ANÁLISE: Sim, Minas comprova que é possível o mesmo eleitor votar em Lula e na direita

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Ricardo Stuckert/Lula Oficial Flickr + Gil Leonardi/Imprensa MG

Após o primeiro turno das eleições gerais ocorrido no domingo (2), começaram a surgir diversos questionamentos nas redes sociais acerca da lisura do processo eleitoral com base no resultado registrado em Minas Gerais e em outros estados. Os questionamentos, com algumas variantes, podem ser assim resumidos: como uma população que elege tantos governadores, senadores e representantes do legislativo da direita pode, ao mesmo tempo, votar em Lula para a Presidência da República?

O deputado federal eleito, Nikolas Ferreira, recordista absoluto de votos para o legislativo em Minas, foi um dos que fez publicamente essa pergunta.

A partir dessa pergunta, surgiram conclusões apressadas sobre fraudes nas urnas eletrônicas e manipulação dos resultados eleitorais, como as do pastor André Valadão, que questionou o resultado das urnas com base nessas informações. Vamos tentar responder a essas dúvidas tomando como base o estado de Minas Gerais, que foi bastante representativo dessa dinâmica.

Os resultados em Minas Gerais

Minas Gerais é um importante objeto de estudo para todos aqueles que estudam as eleições brasileiras por diversos motivos. Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas comporta uma diversidade regional bastante representativa.

Há uma região Central do estado bastante urbanizada, com boa oferta de serviços e problemas próprios de grandes centros urbanos, onde se percebe, também, uma grande incidência da atividade mineradora. Temos regiões com indicadores sociais e econômicos, além de identidade cultural, próximos do sertão da Bahia. Podemos mencionar, ainda, o Triângulo Mineiro, cuja economia, baseada no agronegócio, nos remete ao Centro-Oeste do Brasil. Isso sem falar de regiões como o Sul e a Zona da Mata, respectivamente mais próximas, econômica e culturalmente, do interior de São Paulo e do Rio de Janeiro do que de Belo Horizonte.

Tudo isso faz de Minas uma objeto de análise bastante rico, inclusive para quem se interessa por política e eleições. Não é por acaso que, na série histórica de eleições gerais desde a redemocratização do país, nunca um candidato a presidente conseguiu chegar ao planalto sem que houvesse vencido em Minas Gerais. Também não é por acaso que o resultado eleitoral de Minas neste primeiro turno foi tão parecido com o do Brasil.

Em Minas, Lula obteve 48,29% dos votos registrados para presidente da República no estado na primeira rodada eleitoral. O candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, por sua vez, teve 43,60% dos votos dos eleitores do estado. Nacionalmente, o petista obteve 48,4% dos votos, enquanto Bolsonaro angariou o voto de 43,20% dos eleitores.

A semelhança impressiona, mas não é fruto do acaso. Minas, por sua diversidade econômica, social e cultural, retrata, em parte, a diversidade cultural do país. Isso se reflete, inclusive, no voto.

Por aqui, também, um governador da direita, Romeu Zema, foi eleito em primeiro turno, tendência que já havia aparecido em pesquisas ao longo de todo o processo eleitoral. Minas ainda elegeu um senador, Cleitinho Azevedo (PSC) apoiado por Bolsonaro e conferiu votações recordistas a parlamentares bolsonaristas, como o próprio Nikolas Ferreira e o deputado estadual reeleito Bruno Engler.

Mas como pode Minas Gerais ter votado em Lula e em todos esses políticos de direita? Aqui, cabe explicar um por um.

Voto ‘Lulema’ está longe de ser uma surpresa

Ao longo do processo eleitoral encerrado ontem, todas as pesquisas apontavam para, simultaneamente, uma vitória de Lula e Zema no estado. Isso significa que sim, muitos eleitores mineiros votaram no governador no partido Novo e no ex-presidente do PT.

Minas, aliás, já era famosa por eleger o PT para a Presidência da República e o PSDB, principal partido de oposição ao PT durante as gestões de Lula e Dilma, para o governo do estado.

Em 2002, ocorreu em Minas o voto apelidado de “Lulécio”, quando Aécio Neves (PSDB) foi eleito em primeiro turno com 57,7% dos votos e o estado elegeu Lula com 61,3% dos votos válidos.

Quatro anos depois, o fenômeno se repetiu e Minas Gerais voltou a eleger Aécio governador e Lula presidente.

Em 2010, foi a vez do voto “Dilmasia”. Antonio Anastasia, do PSDB, foi eleito para o governo de Minas no primeiro turno. Minas também ajudou a conduzir Dilma para o seu primeiro mandato na Presidência da República. A petista teve mais votos que seu principal concorrente, José Serra, nos dois turnos do pleito.

A preferência do eleitor mineiro por Lula e Zema, portanto, não surpreende. Lula e o PT, historicamente, têm votações expressivas em algumas regiões do estado e, exceto pelo pleito de 2018, quando Bolsonaro teve no estado uma vantagem expressiva sobre Fernando Haddad, Minas elegeu o PT para a Presidência da República em todas as eleições desde 2002. Isso não quer dizer, no entanto, que o eleitor mineiro seja “de esquerda”.

As gestões do PSDB em Minas foram bem avaliadas pelos mineiros, assim como a de Romeu Zema. O mineiro, majoritariamente, não vota ideologicamente e não pensa em termos de direita ou de esquerda. O voto em Minas é historicamente pragmático.

