Quando surgiu a oportunidade, eu tive a certeza que iria para o JK”, conta a estudante.

“Para mim, a palavra do JK é ‘plural’, porque, nele, tem todo tipo de pessoa, com idades e classes sociais diferentes. É muito enriquecedor conseguir trocar ideias e furar sua bolha em uma viagem de um minuto no elevador. É realmente uma comunidade, as pessoas se ajudam. Seja alguém que você encontra de passagem, algum vizinho com quem você faz amizade, ou grupos do condomínio”.

“Ninguém sabe o que tem lá (mas eu sei)”

As duas torres de concreto projetadas por Niemeyer fazem parte da vida da estudante Camila Pinho desde que ela nasceu, embora nunca tenha morado oficialmente no JK.

“Minha mãe morou no edifício na juventude e, quando nasci, meu avô morava no 2306 do bloco A, lá no topo, acima de todas as janelas da fachada. Ele morava naquele corredor vazado que ninguém sabe o que tem lá (mas eu sei). Passei minha infância correndo nos corredores infinitos e observando a vista da Serra do Curral”, conta a estudante.

A infância no local despertou na estudante uma curiosidade que a levou ao coletivo “Viva JK” em 2021.

Estudando muito o edifício, em função de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), acabou se aprofundando, conhecendo pessoas e mergulhando ainda mais na história viva do JK.

Para ela, a pluralidade torna o edifício um local ímpar, incomparável. “Eu amo o JK”.

‘Relógio do Itaú’: quem se lembra?

Se você mora em BH, deve se lembrar do grande relógio luminoso que, desde 1984, ficava no topo da maior torre do Conjunto JK.

A retirada desse emblemático “relógio do Itaú” causou rebuliço e protestos. Afinal, durante décadas, o relógio foi um importante ponto de referência até para quem o avistava de longe do Centro.

O “fim de uma era” se deu em novembro de 2019, após uma batalha judicial entre o banco responsável pelo relógio e o condomínio, que não aceitava a retirada do símbolo. 

A extração foi determinada pelo Código de Posturas da PBH, que considerou o letreiro “uma publicidade irregular”. Logo, o Itaú Unibanco optou por não manter o relógio no edifício. Segundo a instituição, outro motivo para a retirada foi a revisão da estratégia de posicionamento da marca.

É verdade que Niemeyer não gostava do Edifício JK?

Uma controvérsia que permeava as discussões sobre o Edifício JK girava em torno de um suposto descontentamento de Oscar Niemeyer em relação à obra. Esse sentimento teria origem nos problemas enfrentados pelo arquiteto no início da construção.

Segundo o professor Flávio Carsalade, Niemeyer se aborreceu com o fato de a obra não ter sido feita no tempo em que ele esperava. Além disso, a não implantação de uma rampa que unia os dois blocos também incomodou o arquiteto.

Porém, isso não resumiria a relação de Niemeyer com o edifício. “Ele nunca renegou a obra e, inclusive, a utilizava como referência em várias palestras e artigos. Ficou chateado por aquilo que não foi feito ou foi feito de maneira errada. Mas isso não significava desprezar a obra ou dizer que ela não era ‘filha’ dele”, ressalta Carsalade.

O histórico Conjunto JK se destaca nas ruas do Centro (Beatriz Kalil Othero/BHAZ)

Niemeyer faleceu no Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos. A obra do belo-horizontino tem relevância atemporal, e o Edifício JK corrobora com esse acervo de maneira significativa.

Beatriz Kalil Othero[email protected]

Jornalista formada pela UFMG, escreve para o BHAZ desde 2020, e atualmente, é redatora e fotógrafa do Portal. Participou de reportagens premiadas pela CDL/BH em 2021 e 2022, e pela Rede de Rádios Universitárias do Brasil em 2020.

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