Quem quer salvar a Serra do Curral? Minas se une para que a mineração ‘tire o pé’ da área

Serra do Curral
Serra do Curral, que emoldura a capital mineira, pode ser considerada o principal elemento do belo horizonte que dá nome à cidade (PBH)

Desde a reunião em que o Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) aprovou a mineração na Serra do Curral, na madrugada desse sábado (30), milhares de cidadãos mineiros têm se manifetastado contra a decisão. Em uma união impulsionada pelo movimento “Tira O Pé Da Minha Serra”, políticos, entidades e a própria PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) buscam impedir a exploração da serra que integra a paisagem da capital mineira.

Para Roberto Andrés, arquiteto-urbanista e professor da UFMG, a mineração na Serra do Curral é como se, no Rio de Janeiro, “quisessem minerar o Pão de Açúcar e oferecessem, como contrapartida, plantar árvores em algum outro lugar do estado”. Além de alertar para os impactos do projeto Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST), o especialista critica a insignificância da compensação ambiental e florestal que deve ser feita em troca da exploração da área.

O CMST, elaborado pela mineradora Tamisa (Taquaril Mineração S.A.), possibilitará a lavra a céu aberto de minério de ferro no local, além da instalação de uma unidade de tratamento de minerais, pilhas de rejeito e também bacias de contenção de sedimentos. A área prevista para a instalação do projeto é adjacente à serra do Taquaril e está localizada na divisa dos municípios de Nova Lima, Sabará e Belo Horizonte. Trata-se da propriedade Fazenda Ana da Cruz, em uma área que corresponde a mais de 100 hectares.

“É um mega-empreendimento, em uma área que corresponde a 120 campos de futebol, com um potencial de degradação muito grande. É uma área ambiental rica, com espécies ameaçadas de extinção, e há impactos hídricos, já que nascentes de córregos seriam soterradas. E ainda tem o impacto para a população: ruídos, explosões, minérios, poeira tóxica”, argumenta Roberto Andrés.

O urbanista também destaca o impacto paisagístico do projeto: a Serra do Curral, que emoldura a capital mineira, pode ser considerada o principal elemento do belo horizonte que dá nome à cidade. “A área da mineração ainda é muito próxima ao Pico Belo Horizonte, tombado pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] e que está no brasão do município”, alerta.

Mobilização em alta

Na última semana, a frase “Tira O Pé Da Minha Serra” ganhou força ao pedir a não aprovação do projeto CMST e, após a votação do Copam, ao protestar contra a decisão. A iniciativa é liderada por ativistas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, e conta com o apoio de importantes figuras culturais de todo o país.

Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento são alguns dos nomes que pedem que a mineração “tire o pé” da Serra do Curral. E para Roberto Andrés, foi a mobilização da sociedade civil que deu força às ações formais que se seguiram em oposição ao projeto (veja mais abaixo).

“O primeiro fato impulsionador de tudo é a mobilização social, e a população de BH está de parabens por ter se mobilizado com essa força, contra esse projeto predatório. A população brasileira já percebeu a importância, não é só na cidade: as mensagens estão circulando, em grupos de amigos, vizinhos, futebol, condomínio. Vai muito além do ativismo e dos ambientalistas, se tornou uma comoção nacional”, diz.

Já são quase 60 mil assinaturas no texto formulado pelo projeto “Tira O Pé Da Minha Serra” para pressionar o Governo de Minas a não permitir a mineração na área, e o urbanista pede que a população faça ainda mais pressão. “Se a mobilização seguir como nos últimos dias, é uma força muito grande. É muito dificil barrar a vontade da maioria”, defende.

O urbanista ainda aponta para irregularidades no processo de aprovação do CMST, já que está em curso o está em processo de tombamento da Serra do Curral pelo estado (leia mais abaixo): “se há um processo de tombamento estadual, isso já configura proteção ao bem. Senão, nem faria sentido a legislação de tombamento. Por isso as ações pedem a nulidade da aprovação”.

O site do “Tira O Pé Da Minha Serra” também defende que, por ser um empreendimento de alto impacto, o licenciamento do projeto deveria ser analisado em três fases. “Mas a empresa conseguiu simplificar o processo, o que garante mais agilidade para sua aprovação”, diz o projeto.

O BHAZ entrou em contato com a Tamisa, mas não obteve retorno.

Movimentações no legislativo

Na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) e na CMBH (Câmara Municipal de Belo Horizonte), deputados e vereadores se movimentam em diferentes direções pelo objetivo de impedir a mineração na Serra do Curral.

Assembleia Legislativa

A deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede) protocolou quatro requerimentos na Assembleia pedindo a aceleração da tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 67/2021, que prevê o tombamento da serra, e que está parado na casa legislativa desde setembro do ano passado.

A parlamentar ainda protocolou pedido de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a concessão de licença ambiental para mineração da área. Segundo a ALMG, o documento que pede a abertura da comissão tem 19 assinaturas, sendo que são necessárias 26 no total.

