BH é considerada um dos 9 lugares para se esconder em caso de guerra nuclear; descubra os motivos

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Na figura, BH aparece destacada como o número “6” no mapa das cidades mais seguras (Reprodução)

Quem assistiu ao filme vencedor do Oscar de 2023, Oppenheimer, conseguiu ter uma noção do poder completamente destruidor da bomba atômica. O que pouca gente sabe, porém, é que em 1962 Belo Horizonte foi eleita uma das nove cidades mais seguras do mundo em caso de uma guerra de potência nuclear.

O assunto foi resgatado na última semana após o anúncio de que um abrigo antiaéreo do Edifício Acaiaca, um dos prédios mais emblemáticos de Belo Horizonte, vai ser reaberto para visitação. O espaço foi criado durante a Segunda Guerra Mundial e as obras finalizadas em 1947.

Artigo escrito pela cientista Caroline Bird alguns anos depois, em janeiro de 1962, coloca BH ao lado de outras oito cidades do mundo como possível “refúgio” em caso de ataques nucleares. A capital mineira é o único município do Brasil a figurar na lista.

Intitulado “Nine Places to Hide” (“Nove lugares para se esconder”, em português), o estudo explica porque as pessoas deveriam “fugir para as colinas”, ou melhor, para as montanhas de Minas Gerais.

O texto cita, por exemplo, que Belo Horizonte tem a “probabilidade de abrir um novo caminho econômico” e é um “local de exportação de caminhões e produtos lácteos que poderia facilmente alimentar os recém-chegados”. Além disso, os recursos minerais das proximidades podem ser empregados para desenvolver indústrias.

Outro detalhe ressaltado no texto é o clima semitropical, que, anos antes, era motivo de recomendação médica para o tratamento da tuberculose. Até o sambista Noel Rosa já havia vindo para BH para o tratar a doença na década de 1920.

“Tem televisão, as comodidades da vida moderna”, diz a escritora em alusão à TV Itacolomi, que pertencia aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand e funcionava no Edifício Acaiaca.

As outras oito localidades para se esconder eram:

  • Mendoza (Argentina)
  • Guadalajara (México)
  • Tananarive (Madagascar)
  • Melbourne (Austrália)
  • Christchurch (Nova Zelândia)
  • Central Valley (Chile)
  • Cork (Irlanda)
  • Eureka (Califórnia)

Ao BHAZ, o professor e historiador Raul Lanari conta que em 1962, ano em que o artigo foi publicado, ocorreu a famosa “crise dos mísseis” envolvendo Estados Unidos e União Soviética. Esse foi um momento de grande tensão na dinâmica da Guerra Fria e o assunto tomou conta das discussões da grande imprensa em todo o mundo.

“Nesse temor, os Estados Unidos ameaçaram a acionar as suas bases nucleares. E, com isso, a União Soviética disse que também acionaria as dela. Isso gerou um clima mundial de apreensão e de medo com relação ao fim do mundo. Todo aquele temor da guerra atômica ganhou uma amplitude muito grande na mídia. E aí então começaram a ser publicadas pesquisas a respeito de possíveis lugares que não seriam atingidos ou que teriam maior segurança caso houvesse essa guerra atômica”, diz Lanari.

Cidade era muito diferente dos ‘alvos’

O professor de Geopolítica da PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) Ricardo Ghizi Corniglion analisou os motivos que podem ter colocado Belo Horizonte na lista de locais mais seguros do mundo naquele contexto de guerra.

Em conversa com a reportagem, ele explica que, na época, era pouco provável que o Brasil fosse realmente alvo de um ataque. E, mesmo que isso ocorresse, Belo Horizonte estaria longe de ser visada.

“Mesmo que o Brasil fosse incluído no ataque nuclear pela Rússia, em função de ser um aliado dos Estados Unidos na Guerra Fria, as capitais que seriam visadas por aqui seriam Brasília, por ser a capital política do país, além de São Paulo e Rio de Janeiro, por causa da importância que essas cidades tinham para o Brasil naquele momento”, disse o professor.

Segundo ele, outro foco dos ataques nucleares seriam os grandes centros econômicos mundiais, como Nova York (EUA), por exemplo, além dos centros industriais pela capacidade de produzirem bens e serviços, principalmente material bélico para as guerras.

