Motorista de app barra passageira e faz ofensas racistas: ‘Não carrego preta vagabunda’

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Maria Nazaré Paulino ficou em choque com ataque racista que sofreu de motorista de app em BH (Maria Nazaré Paulino/Arquivo pessoal)

A consultora jurídica Maria Nazaré Paulino, 58, tornou-se alvo de humilhações ao pedir uma corrida por aplicativo na região Centro-Sul de Belo Horizonte, no fim da tarde do último domingo (17). Ela relata ter sido chamada de “preta vagabunda” por um motorista da Uber logo após o homem aceitar a corrida e avistá-la. A mulher denunciou a recusa e as ofensas racistas pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e vai prestar depoimento na Polícia Civil na manhã desta quinta (21). Por meio de nota, a Uber disse que “se coloca à disposição para colaborar com as autoridades no curso das investigações” (veja na íntegra abaixo).

Além de acionar as autoridades, Maria também gravou vídeos em que desabafa sobre o ocorrido (veja abaixo). Ao BHAZ, ainda abalada, Maria Nazaré conta que estava saindo de um evento na avenida Afonso Pena, esquina com rua Atenas, no bairro Cruzeiro, quando tudo ocorreu. Era por volta das 17h40. “Acabou o evento e fui pedir um Uber. Não demorou e um motorista aceitou a solicitação. Estava chovendo muito naquela hora e com gente demais na rua”, explica.

A vítima conta que reconheceu a placa do carro e fez sinal mostrando que estava no local de embarque. “Achei que ele não tinha me visto, o que é normal já que tinha muita gente. Balancei os braços, acenei, mas nada dele vir. Eu insisti, e ele balançou o dedo indicador negativamente”, continua a consultora.

Sem entender, ela foi até o carro do motorista e mostrou a tela do celular pela janela. “Fiz isso para provar que era eu, mas ele repetiu a recusa”. Maria Nazaré então pediu que motorista abrisse a porta. “Ele olhou para frente e eu insisti”.

‘Não carrego preto’

Após muita insistência de Maria Nazaré, o motorista abriu uma fresta do vidro. “Aí ele gritou: ‘Não carrego preto e muito menos uma preta vagabunda como você'”. Com a voz embargada, a consultora chora ao se lembrar do momento: “Fiquei em choque. Geralmente sou muito reativa, mas não consegui falar nada”.

Desnorteada e em estado de choque, ela chamou outro aplicativo de transporte. “Entrei no carro chorando num processo convulsivo, de choro e grito. O motorista perguntou se eu estava me sentindo bem, até desligou o rádio. Eu tinha colocado o endereço da minha filha, no Prado. Eu não sabia o que estava acontecendo, só chorava e gritava falando com ela no telefone”, lembra.

Quando chegou até a casa da filha, a familiar já estava esperando a mãe. “Precisei do auxílio dela para subir. Fomos procurar a corrida, mas como havia sido cancelada, não achamos os dados de primeira. A sorte foi que a fatura do cartão mostrou o estorno, aí mandamos email para a Uber. Eles nos responderam pedindo desculpas pelo ocorrido e me mandaram os dados do motorista”.

Com documentos em mãos, Maria Nazaré ligou para o Disque 100 e formalizou a denúncia. Agora, ela prestará depoimento sobre o caso na Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (DECRIN), amanhã pela manhã. “Não vou deixar isso ficar assim. Segunda-feira eu fiquei literalmente adoecida. Estou tendo todo o suporte da minha família, e só hoje estou conseguindo falar sobre o caso. É algo que dói na alma”, desabafa.

Ser negro no Brasil

A consultora conta que ser negro no Brasil é passar por uma vida “sendo observado”. “A gente é colocado de lado sempre. Não é ‘mimimi’ como adoram falar. Você realmente precisa ser melhor para se destacar, não tem escolha. Eu venho de uma família que me deu condições, tenho curso superior, assim como meus três filhos”.

“Eu sempre ensinei que se vocês [filhos] têm uma coisa que não vai ajudar em nada na vida, é o fato de ser negro. A única coisa que pode mudar um pouco isso é o estudo. Então, sejam muito bons naquilo que vocês fazem”, continua a consultora. “Imagina uma pessoa que não tem estudo, não tem comida na mesa, não tem teto. Eu tenho tudo isso, e ainda assim, uma pessoa conseguiu me calar”.

Maria Nazaré diz que abriu “uma chaga, uma ferida profunda”. “Talvez leve um bom tempo para cicatrizar. A minha indignação é pensar que meus filhos podem passar por isso, meus netos também. Eu vou morrer e não vou ver nada mudar? Acabar [com o racismo]? Eu nem tenho esse sonho, pois o preconceito sempre vai existir”.

A consultora finaliza falando de seu agressor. “Que essa pessoa tenha que dar satisfação de seus atos, para servir de exemplo. Era um senhor de mais de 50 anos, ele deve ter filhos e netos, que vão aprender pelo exemplo ruim dele”, completa.

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Nota da Uber na íntegra

A Uber possui uma política de tolerância zero a qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo. A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A empresa reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o app. A empresa se coloca à disposição para colaborar com as autoridades no curso das investigações.

Sabemos que o preconceito, infelizmente, permeia a nossa sociedade e que cabe a todos nós combatê-lo. Como parte desses esforços, a Uber lançou, por exemplo, o podcast Fala Parceiro de Respeito, em parceria com a Promundo, com conteúdos educativos sobre racismo. Além disso, em parceria com as advogadas da deFEMde, a empresa revisou o processo de atendimento na plataforma, a fim de facilitar as denúncias de racismo e acolher melhor o relato da vítima. Recentemente, a Uber também lançou uma campanha que convida usuários e motoristas parceiros para serem aliados no combate ao racismo. A iniciativa tem o objetivo de promover um conteúdo educativo dentro do próprio aplicativo e é parte de um compromisso global assumido pela empresa no ano passado com o objetivo de combater o racismo e criar produtos igualitários por meio da tecnologia.

Edição: Roberth Costa
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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