Impactos a quilombolas: MPF pede suspensão de licenças concedidas à Tamisa para mineração na Serra do Curral

Serra do Curral
Procurador afirma que comunidade quilombola não foi consultada (PBH/Divulgação)

Uma nova ação do MPF (Ministério Público Federal) contra o estado de Minas Gerais e a Taquaril Mineração (Tamisa) pede que a Justiça federal suspenda as licenças ambientais concedidas ao Complexo Minerário Serra do Taquaril, na Serra do Curral.

O procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação, defende que as licenças são nulas porque “foram concedidas sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento” (entenda mais abaixo).

De acordo com o autor, a comunidade foi surpreendida com a notícia, por meio da imprensa, de concessão das licenças ambientais para a mineração na Serra do Curral. Os quilombolas alegam que não foram consultados a respeito do projeto, em descumprimento a direitos reconhecidos pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Para o MPF, o descumprimento dessa obrigação atrai a competência da Justiça Federal. “Por fim, é importante esclarecer que esta ação não trata de questões relacionadas ao meio ambiente ou a outros aspectos do patrimônio cultural que transcendam a realização de consulta prévia à comunidade tradicional, não havendo, portanto, conexão com outros processos já em curso”, finalizou o procurador.

Sem consulta

Ao instaurar procedimento para investigar o caso, o MPF enviou ofício ao Governo de Minas e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), solicitando informações sobre a realização de consulta à comunidade de Manzo antes da concessão das licenças ambientais.

Segundo o órgão, a Semad confirmou que não foi feita consulta, alegando que o empreendedor teria afirmado ao órgão licenciador que o projeto não causará impacto direto a nenhum território tradicional. Ainda segundo o MPF, o governador do estado não respondeu ao ofício.

O procurador Edmundo Antonio Dias defende que o estado descumpriu obrigações internacionais, conforme a determinação da OIT. “Causa espanto que tenha firmado seu posicionamento unicamente a partir de declaração unilateral do empreendedor, a Taquaril Mineração”, escreveu na ação.

A comunidade e a Serra do Curral

O autor reforça que a “relação histórica, espiritual, da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango com a Serra do Curral – inclusive com a Mata da Baleia –, já foi amplamente documentada e reconhecida pelo Poder Público nos dossiês que embasaram o reconhecimento do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango como patrimônio cultural do Município e do Estado”.

Um relatório antropológico emitido por uma perita do MPF ainda destacou que “qualquer empreendimento que cause alterações na Serra do Curral poderá gerar impactos para a comunidade quilombola em questão, tendo em vista a proximidade do empreendimento minerário de lugares de referência para o quilombo, como a Mata da Baleia, e do próprio território da comunidade (cerca de 3 km)”.

Por fim, o procurador aponta que, ao ignorar a obrigatoriedade da consulta, o estado de Minas Gerais “macula do vício de nulidade todo o procedimento em que foram concedidas as licenças ambientais em favor de um empreendimento altamente poluidor, que afetará recursos naturais que viabilizam a manutenção das práticas culturais, sociais e religiosas da comunidade quilombola de Manzo”.

Procurado pelo BHAZ, o Governo de Minas informou que não comenta ações judiciais e que, quando intimado, se pronuncia nos autos dos processos. O BHAZ também procurou a Tamisa, que não retornou até a publicação desta reportagem.

Manzo Ngunzo Kaiango

Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente, ela é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas.

Em 2017, a comunidade foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. Em 2018, também foi reconhecida como patrimônio cultural de Minas Gerais, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).

No dossiê de registro que reconheceu a comunidade Manzo Ngunzo Kaiango como patrimônio cultural de BH, as autoridades municipais destacaram “a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa, e cultural, dentre outros processos hostis constituidores da formação das cidades”.

Mineração na Serra do Curral

O Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) aprovou a mineração na Serra do Curral em uma reunião realizada na madrugada do dia 30 de abril. O CMST, elaborado pela mineradora Tamisa, possibilitará a lavra a céu aberto de minério de ferro no local, além da instalação de uma unidade de tratamento de minerais, pilhas de rejeito e também bacias de contenção de sedimentos.

A área prevista para a instalação do projeto é adjacente à serra do Taquaril e está localizada na divisa dos municípios de Nova Lima, Sabará e Belo Horizonte. Trata-se da propriedade Fazenda Ana da Cruz, em uma área que corresponde a mais de 100 hectares.

Políticos, entidades e a própria PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) buscam impedir a exploração da serra que integra a paisagem da capital mineira. Para Roberto Andrés, arquiteto-urbanista e professor da UFMG, a mineração na Serra do Curral é como se, no Rio de Janeiro, “quisessem minerar o Pão de Açúcar e oferecessem, como contrapartida, plantar árvores em algum outro lugar do estado”.

Com MPF

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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