“Precisamos verificar as circunstâncias que envolvem o tempo recorde de análise no Copam para liberar a mineração na Serra Do Curral. A licença concedida está em contraposição à legislação de Nova Lima. Ignora também o processo de tombamento, já em curso. O tombamento provisório já poderia ter sido publicado e o Governo de Minas desconsidera isso”, defendeu ela em Plenário nesta terça-feira (3).

O partido da parlamentar, o Rede Sustentabilidade, também ingressou com ação popular pedindo a nulidade da aprovação da mineração. Por meio do porta-voz estadual Paulo Lamac, a sigla destaca que a votação que deliberou o pedido da mineradora ocorreu durante a madrugada, após 18 horas de reunião virtual “e quando a sala já estava sem a presença de representantes da sociedade civil, que se manifestaram contra a mineração”.

“Caso aprovado o tombamento após a licença de mineração, o estado poderá ter que arcar com indenização milionária. A votação desconsidera a cautela que deve resguardar as decisões do serviço público”, defende Lamac.

Ainda na ALMG, o deputado Rafael Martins (PSD) acionou a Vara da Fazenda Pública e Autarquias pedindo a suspensão da atividade mineradora na área. O presidente da Comissão de Minas e Energia defende que todos trabalhem “para tentar impedir que o nosso maior patrimônio ambiental seja utilizado de forma irregular”.

Cristiano Silveira (PT) também encaminhou requerimento à Comissão de Administração Pública da ALMG por uma audiência pública para debater a liberação da licença ambiental para o projeto. A audiência conjunta será realizada nesta quinta (5), a partir das 9 horas, no Auditório José Alencar.

O parlamentar foi relator da PEC 67/2021, que diz sobre o processo de tombamento estadual da Serra do Curral, e havia apresentado requerimento antes da reunião do Copam para que o conselho não aprovasse o projeto enquanto o Conep (Conselho Estadual do Patrimônio Cultural) não decidir sobre o tombamento.

Câmara Municipal

Já na CMBH, o vereador Gabriel Azevedo (sem partido) e a vereadora Duda Salabert (PDT) também decidiram atuar em conjunto pela criação de uma CPI da Serra do Curral, contra a mineração. O objetivo é apurar ações relacionadas à prefeitura de Belo Horizonte, que, segundo os parlamentares, podem ter corroborado com o atraso no tombamento da serra como patrimônio e, por consequência, permitiram a mineração da área.

As equipes dos dois vereadores se reuniram nessa segunda-feira (2) para finalizar o texto e pretendem conseguir 14 assinaturas ao longo da semana. O colegiado ainda terá a função de apurar o papel do município para impedir a destruição de “uma imagem que está no nosso próprio brasão”.

PBH

A Prefeitura de Belo Horizonte foi mais uma a acionar a Justiça contra a mineração na Serra do Curral. Por meio do subprocurador-Geral do Contencioso de BH, Caio Perona, a medida cautelar em caráter antecedente pede que a decisão considere a necessidade de o município participar do processo de licenciamento ambiental.

O município reforça que “a licença questionada foi concedida pelo Governo de Minas Gerais na madrugada do dia 30 de abril deste ano, pelo Copam”. A PBH destaca que, nas 31 páginas do documento, são abordados os diversos impactos da exploração minerária da Serra do Curral sentidos em Belo Horizonte. Em resumo:

  1. risco geológico de erosão do Pico Belo Horizonte, bem tombado nas esferas municipal e federal;
  2. risco à segurança hídrica de Belo Horizonte, considerando que o empreendimento interfere na Adutora do Taquaril, responsável pelo transporte de 70% da água tratada consumida pela população de Belo Horizonte;
  3. isco à população de Belo Horizonte pelos ruídos decorrentes do empreendimento, inclusive aos usuários do Hospital da Baleia, situado a menos de 2 km da exploração minerária;
  4. risco à população de Belo Horizonte pela queda da qualidade do ar, tendo em vista que a poeira da exploração minerária invadirá a capital do Estado;
  5. risco à população de Belo Horizonte decorrente da violação ao sossego, diante das vibrações decorrentes da exploração minerária que serão sentidas em comunidades situadas na capital mineira;
  6. risco ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com risco real ao Parque das Mangabeiras, integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, cujo limite se encontra a cerca de 500 m da denominada Cava Norte.

Na ação, a PBH argumenta pela inconstitucionalidade do Decreto Estadual 47.383/2018, que excluiu a participação do município de Belo Horizonte do processo de licenciamento da Serra do Curral. A prefeitura defende que “ao esvaziar o regramento da legislação nacional quanto à participação dos Municípios afetados, o artigo 18 do decreto deve ser declarado inconstitucional incidentalmente por violar o artigo 24 da Constituição, na forma dos precedentes do STF mencionados.”

A prefeitura ainda aponta para os riscos sobre a porção da Serra do Curral conhecida como “Pico Belo Horizonte”, bem tombado pelo Município de Belo Horizonte e pela União. A ação foi ajuizada nessa terça-feira e distribuída à 22ª Vara Federal de Belo Horizonte.

