Dois trabalhadores sofrem injúrias raciais em Minas e autores são presos

Rodoviária de BH e avenida em Governador Valadares
Crimes ocorreram na rodoviária de BH e em Governador Valadares (Amanda Dias/BHAZ + Reprodução/Google Street View)

No mesmo dia, dois trabalhadores foram vítimas de injúrias raciais, em duas cidades diferentes de Minas Gerais: nessa quarta-feira (30), um médico foi preso em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, após gritar “saia daqui, seu preto!” a um homem que trabalhava em uma obra na cidade. Algumas horas depois, outro homem foi preso após ameaçar dois seguranças da rodoviária de Belo Horizonte, além de chamar um deles de “macaco”.

Os crimes compõem uma estatística infeliz registrada em Minas: segundo dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais), só entre janeiro e julho de 2020, já foram registrados 174 casos de injúria racial no estado. Em Belo Horizonte, foram 33 ocorrências do crime no mesmo período.

Além disso, índices de registros de outros crimes resultantes de preconceitos de raça ou cor na capital mineira evidenciam um cenário alarmante: ainda segundo a Sejusp, de janeiro a julho de 2019, foram registrados 6 crimes do gênero em BH. No mesmo período de 2020, houve um aumento de 400%, com 30 casos registrados. Em Minas, o crescimento foi de 41%, indo de 58 a 82 ocorrências entre janeiro e julho de 2019 e de 2020, respectivamente.

‘Seu preto’

O médico, de 53 anos, cometeu o crime enquanto discutia com trabalhadores que atuavam em uma obra perto da casa dele, na Ilha dos Araújos, em Governador Valadares. De acordo com a Polícia Militar, o homem questionou um grupo de homens que trabalhava no local sobre o andamento da obra, já que, segundo ele, ela estava demorando muito e causava transtornos na região. O médico também afirmou que, toda vez que passava pelo local, não via ninguém trabalhando.

Durante a discussão, um dos trabalhadores, que é funcionário de empresa terceirizada que havia sido contratada pela prefeitura da cidade para realizar a obra, resolveu intervir. Em resposta, o médico gritou: “Saia daqui, seu preto. Não entra na conversa, não!”. Os trabalhadores, indignados com a ofensa, acionaram a Polícia Militar e o médico foi conduzido à delegacia.

As testemunhas ouvidas confirmaram o relato da vítima e o autor foi autuado pela delegada Lilian de Cales, da Polícia Civil. “Autuei pelo crime de injúria qualificada, tendo em vista que a injúria direcionada à vítima se utilizou de elementos referentes à cor. Habilitei fiança, mas ela não foi paga pelo autor, então ele será encaminhado ao presídio. A partir de agora, ele será processado criminalmente pela prática desse crime”, disse a delegada.

‘Macaco’

Já em Belo Horizonte, um homem de 44 anos foi preso após ameaçar dois seguranças da rodoviária e ofender um deles com injúrias raciais. O suspeito queria entrar no local sem máscara e alegava ser carregador de bagagem. De acordo com a administração do terminal rodoviário, ele apresentava sinais de embriaguez e pedia dinheiro “em tom agressivo” a uma mulher que passava.

Segundo informações do registro policial, os seguranças, de 27 e 46 anos, contaram que estavam em horário de trabalho quando o homem apareceu, tentando entrar na rodoviária sem máscara. Ao ser barrado na entrada do terminal por se recusar a usar o equipamento de proteção obrigatório para a contenção da disseminação da Covid-19, ele começou a gritar com os seguranças.

Ainda segundo a PM, homem disse que “lá fora eles viriam” e que os seguranças “eram homens lá dentro da rodoviária, mas lá fora eram uns lixos”. Após ameaçar os funcionários, ele se virou ao segurança mais velho, que é negro, e proferiu ofensas que configuram injúria racial, chamando-o de “macaco” e “negão folgado”. Os seguranças chamaram a polícia e o homem foi preso em flagrante.

Investigação

A PCMG (Polícia Civil de Minas Gerais) informou que os envolvidos no caso da rodoviária foram conduzidos à delegacia, onde prestaram depoimentos. Ainda segundo a PCMG, “o suspeito pode responder pelos crimes de injúria e ameaça” e “as investigações prosseguem para a completa apuração dos fatos”. O crime de injúria racial, segundo o artigo 140 do Código Penal, tem como pena de um a seis meses de reclusão ou pagamento de multa.

A Codemge (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), que administra a rodoviária, por meio de nota (leia na íntegra abaixo) confirmou o ocorrido e reforçou que “a orientação aos colaboradores da Rodoviária é de que qualquer tipo de agressão, ameaça ou injúria racial seja imediatamente comunicada à Polícia Militar, autoridade competente para apuração e registro do caso, bem como aos supervisores internos, para acompanhamento dos trâmites necessários”.

Racismo x Injúria racial

A injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

Nota da Codemge

“Em resposta à solicitação feita e tendo em vista a gravidade das informações relatadas, a Administração da Rodoviária procedeu a uma cuidadosa apuração dos fatos. Após a verificação, constatou-se que o autor da injúria racial mencionada não era um carregador de bagagem, mas sim um homem que, apresentando sinais de embriaguez e sem uso de máscara, estava pedindo dinheiro em tom agressivo a uma usuária em seu trajeto até a entrada do Terminal. 
Ao perceber a situação, dois vigilantes da Rodoviária abordaram o indivíduo, informando que a prática não é permitida no Terminal, conforme procedimento padrão. O homem já havia sido abordado minutos antes, pelo mesmo motivo. Neste momento, o homem proferiu ameaças aos dois vigilantes, cometendo também injúria racial a um deles. Diante da situação, a Polícia Militar foi acionada pelos vigilantes e aberto boletim de ocorrência. O agressor foi levado pela PM ao CEFLAN II.
A orientação aos colaboradores da Rodoviária é de que qualquer tipo de agressão, ameaça ou injúria racial seja imediatamente comunicada à Polícia Militar, autoridade competente para apuração e registro do caso, bem como aos supervisores internos, para acompanhamento dos trâmites necessários.”

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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