‘É na sola da bota’: Tartaruga é flagrada boiando sobre calçado em meio a lixo na lagoa da Pampulha

Animal foi visto em meio ao lixo exato 1 ano após acordo na Justiça entre Copasa e PBH sobre lançamento de esgoto na região (Isabella Guasti/BHAZ)

Não é de hoje que a poluição e o lançamento de esgoto atrapalham a vida dos animais da lagoa da Pampulha, que só querem crescer cada vez mais gordos e tranquilos. Nessa quinta-feira (27), a repórter Isabella Guasti, do BHAZ, flagrou, em meio ao lixo flutuante da represa, uma tarturuga que boiava sobre a sola de uma bota descartada na água.

Diferentemente da música da dupla sertaneja Rio Negro e Solimões, o registro desta véspera de feriado não vem em tom de euforia. Na realidade, escancara um problema de degradação ambiental que assola centenas de espécies alocadas na lagoa da Pampulha, de acordo com levantamento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Em entrevista ao BHAZ em 2023, o gerente de Defesa dos Animais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Leonardo Maciel, apontou que cerca de 200 espécies vivem no local. “Identificamos em torno de 10 espécies de mamíferos, 18 de anfíbios, 13 de répteis, 165 de aves e dezenas de espécies de insetos e peixes”, revelou.

Para Maciel, a biodiversidade na lagoa apresenta “riqueza ímpar”, principalmente no que tange a uma fauna urbana. “É um convite ao turismo de observação e à reflexão sobre o que cada um de nós pode fazer pela preservação do meio ambiente, como destinação dos resíduos e respeito a todas as espécies como partes integrantes do quebra-cabeça que é o meio ambiente saudável essencial à nossa sobrevivência”.

Queridinhos

Ainda segundo Leonardo Maciel, no primeiro censo feito na região, foram contabilizados 17 jacarés na lagoa da Pampulha. Recentemente, a PBH identificou o nascimento de mais de doze filhotes. A maioria não atinge a idade adulta e são todos da mesma espécie: Caiman latirostris, ou jacaré-de-papo-amarelo.

Os animais não oferecem perigo aos humanos, exceto em tentativa de contato. A PBH monitora a população, constantemente, e não identificou, até o momento, risco de superpopulação ou necessidade de intervenção.

jacarés na lagoa da pampulha
(Pedro Henrique Tunes/Divulgação)

Apesar do protagonismo dos répteis na lagoa, as capivaras são mesmo as queridinhas do público. Elas têm sido objeto de manejo desde 2017, quando mais de 50 foram submetidas a vasectomia e ligadura de trompas.

“Com uma expectativa de vida em torno de cinco a oito anos, atualmente, a população tem se restringido bastante e espera-se a ausência de animais do local nos próximos anos”, afirmou Leonardo Maciel.

As ações na população mamífera integram o programa de combate à febre maculosa da Gerência de Defesa dos Animais da PBH. A PBH destaca que, desde o início do manejo, não foram observadas mais mortes de humanos por febre maculosa na capital. Porém, valem os cuidados com atividades ao ar livre e a observação de presença de carrapatos no corpo.

(Carlos Avelin/PBH)

Até quando?

Os levantamentos apresentados pela prefeitura sobre as espécies presentes na Pampulha só reforçam a necessidade de implementação de ações de reabilitação e proteção da fauna e flora locais. Questionada sobre a sujeira dessa quinta-feira, a PBH afirmou que vem, há alguns anos, atuando na despoluição da represa.

“Merecem destaque os serviços de tratamento das águas do reservatório, de manutenção contínua da orla e de retirada do lixo sobrenadante, além das ações de desassoreamento, com a retirada anual de milhares de metros cúbicos de sedimentos do fundo do lago”, disse o Executivo.

Realidade contradiz números apresentados pela PBH (Isabella Guasti/BHAZ)

Na nota enviada ao BHAZ, a prefeitura também apontou parte da responsabilidade da operação de tratamento do esgoto da região. Segundo ela, certas “deficiências na infraestrutura de esgotamento sanitário”, como os maus odores nas proximidades do Parque Ecológico e da Barragem, devem ser examinadas e tratadas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

Acordo

Há 1 ano, em 28 de março de 2023, a Justiça Federal homologou um acordo entre a PBH e a Copasa, que determina prazo de cinco anos para a concessionária eliminar o lançamento de esgoto na lagoa da Pampulha. A setença serve para solucionar o problema social que se arrasta há anos e se divide entre os municípios de Belo Horizonte e Contagem.

