Dona do podcast de sucesso “Não Inviabilize”, Déia Freitas polemizou na web ao anunciar uma vaga de emprego para Assistente de Roteiro voltada a mulheres pretas, pardas e indígenas. A vaga, que oferece 5 mil reais por mês em um contrato provisório de quatro meses, gerou a revolta de muitos e levantou debates sobre o privilégio branco no mercado de trabalho.
Tudo começou quando Déia, mulher negra de 46 anos, fez uma publicação no Twitter revelando que precisa de uma ajudante para viabilizar a produção de seu podcast. Ela, então, listou os requisitos para a vaga, sobre a qual já vinha falando em sua conta sob uma aura de mistério. Na descrição, ela estabeleceu alguns critérios: para participar do processo seletivo, interessadas devem ser mulheres cis, trans ou travesti.
Após anunciar que mulheres com deficiência também são bem-vindas para enviarem suas candidaturas, Déia salientou: “Pode mãe solo, pode casada, pode solteira, pode tico-tico no fubá, pode hétero, pode lésbica, pode bi, pode tudo, isso não é importante para a vaga”, brincou ela em arte divulgada.
ASSISTENTE DE ROTEIRO
— Déia Freitas (@NaoInviabilize) January 10, 2022
Contrato de 4 meses: 22 mil reais.
Sendo 5 mil reais por mês + 2 mil reais de bônus no final do contrato.
Link para leitura em PDF. https://t.co/u3OuU63xZ9
(reparem no email que criei kkkkkk NAO INVIABILIZE A VAGA @ GMAIL COM 😆❤️ pic.twitter.com/JM9eEL1yA1
Internautas atacam seleção
O requisito que saltou aos olhos dos seguidores é o que diz respeito à cor da profissional selecionada: ela deve ser, obrigatoriamente, preta, parda ou indígena. A informação causou alvoroço e levantou antigos debates, tanto de pessoas que defendiam a proposta como de outras que criticaram, usando argumentos com o falso “racismo reverso”.
Atrelado a isso, muitos condenaram o fato de que Déia oferece R$ 5 mil como salário. Alguns internautas chegaram a insinuar que ela estaria “metida” em esquemas de pirâmide e outros negócios ilegais para dispor de uma quantia tão elevada. Isto é, muitos não aceitam que ela é bem-sucedida por mérito próprio.
“Eu amava seu podcast por você ser democrática e mostrar sororidade. Pelo menos foi o que eu pensava. Achei que minha cor não tinha a ver com a minha competência”, disse uma das internautas. “Não é possível que ela lucre com histórias que recebe de graça. Não Inviabilize deve pagar uma graninha pras histórias que dão lucro a ela, devo estar enganada”, disparou outra mulher.
‘Importante dar cara ao ódio’
A empreendedora ainda revelou que muitas mulheres brancas ignoraram a descrição da vaga e começaram a encher seu email com candidaturas. “‘Resolvi tentar’, ‘sei que sou branca, mas’, ‘não leve em conta a cor da minha pele’, ‘pareço branca, mas tenho pai preto'” foram algumas das mensagens recebidas por Déia. Ela decidiu, também, compartilhar as acusações aos seguidores e disparou: “Eu acho importante, sim, dar cara ao ódio”.
Segundo o Boletim Mulheres Negras da FACAMP, que analisa dados trimestrais da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 61,6% das mulheres empregadas em trabalho doméstico sem carteira são negras. Além disso, a remuneração de mulheres negras foi sempre inferior à dos demais grupos.
Embora tenha sido atacada na web por comentários racistas, a podcaster também recebeu apoio de quem compreendeu o intuito dos critérios adotados – de dar oportunidade para mulheres que, justamente pela cor da pele, saem em desvantagem em boa parte dos processos seletivos. Veja abaixo alguns dos tuítes:
Pra quem não entendeu o que a Helena e jeferson disse, vou traduzir aqui:
— A 🌱Mari 🏹 que vende piroca (@bikedebigode) January 10, 2022
“Cinco mil reais por mês é muito dinheiro pra uma mulher preta, uma mulher indígena e uma travesti
Deia deveria pagar 50 reais de freela pra essas pessoas… seria mais justo” https://t.co/7v6940K2qJ
Déia está recebendo hate pelo simples fato de querer pagar um salário adequado para mulheres negras e indígenas. Até ficaria surpresa, mas estamos falando do país que preferiu pagar mais caro por um trabalho mediano só pra não pagar salários para negros e indígenas no passado https://t.co/CiUWweX2EC
— Preta Ijimú (@Nailahnv) January 10, 2022
Se a Déia fosse branca, seria aplaudida por construir do zero um podcast que paga tão bem a quem trabalha nele. Sendo uma mulher preta, a ACUSAM exatamente por isso. E se ela apontar de volta ainda é taxada de raivosa. Bando de racistas filhos da puta.
— Marcelo D. Macedo (@mdavidmacedo) January 10, 2022
Beijo, @naoinviabilize 💙
A bonita da Déia (@NaoInviabilize) valorizando a profissional de comunicação e os pelego do site assustado. Vocês gostam é de vagas arrombadas, diz ai, bando de safado!
— Pré-doutora Mara Karina (@marakarina) January 10, 2022
Não Inviabilize
A podcaster Andréia Freitas, mais conhecida como Déia, é também psicóloga, escritora e roteirista. Em seu canal, que mantém desde o início de 2020, a contadora de história recebe relatos de seus ouvintes e sempre toma os devidos cuidados para não revelar a identidade dos envolvidos ao restante do público.
O Não Inviabilize reúne quadros como “Picolé de Limão”, “Luz Acesa” e “Amor nas Redes”, nos quais Déia narra histórias que envolvem, sobretudo, relacionamentos, emprego e família. O sucesso do podcast vem sendo notado por muitos, sobretudo o público feminino que se identifica com as situações inusitadas narradas pela empreendedora.
Para contribuir com a manutenção do podcast, Déia Freitas disponibiliza 20 histórias exclusivas, mensalmente, por conta própria – sem edição – em troca de uma assinatura de 10 reais.