Atualização às 11:10 do dia 26/10/2022 : Texto atualizado para incluir posicionamento da Uber sobre o ocorrido
Uma pesquisadora e escritora indígena, pertencente ao povo Makuxi, teve uma corrida na Uber cancelada na manhã dessa terça-feira (25), em São Paulo, depois que o motorista a viu usando adereços de seu povo.
Julie Trudruá Dorrico, de 32 anos, usou as redes sociais para desabafar e pedir que as empresas de aplicativo façam treinamentos para preparar e conscientizar os motoristas.
Em conversa com o BHAZ na manhã de hoje (26), Julie explica que já sofreu discriminação por conta de suas origens, mas o ocorrido a abalou muito. Natural de Roraima, ela vive na capital paulista há dois meses.
Motorista viu Julie e cancelou
A escritora pediu um carro de aplicativo para ir trabalhar no Museu das Culturas Indígenas. Como o portão do condomínio é vazado, o motorista chegou e, logo que a viu, cancelou a corrida.
“Eu estava com a tiara, aí ele viu e acelerou devagarzinho. Eu o deixei esperando um minuto, no máximo, até consegui chegar na rua. Mas ele cancelou”, recorda.
A escritora narra que, em seu ambiente de trabalho, ela está acostumada a usar vários adereços e o espaço é confortável para essa manifestação legítima. Após o cancelamento na manhã de ontem, ela precisou esperar outro carro.
“Eu fiquei péssima. O post no Twitter foi mesmo um alerta, uma mensagem para que as empresas façam esse letramento racial. Nós, indígenas aqui em São Paulo, pegamos muito Uber, e são tempos assustadores. Mas não deveria acontecer”, lamenta.
O Uber cancelou minha corrida ao me ver assim. Racismo que fala né? Eu ñ vou deixar de usar minhas tiaras ou minhas pulseiras por causa de gente racista. As empresas deviam fazer letramento com esses motoristas que empregam e ser mais rigorosos em casos assim. @Uber_Brasil e aí? pic.twitter.com/UPlN6Qxtys
— juliedorrico🐊 (@juliedorrico) October 25, 2022
Responsabilidade também é das empresas
Julie ressalta que vários de seus amigos e amigas pretos já passaram por situações parecidas. Certa vez, ela pegou um carro com familiares, também mulheres indígenas, e o motorista ficou visivelmente incomodado por elas estarem pintadas.
“Não é sempre que acontece, muitas vezes quando os motoristas me veem usando tiara e outros adereços, acabam se identificando, cria-se uma empatia. É legal para as pessoas saberem que há muitos indígenas em São Paulo. E também é papel das empresas mediar”.
A escritora destaca que não quer ressarcimento ou qualquer outro tipo de punição, apenas que a Uber assuma o compromisso de incluir a pauta indígena na luta antirracista.
“Como estamos ficando cada vez mais visíveis, esse tipo de situação se torna mais recorrente”, pontua. Julie é verificada no Twitter e, por isso, a Uber já recebeu a publicação e enviou uma mensagem pedindo que ela os contate.
O que diz a Uber?
Por meio de nota ao BHAZ (leia abaixo na íntegra), a Uber afirma que “não tolera qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo” e reafirma o compromisso de “promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app”.
Segundo o comunicado, a empresa fornece materiais informativos aos motoristas parceiros sobre como tratar os usuários, além de um guia para apoiar motoristas parceiros com informações sobre como interagir positivamente com usuários que tenham deficiências.
“Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, ou que desrespeitou os termos da lei, ressaltamos sempre a importância de reportarem esses incidentes à Uber, para que possamos tomar as medidas necessárias”, diz a nota.
Racismo
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”, o que inclui os povos indígenas.
A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.
Nota da Uber na íntegra
“A Uber não tolera qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app.
A Uber fornece diversos materiais informativos a motoristas parceiros sobre como tratar cada usuário com cordialidade e respeito. A empresa possui um guia que tem como objetivo apoiar os motoristas parceiros com informações sobre como ter interações positivas e respeitosas com usuários que têm alguma deficiência.
Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, ou que desrespeitou os termos da lei, ressaltamos sempre a importância de reportarem esses incidentes à Uber, para que possamos tomar as medidas necessárias. Conforme explicitado no Código da Comunidade Uber, casos comprovados de motoristas que adotem conduta discriminatória podem levar à perda de acesso à plataforma.”