Não é raro ouvir de uma fatia saudosista do público a inusitada afirmação de que o rock morreu. Na noite de ontem (1º), o Sepultura desmentiu a falácia, acompanhado por mais de cinco mil presentes no seu último show em Belo Horizonte, lugar onde tudo começou, e que também marcou o início da turnê de despedida da banda.
Os mais teimosos vão retrucar: “se não morreu, respira por aparelhos”, alegando que o fim do título é mais um dos indícios do trágico fim do gênero. Comecemos, portanto, a falar do show de abertura da noite, comandado pelos conterrâneos do Eminence, que refutam o argumento retrógrado. Mesmo não sendo o motivo maior da festa, o som do grupo provou que o público mineiro gosta mesmo dos seus.
Deslize
Aos religiosos do black metal, ou, pelo menos, iniciados nessa vertente que faz do heavy parecer a bossa, a banda dispensa apresentações. Nasceu em BH, mas ganhou os palcos do mundo. Só pelo Rock in Rio, se apresentou duas vezes, em 2015 e 2019, sem contar a passagem pelo festival colombiano Rock Al Paque 99 e a mega turnê de 2005, com 65 shows realizados.
Toda a bagagem acumulada nos quase 30 anos de caminhada parece ter sido despejada sobre o Arena Hall ontem, apesar da falha de divulgação quase imperdoável da organização do evento. Ao comunicar o início do espetáculo às 21h, a produtora fez com que uma parcela significativa dos pagantes perdesse o show de abertura, que começou mais de uma hora antes. O horário de 21h se referia, na verdade, ao show principal. Grande deslize.
Mas nem o descuido da organização atrapalhou o encontro. Quem compareceu, representou os desavisados. As nove faixas executadas pelo Emincence serviram (e muito bem) de abertura e trilha sonora para o mosh que viria a ser, minutos mais tarde, o coração do evento. Antes do Sepultura subir ao palco, já tinha caído por terra esse papo de que o rock morreu. Ele segue vivo, e o Eminence é parte disso.
Confira a setlist da apresentação da banda no fim da matéria.
Despedida
Quando o ponteiro bateu as 21h, a expectativa tomou o Arena Hall. Pelos telões da casa, Andreas Kisser, Derrick Green e Paulo Xisto anunciaram que a “quebradeira” começaria em poucos minutos. Dito e feito. Não levou 15 para que o riff de “Refuse/Resist”, do quinto álbum do Sepultura, “Chaos A.D.” (1993), estremecesse as estruturas do lugar.
Antes de avançar até “Machine Head” (2017), trabalho bem mais recente da banda, deu tempo do vocalista americano esbanjar simpatia sobre o palco, saudando o público mineiro em alto e claro português. A ele cabe, desde 1998, o árduo trabalho de substituir Max Cavalera, fundador do Sepultura, nos vocais. Nada que Derrick não faça bem feito.
E assim seguiu a apresentação, revisitando clássicos do passado, como deve ser uma noite de despedida. Faixas do último trabalho da banda, “Quadra” (2020), também estiveram presentes, reforçando a ligação do Sepultura com as tradições e os batuques indígenas brasileiros.
Confira a setlist da apresentação do Sepultura no fim da matéria.
Novo integrante
Nos intervalos entre uma faixa e outra, tanto o público, quanto a banda, direcionavam seus agradecimentos ao recém-chegado baterista Greyson Nekrutman. Contratado às vésperas do início da turnê, o rapaz enfrentou o desafio de se inteirar do repertório do Sepultura a tempo de cair na estrada. E fez bem.
Pelos próximos 18 meses, Nekrutman assumirá o lugar deixado por Eloy Casagrande, que, segundo o próprio Sepultura, “comunicou à banda e aos empresários a sua saída para seguir carreira em outro projeto”. A saída de Eloy não foi ignorada por uma fatia dos fãs, que ameaçou puxar gritos contra o artista. No entanto, não houve quórum suficiente.
As levadas tribais seguiram pelas faixas restantes da setlist, até que desaguaram no momento mais aguardado do espetáculo.
Roots
Como era de se esperar, o melhor do Sepultura ficou para os minutos finais da apresentação. O mosh ensaiado durante o show do Eminence já tinha ganhado corpo e pulsava bem no centro do Arena. Quando a percussão de “Ratamahatta”, do incontornável Roots (1996), soou, o nome da casa deixou de ser figurado.
Antes de “Roots Bloody Roots” explodir a massa, banda e plateia já eram um só. Tipo de conexão que envolve mais do que admiração ou fanatismo. É identificação de um povo. O encontro não teve sequer um pedido de bis, pois estava feito. Na noite dessa sexta-feira, o Sepultura fechou um ciclo em Belo Horizonte. Mas seu legado é perpétuo.
Setlist do Eminence em BH
- Burn It Again
- Written in Dust
- Dark Echoes
- The God of All Mistakes
- Devil’s Boulevard
- Intro Numbers
- Wake Up the Blind
- Unfold
- Day 7
Setlist do Sepultura em BH
- Refuse/Resist
- Territory
- Slave New World
- Phantom Self
- Dusted
- Attitude
- Kairos
- Means to an End
- Cut-Throat
- Guardians of Earth
- Mindwar
- False
- Choke
- Escape to the Void
- Kayowas (jam de percussão)
- Sepulnation
- Biotech is Godzilla
- Agony of Defeat
- Troops of Doom
- Arise
- Ratamahatta / Roots Bloody Roots
Fotos do primeiro show de despedida do Sepultura
Confira as fotos do primeiro show da turnê de despedida do Sepultura, por Leo Garibaldi