Menina de 11 anos que engravidou após estupro passou por aborto legal, diz MPF

Hospital
Hospital cumpriu parcialmente a recomendação do MPF (Reprodução/Google Street View)

O MPF (Ministério Público Federal) informou, nesta quinta-feira (23), que a menina de 11 anos que engravidou após ser estuprada e foi impedida de realizar um aborto conseguiu passar pelo procedimento e interrompeu a gestação.

O Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cumpriu parcialmente a recomendação expedida pelo MPF nessa quarta-feira (22) e realizou o procedimento.

“O hospital comunicou ao MPF, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor”, diz comunicado do órgão (leia na íntegra abaixo).

Em relação a outros termos da recomendação, o MPF informa que “serão avaliadas oportunamente quais as providências a serem adotadas” pela procuradora da República titular do 7º Ofício da Cidadania.

Recomendação

Ainda ontem, o MPF havia enviado à superintendente do hospital, Joanita Angela Gonzaga Del Moral, uma recomendação “para que garanta a pacientes que procurem o serviço de saúde a realização de procedimentos de interrupção da gestação nas hipóteses de aborto legal, a serem praticados por médico, independentemente da idade gestacional e peso fetal”.

O órgão instaurou um inquérito policial para investigar a atuação do centro de saúde no caso. A investigação, a cargo do 7º Ofício da Cidadania do MPF em Florianópolis, será sobre os fluxos e trâmites no hospital para a prática do abortamento previsto em lei.

Na recomendação, o MPF reforçou que o aborto legal não requer qualquer autorização judicial ou comunicação policial, “assim como não existem, na legislação, limites relacionados à idade gestacional e ao peso fetal para realização do procedimento”.

Em razão da urgência, o órgão deu prazo até hoje, às 12h, para que o hospital informasse sobre o acatamento da recomendação. Caso ela não fosse acatada, o MPF poderia adotar a via judicial.

Entenda

Uma menina de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro de vulnerável, ficou mantida há mais de um mês em um abrigo de Santa Catarina por determinação judicial. Uma reportagem do The Intercept denuncia a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que teria pressionado a menina a não realizar o aborto.

Em despacho de 1º de junho, a magistrada, titular da Comarca de Tijucas, argumenta que a ida da vítima ao abrigo se deve ao “risco que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”. Imagens obtidas pelo site, de uma audiência realizada no dia 9 de maio, mostram uma conversa entre a juíza e a criança.

“Suportaria ficar [grávida] mais um pouquinho?”, questiona a magistrada. Na sequência, ela chega a questionar se a vítima “quer escolher o nome do bebê” e se o abusador “concordaria pra entrega [do bebê] para adoção”.

Durante a audiência, a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público Catarinense, também defende a continuidade da gestação. “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele”, diz ela.

Quando o aborto é permitido?

Segundo o IFF (Instituto Fernandes Figueira), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o Brasil está entre os 25% dos países do mundo com legislações mais restritivas em relação à interrupção da gravidez. Por aqui, o aborto é autorizado em caso de estupro, quando a gestação representa risco à vida da mãe ou quando o feto é anencéfalo, ou seja, quando o cérebro não se desenvolve adequadamente.

No caso de violência sexual, a vítima deve preencher cinco documentos que serão anexados ao prontuário médico. São eles:

  1. Termo de relato circunstanciado – É feito pela mulher que solicita a interrupção ou pelo representante legal no caso de incapaz. O documento deve conter as informações de dia, hora, local em que ocorreu a violência, características, tipo, descrição dos agentes violadores, se houveram testemunhas, cicatrizes ou tatuagens no violador, características de roupa, etc. Este documento deve ser assinado pela mulher e por duas testemunhas: no caso o médico que ouviu o relato e um enfermeiro, psicólogo ou assistente social;
  2. Parecer técnico – Documento assinado pelo médico ginecologista que, após anamnese, exame físico, ginecológico e análise do laudo do ultrassom atesta que aquela gestação tem idade gestacional compatível com a data alegada do estupro;
  3. Aprovação de procedimento de interrupção da gravidez – Este documento nada mais é que uma ata, onde se reúne a equipe multiprofissional que fez o atendimento. Todos assinam com a aprovação desta interrupção, concordando com o parecer técnico (que a data da gestação é compatível com a data do estupro) e que não há suspeita de falsa alegação de crime sexual;
  4. Termo de responsabilidade (assinado pela mulher) – Este documento contém uma advertência expressa que a paciente assina ciência de que ela incorrerá de crime de falsidade ideológica e de aborto criminoso caso posteriormente se verifique inverídicas as informações;
  5. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Termo que esclarece sobre os desconfortos, riscos, possíveis complicações, como se dará o procedimento de interrupção da gestação, quem vai acompanhar, a garantia do sigilo (salve solicitação judicial). Este documento é assinado pela mulher e deve conter claramente expressa a sua vontade consciente de interromper a gestação, dizendo também que foram dadas todas as informações sobre a possibilidade de manter a gestação e a adoção ou até a desistência do procedimento a qualquer momento.

Nota do MPF

O Ministério Público Federal (MPF), considerando a grande repercussão do caso envolvendo menor vítima de estupro e, que teve a interrupção legal da gestação negada pelo serviço de saúde, vem informar o acatamento parcial da recomendação expedida nesta quarta-feira (22) ao Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O hospital comunicou ao MPF, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor.

Em relação aos demais termos da recomendação, serão avaliadas oportunamente quais as providências a serem adotadas pela procuradora da República titular do 7º Ofício da Cidadania.

O Ministério Público Federal lamenta a triste situação ocorrida e reafirma seu compromisso em zelar pelo efetivo respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal“.

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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