Globo é condenada por sexismo contra ex-apresentadora em processo de mais de R$ 1 milhão

carina pereira
Na decisão em primeira instância, o juíz Marcelo Luiz Campos Rodrigues concluiu que Carina sofria discriminação de gênero dentro da emissora (Reprodução/@carinaapereira/Instagram)

A Justiça do Trabalho condenou a TV Globo a pagar mais de R$ 1,5 milhão à jornalista Carina Pereira, ex-apresentadora do Bom Dia Minas e do Globo Esporte. Ela deixou a emissora em janeiro do ano passado, e a condenação abarca demandas sobre verbas trabalhistas e suposta discriminação de gênero. No processo, a defesa da Globo alegou que a emissora apurou internamente as reclamações de Carina e concluiu que “não havia prática de assédio moral”. Da decisão, em primeira instância, cabe recurso.

Segundo entendimento do juiz Marcelo Luiz Campos Rodrigues, a jornalista sofria sexismo na emissora.”Em razão de todo o exposto, entendo demonstrado que a reclamante foi vítima de comportamento discriminatório em razão do gênero, praticado pelo respectivo superior hierárquico, devendo a Reclamada [Globo] responder pelos danos decorrentes da conduta deste empregado”, diz um trecho do documento.

Carina foi demitida da Globo em janeiro de 2021, após passar sete anos trabalhando na emissora. Na época, ela usou as redes sociais para desabafar sobre episódios de assédio moral que teria sofrido na empresa, principalmente por parte de um dos chefes.

Em conversa com o BHAZ nesta segunda-feira (13), a jornalista comemorou a vitória na Justiça. “A maioria dos processos que as mulheres tentam enfrentar, elas geralmente perdem, principalmente contra grupos muito grandes. Então essa vitória não é só minha. Espero que seja definitiva e que, atrás de mim, possam vir outras mulheres, porque calada a gente não vence”, disse ela.

Denúncia e apuração internas

Nos autos, a defesa da Globo alegou que a empresa apurou internamente as reclamações de Carina sobre o chefe em questão e informou que foi constatado que “não havia prática de assédio moral” por parte dele, mas sim, “uma conduta inapropriada no trato com os colegas de trabalho”.

Ele teria sido advertido e dispensado sem justa causa, ou seja, sem que a empresa identificasse a ocorrência de fatos graves para o término da relação de trabalho.

Uma das testemunhas ouvidas durante o processo relatou que “não presenciou tratamento desrespeitoso” do chefe especificamente com a jornalista, mas confirmou já ter ouvido o profissional em questão defender ser necessário retirar as mulheres da cobertura esportiva por ser difícil trabalhar com elas e que “não sabe o que mulher entende de futebol”.

A mesma testemunha ainda relatou que já havia encontrado Carina chorando no trabalho e que ficou sabendo, alguns dias depois, que era por ela ter sido assediada moralmente pelo supervisor.

No processo, a Globo argumentou que “foram realizadas diligências, como oitivas de testemunhas e solicitação de envio de evidências suplementares” para a apuração interna das denúncias feitas por Carina. Ao justificar a decisão de condenar a empresa por dano moral, o juiz apontou que a emissora não apresentou nenhum documento que comprove a realização de todo esse processo.

O magistrado também destacou que, após denunciar o chefe, Carina foi retirada da apresentação do “Globo Esporte” e passou a comandar um quadro no “Bom Dia Minas”. A empresa alegou que a medida se deu por decisão superior, sem correlação com o processo de “compliance”. Porém, o juiz reconheceu que a mudança das atividades da profissional abalou sua integridade moral.

“No caso, a despeito da alegada apuração das faltas, a Reclamada [a Globo], além de não aplicar sanções ao empregado, transferiu a Reclamante [Carina] abruptamente de setor, sem qualquer justificativa, prévio aviso ou oferta de alternativas, com alteração substancial de sua rotina de trabalho”, destaca a decisão judicial.

Processo milionário

Na ação trabalhista, Carina também apontou sobrecarga de trabalho e não pagamento devido de horas extras cumpridas por ela. Ao BHAZ, a jornalista ainda conta que, após a repercussão do relato publicado por ela, a Globo não pagou seu acordo integralmente.

“Não tentaram acordo, nem retratação, pelo contrário. Eu tinha um plano de saúde e eles cancelaram. Todos os funcionários que saíram até 2020 tiveram acordo coletivo remunerado e eu também não recebi”, conta ela.

Com a decisão, a emissora também deverá pagar valores referentes a “horas extras, intervalo intrajornada, danos morais, multas convencionais, reintegração em plano de saúde, acúmulo de função e remuneração de feriados laborados”. Os honorários advocatícios, no valor de R$ 20 mil, também ficarão a cargo da Globo, segundo determinação do juiz de primeira instância. Somados, os valores alcançam a quantia de R$ 1.594.961,41.

O advogado de Carina, André Froes de Aguilar, comemorou a decisão. “Quando a mulher é tratada como um objeto e com conotação sexista, como se observou no presente processo, o Poder Judiciário deve atuar, de maneira contundente a se evitar que o mesmo padrão seja repetido”, disse ele, em nota.

O BHAZ procurou a TV Globo para um posicionamento sobre a decisão, mas não obteve resposta até o momento. Tão logo a empresa se manifeste, esta matéria será atualizada.

‘Pararam de me seguir no Instagram’

Carina Pereira trabalhou durante sete anos na Globo. Nesse tempo, ela esteve à frente da apresentação dos programas Bom Dia Minas e Globo Esporte. Ao comunicar os motivos que levaram a sua saída da emissora, a jornalista se emocionou e relatou diversos abusos (relembre aqui).

“O meu chefe fazia piada, o meu chefe fala ‘ah, a Carina consegue essa exclusiva porque ela é mulher, Carina tem o que você não tem, oferece o que você não oferece’. Quando era o colega eu retrucava, mas quando era o chefe, não, porque era alguém que eu respeita, era alguém que eu admirava, e eu ficava calada. Não sei porque, mas eu ficava calada”, narrou ela, na época.

O desabafo de Carina fez barulho e, nos comentários, ela recebeu apoio de vários colegas de emissora. Ao BHAZ, no entanto, a jornalista revelou que alguns amigos se afastaram após a demissão, por medo de também serem desligados da Globo.

“Várias pessoas que eram consideradas minhas amigas pararam de me seguir no Instagram, pararam de andar comigo, algo como: ‘Olha, ela falou mal da Globo, então a gente não pode ficar perto dela, se não vamos perder nosso emprego’. E hoje eu sou a prova de que, se você tá certo, você não pode ficar calado”, pondera.

Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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