Polícia investiga cabeleireiro que disse não contratar ‘preto, gorda e viado’

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Dono de salão de beleza ofendeu grupos minoritários em áudios de WhatsApp (Arquivo pessoal + Reprodução/Google Street View)

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo investiga o dono de um salão de beleza que ofendeu homossexuais, negros e pessoas gordas em áudios de WhatsApp. Diego Beserra Ernesto foi denunciado pelo cabeleireiro Jeferson Dornelas, que sublocava uma parte do local para trabalhar.

“Eu coloquei uma regra para mim, eu não te enxergo dessa forma, não se ofenda, mas eu não contrato gordo, eu não contrato petista e eu não contrato preto, cê está entendendo? No caso do preto, porque alguns se fazem vítima da sociedade […] No caso da mulher, tem duas coisas: gorda e preta. Ela não cuida nem do próprio corpo, como vai ter responsabilidade na vida? Não tem”, disse Diego em áudio enviado a Jeferson, com quem convivia.

O cabeleireiro investigado enviou as gravações a Jeferson, que é um homem negro, depois que ele entrevistou uma mulher negra e gorda para trabalhar com ele. A moça recusou o emprego e, somente depois, ele descobriu o motivo apontado por Diego.

“Ela desistiu porque eu estava entrevistando ela e estava de costas pra ele. Ele ficava gesticulando, fazendo caras e bocas. E eu não vi essa cena. Ela foi embora falando ‘tchau, muito obrigada, até amanhã’. E ela não veio trabalhar. Depois eu descobri que foi por causa disso, ela me contou”, afirma.

‘Não contrato viado’, disse suspeito

Diego ainda disse que algumas mulheres que usam cabelo curto “são feministas” e que “feminista é um saco”, porque “não pode falar nada”. Em outra gravação, disparou: “Esqueci de falar, mano. Eu não contrato mais ‘viado’. Principalmente ‘viado’, mano, não contrato mais, só se a pessoa tiver mentindo”.

Jeferson divulgou as gravações no Instagram e o post acabou viralizando após o compartilhamento de um jornalista e do ativista Antonio Isuperio. Cerca de uma semana depois do ocorrido, ele entregou as chaves ao cabeleireiro investigado e parou de trabalhar no local.

“Isso era recorrente. Ele sempre deu indícios, sempre falou algumas coisas relacionadas a isso. Mas como eu trabalhava lá, sempre dava conselhos para ele parar, ele não parava”, continua.

O cabeleireiro deseja que Diego pague criminalmente pelo que fez. Devido à gravidade dos comentários preconceituosos, ele levou a história a público e registrou um boletim de ocorrência, no último dia 23.

Pedido de desculpas

Com a repercussão negativa dos áudios, o dono do salão enviou um pedido de desculpas a Jeferson: “Estou te mandando esse áudio para me retratar para você e para pedir desculpas, de coração, se você se sentiu ofendido de alguma forma e também para todas as pessoas que tiveram acesso aos áudios da conversa paralela que eu tive com você”, começou.

Na gravação, Diego diz que já trabalhou com várias pessoas e se defendeu. “Todo mundo que me conhece sabe do meu caráter”.

“Infelizmente, eu tive algumas falas preconceituosas, racistas, que acabaram magoando algumas pessoas, essa nunca foi a minha intenção. No tempo que trabalhamos juntos, sempre tivemos uma relação de parceria mesmo, aprendi muito com você […] estou extremamente arrependido”, disse.

Por meio de nota ao BHAZ, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informa que as partes foram intimadas para depor. Um inquérito também foi instaurado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – Decradi (leia abaixo na íntegra).

Em comunicado à reportagem, a defesa do cabeleireiro investigado afirma que ele “em nenhum momento ofendeu a pessoa do senhor Jeferson, muito pelo contrário, todavia a suposta vítima extraiu parte de um áudio e divulgou por interesses que será devidamente apurado”.

Discriminação em processos seletivos

Segundo a Constituição Federal e a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), o empregador não pode adotar práticas discriminatórias na hora de contratar ou mesmo na manutenção do emprego.

A Lei nº 9.029 determina que “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”

Racismo x injúria racial

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, é a injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. É o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos.

Com a sanção de uma lei no Brasil, que equipara a injúria ao crime de racismo, quem cometer injúria racial poderá sofrer reclusão de dois a cinco anos. Antes, a legislação previa pena de um a três anos.

Vale mencionar que a pena poderá dobrar caso duas pessoas ou mais cometam o crime. Além disso, haverá aumento do tempo de reclusão se a injúria racial ocorrer em eventos esportivos ou culturais e para finalidade humorística.

Nota da SSP-SP na íntegra

“A Polícia Civil informa que as investigações seguem pelo 23º DP, onde as partes foram intimadas para prestarem depoimento e indicarem testemunhas. Um inquérito também foi instaurado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – Decradi.

Na última terça-feira (7), duas vítimas foram ouvidas, assim como novos depoimentos foram agendados para a próxima semana. Foi expedida ordem de serviço ao setor de investigação para a realização de diligências visando ao esclarecimento dos fatos.”

Nota do advogado de defesa na íntegra

“O escritório Miguel Silva Advogados assumiu a defesa do senhor Diego na data de ontem, ainda estamos analisando o caso, mormente outros áudios. Meu cliente em nenhum momento ofendeu a pessoa do senhor Jeferson, muito pelo contrário, todavia a suposta vítima extraiu parte de um áudio e divulgou por interesses que será devidamente apurado”

Nicole Vasques[email protected]

Jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escreve para o BHAZ desde 2021. Participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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