Retomada de mineração ameaça santuário na Serra da Piedade; ALMG tem audiência pública nesta quarta

Slideshare/Reprodução+Henrique Caetano/Arquidiocese/Divulgação)

“Há 252 anos, a Igreja Católica cuida da Serra da Piedade. Ali, é uma chaga aberta: a atividade minerária predatória, que deixou para trás um passivo ambiental enorme, está prestes a ser retomada e a voz da sociedade civil não está sendo ouvida. Nós não estamos sendo ouvidos. Como responsáveis pelo santuário, é nosso dever e nossa obrigação recorrer a todos os meios em defesa do patrimônio, talvez o maior de Minas: cultural, religioso, ambiental. Esse santuário é um monumento natural, o maior parque visitado de Minas. E tem tombamento em todas as esferas: federal, estadual e municipal.”

É com esse extenso desabafo que padre Fernando César Nascimento, reitor do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, na Serra da Piedade, em Caeté, a 40 quilômetros de Belo Horizonte, começa a conversa com o BHAZ.

Procurado pelo portal para repercutir a licença de mineração concedida pelo Governo de Minas à empresa AVG Mineração, o religioso participará nesta quarta-feira (20), de audiência pública na Assembleia Legislativa (ALMG), a partir das 16h, que vai tratar do tema.

Do limite final da cava da mineradora até o Santuário da Piedade, em linha reta, são aproximadamente 1,2 quilômetros, apenas (veja foto; acima da cava, no platô da serra, está o santuário).

Padre Fernando critica a decisão de 22 de fevereiro – três dias antes da tragédia socioambiental da Vale, em Brumadinho – da Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que concedeu as licenças Prévia e de Instalação, de forma concomitante, à empresa AVG, a despeito do desaconselhamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Segundo padre Fernando, na votação da CMI/Copam, a maioria que votou era governo e entidades ligadas à mineração. “Para se ter ideia, o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), responsável pela concessão das lavras (e atualmente pela fiscalização de todas as barragens no Brasil), se absteve de votar. Não é possível um sistema como esse, ninguém para salvaguardar o meio ambiente, o patrimônio histórico. Nós nunca tivemos assento na CMI, nem como guardiões do lugar; ninguém nunca nos procurou para saber nossa opinião. Nem mesmo o conselho
do Monumento Natural da Serra da Piedade, que é consultivo, foi ouvido na decisão”, lamenta.

A audiência pública a ser realizada no auditório José Alencar, na Assembleia Legislativa (rua Rodrigues Caldas, 30, Santo Agostinho), é aberta a população em geral e interessados no tema. Ela foi solicitada pelo deputado estadual Professor Wendel Mesquita (SD).

“Vamos falar sobre o risco dos efeitos predatórios da mineração na Serra da Piedade, onde se localiza o Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Minas. Portanto, um local que abriga um grande patrimônio religioso, cultural em nosso Estado, além de ser uma área de preservação ambiental. Queremos saber porque de a CMI /Copam ter concedido as licenças para a exploração de minério no local”, disse Wendel em entrevista ao portal da ALMG.

Licença mediante acordo judicial

Procurada pelo BHAZ, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, por meio de nota, que o “licenciamento em questão é fruto de um acordo judicial federal que, devido aos problemas de instabilidade e ao grande passivo ambiental deixado pela Mineração Brumafer na área, definiu um projeto de recuperação concomitante à mineração”.

O acordo, segundo a Semad, envolve como compromitentes o Ministério Público Estadual (MPMG); Ministério Público Federal (MPF); Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); como compromissários a AVG Empreendimentos Minerário S.A. e o Estado de Minas Gerais representado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam); e, como intervenientes, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).

O que diz a AVG Mineração

O BHAZ procurou a empresa AVG Mineração para entender melhor o projeto de exploração para o local, a recuperação da área degradada, bem como o cronograma previsto de execução das ações.

Segundo a AVG, o projeto está sendo licenciado com base em dois pilares básicos: eliminação de riscos e recuperação de uma gravíssima degradação ambiental presente na área.

“Entre os vários focos de ação da recuperação da área estão trabalhos de reformatação de taludes que hoje estão em inclinação negativa e que em razão de processos erosivos agravam a degradação ambiental, bem como a blendagem do material depositado por décadas em pilhas de rejeito. Usaremos nesse processo a tecnologia ‘filtragem de rejeito’, processo tecnológico este que é considerado o mais moderno do mundo para disposição de rejeitos de mineração. Todo esse projeto de recuperação tem previsão de execução em 15 anos”, esclarece Marcelo Pugedo, diretor financeiro da AVG.

A produção estimada de exploração é de 2,4 milhões de toneladas por ano e, segundo previsões da AVG, entre custos e investimentos totais para todo projeto – incluindo todas as fases de recuperação, compensações, logística, custos operacionais, doações e outros -, devem ser gastos cerca de R$ 400 milhões/ano.

Com a tonelada do minério de ferro a cerca de R$ 360, segundo o Metal Bulletin, nesta quarta-feira (20), a AVG investiria menos da metade do montante arrecadado anualmente, estimado em R$ 864 milhões.

Questionado sobre a proximidade da lavra com o santuário, o diretor da empresa informo que a lavra de recuperação será executada de oeste para leste, em direção oposta ao tempo religioso. “Haverá sequenciamento e reabilitação da área conforme seu avanço. Toda a operação será realizada observando os critérios técnicos e ambientais e de engenharia de segurança. Ao final da recuperação do passivo ambiental, a área recuperada e as demais de propriedade da empresa contíguas a esta, que estão preservadas e que são quase quatro vezes maiores do que as que serão recuperadas, serão doadas ao Instituto Estadual de Florestas (IEF)”, ressalta Pugedo.

ENTENDA

  • O início da exploração na área data da década de 1950;
  • A Brumafer Mineração deixou o local em 2005, com um grande passivo ambiental;
  • Em 2011, acordo judicial foi assinado entre a AVG Mineração e o Ministério Público de Minas Gerais, no qual a empresa assumiria a recuperação ambiental da área. Em contrapartida, estabeleceria nova lavra na área devastada. Entre as diversas obrigações da empresa estava o licenciamento ambiental para operar;
  • A empresa entrou, então, com pedido de licença prévia (LP) do empreendimento;
  • Em 2017, decreto estadual (44.844/2008) possibilitou que empreendimentos de grande porte e com grande potencial poluidor pudessem pedir o licenciamento concomitante, ou seja, duas licenças ao mesmo tempo. Com isso, a mineradora refez seu pedido de LP, para LP e LI;
  • Em 22 de janeiro deste ano, a Câmara Técnica de Atividades Minerárias concedeu as licenças prévia e de Instalação à AVG.

Para começar a de fato explorar o local, a AVG Mineração precisa da Licença de Operação (LO), ainda não concedida. Segundo a empresa, no entanto, desde 2017 vem sendo adotadas medidas emergenciais na área da pilha de rejeitos, com drenagem e estabilização. Segundo Pugedo, já foram retirados mais de 1 milhão de toneladas.

O Grupo AVG do qual faz parte a AVG Empreendimentos Minerários foi fundado em Minas Gerais em 1991 e, além de mineração, atua com energia, reflorestamento, siderurgia, perfuração, sondagens e autos também em outros estados.

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