Ataques racistas: Motorista é desativado pela Uber e intimado pela polícia em BH

Maria Nazaré racismo
Maria falou sobre o caso de racismo em um vídeo (Reprodução/BHAZ/Youtube)

O motorista de aplicativo da Uber suspeito de proferir ofensas racistas contra uma passageira negra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, no dia 17 de outubro, já foi identificado pela Polícia Civil. Segundo a corporação, a ocorrência traz como provável descrição da natureza dos fatos o crime de racismo – inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal. Ainda de acordo com a polícia, o motorista também foi intimado.

A vítima do motorista, a consultora jurídica Maria Nazaré Paulino, de 58 anos, contou ao BHAZ que realizou o reconhecimento do autor. “Quando eu fiz o reconhecimento dele, quando eu vi a foto, eu fiquei bem mal”, disse. “Mas foi passando. É esse caminhar, que ao mesmo tempo que traz esse alivio de ver as coisas se resolvendo, os órgãos se movendo, de ver a mídia dando ouvidos, aumenta também a sensação de responsabilidade que a gente tem como cidadão para denunciar e para fazer valer aquilo que é o nosso direito”.

Segundo a consultora jurídica, a responsabilidade se dá pela série de relatos que recebeu de outras pessoas, que passaram pela mesma situação, mas não denunciaram. “Pelo número de manifestações que eu tenho recebido de pessoas que se identificam, de pessoas que passaram exatamente pela mesma coisa e foram pressionadas para retirar a queixa”, revelou. Conforme relatou, até mesmo ela hesitou em denunciar o caso. “Depois pensei: ‘não, é pegar com Deus e ir embora’”.

A Uber informou que desativou o motorista em questão e disse que se coloca à disposição para colaborar com as autoridades no curso das investigações.

Relato emocionou muitas pessoas

O relato de Maria Nazaré tocou várias pessoas. Ela disse que não percebeu a dimensão do que estava passando até ver outras pessoas chorando com o relato dela. Em contrapartida, ela escutou a história daqueles que se emocionaram: “‘Eu sou casado com uma mulher negra. E meu filho é negro. E eu tô sofrendo de pensar o que ele vai passar pela vida dele'”, contou um dos relatos.

“E eu disse a ele: ‘Ele vai passar por isso. O que você deve fazer é começar a prepará-lo para ele não abaixar a cabeça, para ele olhar nos olhos”. Para ele reafirmar: eu sou preto, mas não pior do que ninguém. É papel de você como pai levantar a auto-estima dele. Porque para derrubar, vai ter o mundo inteiro”, relatou.

“Essa chama que tem que acender e aí é para qualquer situação, não é só para o negro não, é para quem sofre gordofobia, homofobia, quem tem poder aquisitivo muito baixo e fica com vergonha de andar num shopping…”, disse a consultora, que complementa: “não pode, se a gente não ocupar, ninguém vai saber que existe”.

Apoio da família

O apoio da família foi fundamental para ela não desistir da luta. “Eu tenho muito apoio em casa, filhos, marido, que me dão 100% do amor deles, da atenção. Meu marido é extremamente cuidadoso, então se eu entro em pânico, ele faz os exercícios de respiração comigo”, disse. “Às vezes vem a lembrança e eu entro em pânico”.

Maria Nazaré conta que ainda quer aprender com o que passou, mas ainda não chegou nesse momento. “Vai chegar o dia que eu vou contar essa história com mais tranquilidade, menos ressentimento, com uma postura muito mais cidadã do que de vítima de um crime. Esse dia vai chegar, mas por enquanto eu ainda me sinto vítima e sinto a dor”, finaliza.

Ela vai depor novamente amanhã na Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias de Belo Horizonte, onde o processo corre.

Relembre o caso

A consultora jurídica Maria Nazaré Paulino se tornou alvo de humilhações ao pedir uma corrida por aplicativo na região Centro-Sul de Belo Horizonte, no fim da tarde do dia 17 de outubro. Ela relata ter sido chamada de “preta vagabunda” por um motorista da Uber logo após o homem aceitar a corrida e avistá-la.

Além de acionar as autoridades, Maria também gravou vídeos em que desabafa sobre o ocorrido (veja abaixo). Ao BHAZ, ainda abalada, Maria Nazaré relatou o ocorrido (acesse aqui).

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Nota da Polícia Civil na íntegra

“A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que a investigação está em andamento na Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias de Belo Horizonte. O registro da ocorrência, feito em 20 de outubro, traz como provável descrição da natureza dos fatos o crime de racismo. O motorista foi identificado e intimado”.

Nota da Uber na íntegra

“A Uber possui uma política de tolerância zero a qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo. A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A empresa reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o app. A empresa desativou o motorista parceiro citado no caso em questão e se coloca à disposição para colaborar com as autoridades no curso das investigações.

Sabemos que o preconceito, infelizmente, permeia a nossa sociedade e que cabe a todos nós combatê-lo. Como parte desses esforços, a Uber lançou, por exemplo, o podcast Fala Parceiro de Respeito, em parceria com a Promundo, com conteúdos educativos sobre racismo. Além disso, em parceria com as advogadas da deFEMde, a empresa revisou o processo de atendimento na plataforma, a fim de facilitar as denúncias de racismo e acolher melhor o relato da vítima. Recentemente, a Uber também lançou uma campanha que convida usuários e motoristas parceiros para serem aliados no combate ao racismo. A iniciativa tem o objetivo de promover um conteúdo educativo dentro do próprio aplicativo e é parte de um compromisso global assumido pela empresa no ano passado com o objetivo de combater o racismo e criar produtos igualitários por meio da tecnologia”.

Edição: Roberth Costa

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