Ao BHAZ, a PBH informou que a previsão é de que 30% das obras sejam concluídas no primeiro semestre de 2024. Segundo a administração municipal, até o momento já foram feitas mais de 1.200 ligações de esgoto em moradias que não dependiam de obras e quase 1.000 que demandavam pequenas intervenções.

“A PBH vem atuando no sentido de assegurar que a Copasa cumpra o acordo”, disse o Executivo. “O Plano de Ação da Copasa vem sendo monitorado pela equipe técnica da Diretora de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura – DGAU/SMOBI, por meio de reuniões e de relatórios trimestrais de acompanhamento”.

Já a Copasa afirma que parte do lançamento inadequado que ainda corre na Pampulha é feito por moradores. “A Copasa reforça que não possui meios para obrigar a ligação na rede de esgoto, que está disponível em toda a bacia da Pampulha, e faz um apelo para que proprietários de imóveis procurem a Companhia para regularizar sua situação”, posiciona.

Impasse

Por fim, a recuperação ambiental da Pampulha parece seguir o impasse de sempre. Enquanto a prefeitura espera o Plano de Ação da Copasa, a Companhia divide a responsabilidade com o público e com os Executivos de Belo Horizonte e Contagem.

“Grande parte da carga orgânica que chega na lagoa é de lixo, o que também é de responsabilidade das prefeituras, mas esse problema não está sendo enfrentado dentro do acordo com a Justiça, uma vez que o mesmo trata apenas da questão do esgoto”, explica a Copasa.

Do outro lado, a PBH diz que o “entendimento é o de que o caminho a ser percorrido para o atingimento das metas passa pela atuação conjunta da Copasa com a Prefeitura de Contagem, uma vez que a maior parte das ligações a serem viabilizadas em áreas de urbanização precária se concentram naquele município”.

Além da educação socioambiental da população, a Prefeitura de Contagem até aponta ações de recuperação e proteção de nascentes que nascem no município e deságuam na bacia da Pampulha, mas sem profundidade.

“Contagem está responsável por acompanhar e fiscalizar as ações planejadas; ajudar a Copasa na mobilização social e na educação socioambiental da população; autuar, por meio da Vigilância Sanitária, o proprietário que se recusar, sem motivo justo, a conectar o esgoto de seu imóvel à rede coletora; além de promover ações de limpeza e coleta de lixo para evitar seu lançamento em vias e córregos afluentes à lagoa; entre outras”, diz em nota.

Enquanto isso, fauna e flora da Pampulha seguem em fogo cruzado. “A natureza é resiliente”, diz Leonardo Maciel. “A fauna tem se adaptado, se multiplicado e resistido, mantendo uma rica diversidade e com uma complexa rede de interação entre as espécies”, destacou o secretário em 2023. Mas a resiliência não justifica o descaso. E a cobrança por melhores condições ambientais na região segue ativa.

Nota da PBH na íntegra

A Prefeitura de Belo Horizonte informa que existem mais de 230 espécies de animais vivendo na Lagoa da Pampulha, entre répteis, mamíferos, quelônios, insetos, peixes e aves, que representam mais de 50% do total de espécies.

Em relação à despoluição da lagoa, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) vem, há alguns anos, implementando ações que têm como objetivo a reabilitação e a proteção da Lagoa da Pampulha.

Assim, merecem destaque os serviços de tratamento das águas do reservatório, de manutenção contínua da orla e de retirada do lixo sobrenadante, além das ações de desassoreamento, com a retirada anual de milhares de metros cúbicos de sedimentos do fundo do lago.

Inclusive, cabe o registro de que a percepção de maus odores nas proximidades do Parque Ecológico, em especial na foz dos córregos Sarandi e Ressaca, bem como na região da Barragem, tem como causa deficiências na infraestrutura de esgotamento sanitário, cuja responsabilidade de operação, manutenção e expansão cabe à COPASA.

A Administração Municipal tem a convicção de que a Lagoa da Pampulha ainda sofre com o aporte de níveis significativos de poluição e de que ainda são grandes os desafios a serem vencidos.

No entanto, são evidentes os progressos e os resultados alcançados até aqui, sempre a partir da adoção, por parte da Administração Municipal, das melhores práticas e de tecnologias testadas e recomendadas pelo saber científico. A intensa visitação da orla da Lagoa comprova como aquele espaço se tornou atrativo e agradável para os frequentadores.