Nesta terça-feira, em vídeo divulgado para a imprensa, o prefeito Fuad Noman (PSD) disse que lutará com “todas armas” para defender Belo Horizonte e impedir a mineração na Serra do Curral. “Hoje pela manhã, entramos com um processo na Justiça Federal para tentar barrar essa monstruosidade que estão querendo fazer na Serra do Curral”, disse em um trecho.

“A Serra do Curral é um patrimônio dos belo-horizontinos, ela não pode ser destruída para atender interesses econômicos, prejudicando a saúde, a água e a beleza de Belo Horizonte”, continuou o mandatário. “Vou lutar com todas as armas enquanto eu puder para defender a cidade, finalizou ele.

Ministério Público

Antes mesmo da votação, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública contra a Tamisa e contra o município de Nova Lima, alegando incompatibilidade do projeto Complexo Minerário Serra do Taquaril em relação à legislação urbanística municipal.

Por meio da 4ª Promotoria de Justiça de Nova Lima e do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma), o MPMG defende que a área da Serra do Curral é “dotada de inestimável valor ambiental e cultural, preservada com vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, classificada como Área Prioritária para Conservação da Biodiversidade Especial”.

O órgão reforça que o projeto do CMST inclui lavra a céu aberto de minério de ferro, unidade de tratamento de minerais, com tratamento a seco e úmido, pilhas de rejeito estéril, estradas internas, bacias de contenção de sedimentos, estruturas e prédios administrativos.

Contra a construção, o MP argumenta que as leis de uso e ocupação de Nova Lima vedam o uso minerário em zonas que seriam abrangidas pelo empreendimento. “Mesmo assim, em 15 de fevereiro de 2022, o município de Nova Lima expediu declaração que atestou a conformidade do projeto CMST em relação à legislação urbanística”, destaca.

O Ministério Público, então, pede que a Justiça suspenda de imediato a validade da declaração de conformidade, de forma a impedir a instalação do empreendimento.

Tombamento

Em 1995, a Serra do Curral foi escolhida símbolo da capital mineira em um plesbicito organizado pela prefeitura, superando a Igreja São Francisco de Assis, a Lagoa da Pampulha, a Praça da Liberdade e outras referências da cidade.

Já em 2012, foi criado o Parque da Serra do Curral,, para estimular o ecoturismo na região. Abrangendo uma área de 400 mil metros quadrados, o parque atrai interessados em fazer trilhas e conta com dez mirantes.

Desde 1960, a Serra do Curral já é considerada patrimônio histórico e artístico nacional. No entanto, apenas o trecho que se estendia 900 metros à esquerda e à direita tendo como eixo central a avenida Afonso Pena foi tombado pelo Iphan. Ou seja, na prática, ficou protegida apenas a vista a partir de Belo Horizonte. Essa proteção foi reiterada em 1991, com o tombamento, pela PBH, de toda a porção inserida nos limites da capital.

Por outro lado, a preservação das porções situadas em municípios vizinhos como Nova Lima e Sabará depende de um tombamento pelo Iepha. Um processo com esse objetivo começou em 2018 e o dossiê final já foi concluído, mas ainda falta a apreciação pelo Conep (Conselho Estadual do Patrimônio Cultural).

Com base nesse processo, o MPMG já havia contestado o avanço da avaliação do licenciamento do projeto da Tamisa, em maio do ano passado. Para os promotores, a Serra do Curral deveria estar resguardada até a conclusão da votação que poderá selar seu reconhecimento definitivo como patrimônio de Minas Gerais.

Eles ainda apontam que, desde 1960, outras incursões minerárias de menor porte já deixaram suas marcas. “A Serra do Curral já ostenta gigantescas cicatrizes da mineração, que impactam negativamente a beleza cênica da paisagem e compromete a integridade do conjunto histórico e arqueológico”, diz a ação.

A votação

Após mais de 19 horas de reunião, o Copam aprovou, por 8 votos a 4, o licenciamento do CMST que prevê a mineração em mais de 100 hectares da Serra do Curral. A votação aconteceu durante a madrugada desse sábado.

Veja como votaram os conselheiros:

A favor:

  • Verônica I. Cunha Coutinho – Segov (Secretaria de Estado de Governo);
  • Maria Eugênia Monteiro – Sede (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico);
  • Joana Moraes Rabelo Horta L. – Sedese (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social);
  • Paulo Eugênio de Oliveira – Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais);
  • Claudinei Oliveira Cruz – ANM (Agência Nacional de Mineração);
  • Denise Bernardes Couto – Sindiextra (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas);
  • Thiago Rodrigues Cavalcanti – Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais);
  • Carlos Orsini Nunes de Lima – SME (Sociedade Mineira de Engenheiros).

Contra:

  • Paulo Pedro Ribeiro – Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis);
  • José Ângelo Paganini – Fundação Relictos;
  • Tobias Tiago Pinto Vieira – Associação Promutuca;
  • Valter Vilela Cunha – Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).

Com Agência Brasil

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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