“Um terceiro foco seriam as cidades superpopulosas, objetivando matar a maior quantidade possível de pessoas e levar o pânico ao país”, explicou.

BH não ter praias é ponto positivo

Ainda de acordo com o professor, BH possivelmente foi escolhida também como uma das nove cidades mais seguras em caso de guerra nuclear pela capacidade dos habitantes de se recuperarem de uma possível guerra e continuarem vivendo. Isso se deve tanto pelas nossas riquezas naturais, como também pelo nosso clima, que é mais ameno do que em outras cidades.

Além disso, o fato de Belo Horizonte não ter praias, o que pode ser encarado como um demérito para os moradores da cidade, na época era mais uma garantia de segurança.

“Belo Horizonte tem uma agricultura no entorno que seria capaz de se recuperar e abastecer a cidade, inclusive com a produção de gado e leite. O clima agradável da cidade também colocaria BH longe da radiação, além, também, da distância do litoral em caso de ataques por submarinos”, explicou Ricardo Ghizi.

“Mesmo que uma cidade não fosse alvo de um ataque nuclear, ela sofreria com esse colapso logístico global. É aí que Belo Horizonte deve ter sido escolhida: pela capacidade da cidade e do seu entorno de se reerguer, se recuperar ainda que minimamente de uma guerra nuclear global”, acrescentou.

Propaganda positiva

Na visão do historiador Raul Lanari, Belo Horizonte ter sido colocada nessa lista das nove cidades que seriam salvas em caso de uma guerra nuclear serviu como uma propaganda positiva para a cidade na época. Segundo ele, durante aquele período, a capital mineira buscava se expandir e ser reconhecida como outras grandes capitais.

“Belo Horizonte na época passava por um processo de modernização bastante acentuado. As décadas de 1960 e 1970 representaram o aumento da verticalização de BH e a supressão das árvores no Centro da cidade. Na década de 60, houve um projeto chamado ‘Nova BH 66’ que visou modernizar a cidade. Então Belo Horizonte tinha interesse nessa propaganda. BH visava atingir o espaço das grandes capitais do Brasil”, disse.

Para Ricardo Ghizi Corniglion, se a lista fosse atualizada nos dias de hoje, ainda assim Belo Horizonte teria condições de se manter entre as cidades mais seguras em um cenário de guerra global.

“A cidade está rodeada de recursos minerais que poderiam ser utilizados numa indústria para se produzir utensílios e coisas que nós precisamos no dia a dia, e também pela produção de laticínios e de alimentos. Além disso, quando você sai de Belo Horizonte já está praticamente na roça, né? Então acredito que seria mantida sim”, observou.

Bunker em BH terá visitação

O tradicional Edifício Acaiaca, localizado na esquina entre as ruas Espírito Santo, Afonso Pena e Tamóios, se prepara para abrir seu bunker (abrigo antiaéreo) para visitação. A atração deve ser liberada em poucos meses.

A ideia de um banker no Acaiaca remete ao regime presidencial de Getúlio Vargas, relembra Antônio Rocha Miranda, de 86 anos, síndico e administrador do prédio.

“A construção do prédio começou em 1943. Nós estávamos no auge da Segunda Guerra Mundial. Ele (o Acaiaca) só foi finalizado em 47, mas foi sendo habitado à medida que a construção ocorria, para viabilizá-lo economicamente”, relembra.

“Como na época a gente estava em guerra, havia um decreto do Getúlio Vargas que exigia que prédios de uma determinada altura tivessem que ter um abrigo antiaéreo”, complementa Antônio. O Acaiaca se enquadrava nisso. Com 120 metros, o edifício possui 30 andares e inspiração no art decó, estilo que destaca linhas retas e retângulos bem marcados.

O jeito então foi construir um bunker pro prédio. De acordo com o síndico, o maior da América Latina. “Agora, nós recuperamos parte do bunker, que nunca precisou ser usado. Recuperamos parte dele, algo como um presente pra cidade”, diz. Ainda segundo Antônio, o espaço revitalizado tem cerca de 200 metros quadrados.

Embora não tenha data marcada, a abertura do abrigo pra visitação já está em vista. O síndico estima que em 60 dias os interessados poderão visitar o lugar.

Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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