Esses são nossos futuros médicos…

estudantes reunidos em volta da quadra com a calça abaixada e fazendo gestos obscenos
A atitude repercutiu nas redes sociais, provocou revolta, e resultou na expulsão dos alunos do evento (Reprodução/Redes sociais)

Acordei com a notícia de que homens, estudantes de medicina, participantes de um time de futsal de uma universidade privada (Unisa), fingiram se masturbar durante um jogo de vôlei feminino.

Esses são nossos futuros médicos. Homens que cuidarão de você, da sua mãe, da sua irmã, da sua filha. Eu não me imagino sendo atendida por um homem que não compreende violência simbólica.

É espantoso pensar que um ser humano adulto dotado de inteligência, capaz de estudar medicina, seja capaz que não compreender a cultura do estupro.

Então, como mulher, mesmo já estando exausta de dizer muitas vezes o que isso significa, vou repetir. Mas, dessa vez, vou por partes.

Mesmo que não haja uma única explicação sobre o significado do conceito de cultura, podemos dizer que a cultura abarca nossos modos de viver, isto é, a forma como estamos no mundo, a forma como vemos o mundo e a forma como enxergamos o outro.

E estupro, pois bem, é uma forma de subjugação da mulher. No dicionário: crime que consiste em ter relações sexuais ou praticar ato libidinoso sem consentimento.

Se juntarmos as duas palavras, temos a cultura do estupro, que nada mais é que um modo de viver que enxerga a mulher como objeto que pode ser usado para o prazer do outro, mesmo sem o seu consentimento.

A cultura é alimentada por nossos hábitos, piadas, gestos, crenças. Se uma parcela da população acredita que pode rir de mulheres, subjugar mulheres e usar mulheres para seu divertimento, essa parcela está alimentando a cultura do estupro, mesmo que, efetivamente, alguns desses homens nunca encostem a mão em uma mulher.

Chegamos aqui, noutro ponto, nos tipos de violência que existem: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. A física, geralmente, é o último grau. Na maioria dos casos de violência, antes de agredirem fisicamente, os homens abusam moralmente e psicologicamente das mulheres.

A cultura do estupro é alimentada, diariamente, por pequenas violências morais e psicológicas. Às vezes, tão sutis que demoramos a entender que se trata de uma violência, como é o caso de um grupo de homens que ocupa um espaço onde mulheres são protagonistas, mesmo que momentaneamente, para desestabilizá-las.

O estupro é um ato de poder e de dominação. Para além do ato sexual, homens que cometem estupro querem mostrar “quem manda”. No caso dos estudantes de medicina, são homens que querem mostrar que, numa sociedade patriarcal e que tem a cultura do estupro como um de seus pilares, nenhum deles será punido por ser quem é ou por fazer uma “brincadeira constrangedora”. Lembrando que uma brincadeira só acontece quando as duas partes consentem. Se não existe consentimento e a ação é vexatória e constrange o outro, não é brincadeira.

Lembrando que jamais poderemos fazer uma análise sem recorte de classe e raça. Estamos, aqui, falando de homens, em sua maioria, brancos, de classe média alta ou alta. Historicamente, no topo do poder. Historicamente, impunes. Historicamente, se autoreconhecendo como maioria.

Dizem que, na formatura de medicina, os formandos devem fazer um juramento de que tratarão de forma digna e humana seus pacientes. Eu tenho cá minhas dúvidas de que pessoas que não reconhecem o próximo como gente e não conseguem compreender a gravidade de seus próprios atos, possam exercer um ofício tão grandioso.

E de cá, também, fico querendo que as mulheres ocupem cada vez mais os espaços e os discursos para que a cultura, que é impermanente, mude, já que os homens (infelizmente, uma grande parte deles) são incapazes de rever seus dogmas, suas crenças e seus posicionamentos e demonstram, a cada notícia como essa, serem incapazes de reconhecer que mulheres são dignas de respeito.

* Este é um artigo de opinião

Cris Moreira

Cris Moreira é mãe de Francisco, João e Manoel. Criadora do Podcast Tetas y tretas e autora do livro Gambiarra: uma construção de maternidade. É atriz e gestora cultural desde muito tempo e acha que tudo nessa vida é político.

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