Pesam no voto ‘Luzema’, por um lado, as lembranças de uma vida melhor nos governos de Lula, assim como a percepção de que o governo Zema foi mais bem sucedido do que o de Pimentel. Não é preciso desconfiar das urnas para chegar a essa conclusão.

Além disso, a associação entre Bolsonaro e Zema não é tão automática assim. Em sua segunda eleição para o governo de Minas, Zema evitou de se associar publicamente a Bolsonaro, sempre enfatizando o seu apoio ao candidato a presidente de seu partido, Luiz Felipe D’Avila. Na reta final da campanha, Zema aumentou o tom contra o PT (chamado por ele, estrategicamente, de “PT-Pimentel”), mas isso não alterou as convicções de boa parte do eleitorado mineiro, que votou, sem peso na consciência e com bastante naturalidade, nos dois candidatos.

Cleitinho

Outro candidato apoiado por Bolsonaro e eleito com votação expressiva no estado (41,52% dos votos), foi o novo senador por Minas Gerais, Cleitinho.

Popular nas redes sociais, Cleitinho teve expressiva votação para deputado estadual em 2018 e atuou, durante a maior parte de seu mandato na Assembleia Legislativa, de forma independente. Em seus vários vídeos e posicionamentos que viralizaram nas redes sociais, o deputado estadual não poupava de críticas políticos de todos os espectros ideológicos, construindo uma imagem de político “anti-sistema”.

Nesse sentido, chegou a tecer críticas a Bolsonaro durante a sua trajetória política, ao mesmo tempo em que não poupava o PT. Seu flerte com o bolsonarismo raiz é relativamente recente, iniciando-se pelos idos de 2021 e se consolidou totalmente apenas com o apoio do atual presidente à sua candidatura para senador.

Não é ilógico, portanto, que alguns mineiros tenham votado em Cleitinho e Lula. Cleitinho “viralizou” (termo que pode ser aplicado à sua ascensão pelas redes sociais) pela sua linguagem popular e por denunciar alguns problemas que afetavam, diretamente, a vida de muitos mineiros.

A associação direta com Bolsonaro, que se deu apenas este ano, certamente ajudou o político de Divinópolis a conseguir votação tão expressiva, mas não foi o único fator. O deputado é um bom comunicador popular e tem a sua fatia de eleitores que não votou nele necessariamente por conta do apoio ao presidente.

Além disso, desde o começo da série de pesquisas para o Senado em Minas, Cleitinho esteve na frente. Era, entre os postulantes ao senado, o nome mais consolidado para o eleitorado mineiro e sua vitória era previsível.

Bolsonaristas na Câmara e na Assembleia

Para as votações expressivas obtidas pelos bolsonaristas Nikolas Ferreira e Bruno Engler em Minas, a explicação é diferente.

Uma das conclusões que se pode tirar do primeiro turno destas eleições é a consolidação do bolsonarismo como força política. Não se pode negar, a qualquer título, a representatividade do voto ideológico bolsonarista como fenômeno de massas. Votações acachapantes como a de Nikolas Ferreira (1.492.047 votos) e Engler (635 mil votos) mostram que a direita ideológica ocupa, sim, um lugar bastante relevante no eleitorado mineiro.

Além disso, um ponto precisa ser destacado com relação ao voto em Bolsonaro e sua diferença para o voto em Lula. Existe coesão e identidade ideológica forte no voto bolsonarista, o que leva os principais ícones do movimento a terem votações recordistas. Nikolas e Engler, as figuras públicas que mais promoveram a defesa de Jair Bolsonaro em Minas nos últimos anos e que mais apareceram com o presidente durante a campanha, angariaram, majoritariamente, um voto de direita convicto, ideológico, como antes ocorrera, nacionalmente, com políticos como Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselman.

Entre os eleitores de Lula, isso não ocorre necessariamente. Existe um voto ideológico de esquerda, capaz de dar expressiva votação para candidatos em eleições proporcionais, como Boulos em São Paulo e Duda Salabert em Minas. Mas parcela bem significativa do eleitorado de Lula é perfeitamente capaz de votar no PT para presidente, em Romeu Zema para governador e no centrão para o legislativo.

Mesmo assim, para efeitos comparativos, mesmo com a votação de Nikolas, o PL, partido do deputado eleito e do presidente, fez onze cadeiras na Câmara Federal por Minas, enquanto o PT fez 10. Dos cinco primeiros colocados na eleição para a Câmara, apesar da confortável dianteira de Nikolas, 4 são ligados à esquerda. O segundo lugar foi para André Janones (Avante), figura ativa na campanha de Lula e o terceiro foi para Duda Salabert, que é colega de Nikolas na Câmara Municipal de Belo Horizonte e com ele protagonizou diversos embates.

Não há, portanto, motivo para questionar as urnas. O bolsonarismo em Minas está vivo e forte, mas isso não significa que Lula não tenha sido o escolhido pela maioria dos eleitores em 2 de outubro, ou que as urnas tenham sido fraudadas.

Pedro Munhoz[email protected]

Editor de Política do BHAZ. Graduado em Direito pela Faculdade Milton Campos e em História pela UFMG, trabalhou como articulista de política no BHAZ entre 2012 e 2013. Atuou como assessor parlamentar desde 2016, com passagens pela Câmara dos Deputados, Câmara Municipal de Belo Horizonte e Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

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