Finalmente, ressalta-se que a continuidade das ações empreendidas pela PBH é imprescindível para garantir a manutenção da Lagoa da Pampulha em condições que garantam o exercício de sua vocação para a contemplação paisagística e integração do Complexo Arquitetônico da Pampulha, Patrimônio Mundial da Humanidade.

Importante ressaltar ainda, que a PBH vem atuando no sentido de assegurar que a COPASA cumpra o acordo judicial firmado no âmbito da Justiça Federal, através do qual a concessionária está obrigada a viabilizar os investimentos e a implementar as ações para que, no prazo de 5 anos, a totalidade dos esgotos da Bacia da Pampulha seja adequadamente coletada e tratada, impedindo a ocorrência de lançamentos in natura nos córregos e, por consequência, na Lagoa.

O Plano de Ação da Copasa vem sendo monitorado pela equipe técnica da Diretora de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura – DGAU/SMOBI, por meio de reuniões e de relatórios trimestrais de acompanhamento. Já foram elaborados dois Relatórios de Andamento anteriores à homologação na justiça federal, que se deu em 28/03/2023.

A partir das discussões e dos resultados apresentados, avalia-se que a COPASA tem se mostrado comprometida com a busca pelo atingimento das metas previstas no Plano de Ação. O entendimento é o de que o caminho a ser percorrido para o atingimento das metas passa pela atuação conjunta da COPASA com a Prefeitura de Contagem, uma vez que a maior parte das ligações a serem viabilizadas em áreas de urbanização precária se concentram naquele município. Nessas regiões a COPASA dependerá da realização de intervenções da Prefeitura de Contagem para a viabilização do atendimento com infraestrutura de esgotamento sanitário.

Basicamente, as ações da Prefeitura de Belo Horizonte no Plano de Ações correspondem à atuação da Vigilância Sanitária Municipal, sempre a partir de acionamento da COPASA, além da eventual publicação de decretos de faixas de servidão e/ou de desapropriações, o que somente ocorrerá em função de demanda da concessionária, que arcará com o custo dessas ações. Dessa forma, a Administração Municipal entende que tem todas as condições de atuar no ritmo que a COPASA vier a demandá-la.

Nota da Copasa na íntegra

A Copasa informa que a cobertura de esgotamento da bacia da Lagoa da Pampulha é de mais de 99%. Até o momento, das 9.759 ligações ao sistema, previstas no Plano de Ação compromissado pela Companhia, já foram realizadas 3.373, sendo 957 em Belo Horizonte e 2.416 em Contagem. Desde janeiro de 2022 já foram investidos R$ 29,8 milhões nas ações para aumento do índice de tratamento de esgoto na bacia.

O lançamento de esgoto que ainda ocorre é em razão de ligações nas redes pluviais da prefeitura e de lançamentos diretamente nos cursos d’agua feitos por moradores. A Copasa reforça que não possui meios para obrigar a ligação na rede de esgoto, que está disponível em toda a bacia da Pampulha, e faz um apelo para que proprietários de imóveis procurem a Companhia para regularizar sua situação.

Além disso, grande parte da carga orgânica que chega na lagoa devido à poluição difusa que é a de lavagem e o transporte de poluentes atmosféricos pela chuva, que carreiam grande parte dos poluentes depositados na superfície da bacia e o transporte ao seu destino final em um corpo receptor, que nesse caso é a lagoa da Pampulha.

Nota da Prefeitura de Contagem na íntegra

Contagem está responsável por acompanhar e fiscalizar as ações planejadas; ajudar a Copasa na mobilização social e na educação socioambiental da população; autuar, por meio da Vigilância Sanitária, o proprietário que se recusar, sem motivo justo, a conectar o esgoto de seu imóvel à rede coletora; além de promover ações de limpeza e coleta de lixo para evitar seu lançamento em vias e córregos afluentes à lagoa; entre outras.

A Prefeitura ressalta que está realizando, constantemente, ações de implantação e recuperação de parques na Bacia da Pampulha; recuperação e proteção de nascentes; obras de drenagem e proteção das margens dos córregos do Muniz e do Tapera; manutenção das vias e espaços públicos nas regiões Ressaca e Nacional, com toneladas de materiais recolhidos em varrição, limpeza e desassoreamento de córregos; além de ter intensificado as fiscalizações ambientais, gerando autos de fiscalização, infração e embargo.

Edição: Sinara Peixoto
Thiago Cândido[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais. Colunista no programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Estagiário do BHAZ desde setembro de 2023.

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