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Juíza deixa caso de menina estuprada e impedida de fazer aborto; vítima pode sair de abrigo

21/06/2022 às 16h09 - Atualizado em 21/06/2022 às 16h12
Juíza Joana Ribeiro Zimmer
Juíza propôs que criança mantivesse a gravidez (Solon Soares/Alesc)

A juíza Joana Ribeiro Zimmer deixou o caso da menina de 11 anos que foi impedida de realizar um aborto legal, em Santa Catarina. Informação divulgada pelo g1 dá conta de que a magistrada aceitou uma promoção, oferecida antes da repercussão do caso, e foi transferida para a comarca de Brusque.

Por meio de nota, a juíza informou que foi aprovada em um concurso e soube do resultado na última semana. Ela ainda diz que já está fora do caso desde a última sexta-feira (17), e que um juiz substituto assumiu a ação, sem dar nomes.

O BHAZ procurou o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) para confirmar a informação e aguarda retorno.

Menina pode voltar para casa

Ainda nesta terça-feira (21), a desembargadora Cláudia Lambert de Faria determinou que a vítima de estupro de 11 anos pode deixar o abrigo em que está morando há mais de 40 dias. A menina foi enviada ao local por Joana Zimmer para que não tivesse acesso ao aborto.

De acordo com o The Intercept, a desembargadora responde a um recurso da advogada da família da criança. Inicialmente, o pedido liminar foi negado por ela, no dia 3 de junho. Agora, segundo Faria, a “persistência da medida de proteção de acolhimento institucional” é desnecessária.

“Visando o bem estar da infante, durante esse momento sofrido de uma gravidez indesejada e inoportuna, e considerando o seu manifesto desejo de estar próxima à mãe, com a qual mantém forte vínculo afetivo, não há razão que justifique, no caso, a manutenção do acolhimento institucional”, escreveu.

“Dessa forma, com a companhia e os cuidados da mãe, no aconchego do lar, a agravante [criança] terá melhores condições psicológicas para enfrentar este momento tão delicado de sua vida”, completou, ainda conforme o site.

A desembargadora também reforçou na decisão que a realização ou não do aborto é um tema que compete apenas ao juízo criminal. Nesse âmbito, o juiz Mônani Menine Pereira havia autorizado o aborto em 12 de maio, mas revogou a decisão após manifestação do Ministério Público de Santa Catarina. Por isso, até então, segue em vigor a autorização de Joana Ribeiro para a cesariana antecipada.

OAB/SC acompanha caso

A OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina) informou que vai atuar pela proteção da menina de 11 anos impedida de fazer aborto após ser estuprada. Isso depois de uma reportagem especial publicada pelo site The Intercept, nessa segunda-feira (20), revelar que a juíza que conduziu o caso propôs que a criança mantivesse a gravidez para que o bebê sobrevivesse.

Por meio de nota, a OAB reforçou que, dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez, estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante.

“Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante, com embasamento em laudos médicos e nas garantias legais previstas para a vítima em tais situações”, informou o órgão.

A OAB/SC garante que acompanhará todo o processo e seus desdobramentos, “com o intuito de que a vítima receba amparo integral, incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária, incluindo amparo psicológico para ela e seus familiares”.

Corregedoria do TJ investiga

Ainda ontem, o TJSC reforçou que não vai comentar sobre o processo, está sob segredo de justiça por envolver menor de idade. “Tratando-se de questão jurisdicional, não cabe manifestação deste Tribunal, a não ser por seus órgãos julgadores, nos próprios autos em sede de recurso”, diz nota.

Ainda assim, o TJ informou que a Corregedoria-Geral da Justiça, órgão do tribunal, já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a apuração dos fatos.

Entenda

Uma menina de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro de vulnerável, está sendo mantida há mais de um mês em um abrigo de Santa Catarina por determinação judicial. A reportagem divulgada ontem denuncia a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que teria pressionado a menina a não realizar o aborto.

Em despacho de 1º de junho, a magistrada, titular da Comarca de Tijucas, argumenta que a ida da vítima ao abrigo se deve ao “risco que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”. Imagens obtidas pelo site, de uma audiência realizada no dia 9 de maio, mostram uma conversa entre a juíza e a criança.

“Suportaria ficar [grávida] mais um pouquinho?”, questiona a magistrada. Na sequência, ela chega a questionar se a vítima “quer escolher o nome do bebê” e se o abusador “concordaria pra entrega [do bebê] para adoção”.

Durante a audiência, a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público Catarinense, também defende a continuidade da gestação. “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele”, diz ela.

Família procurou a Justiça

Atualmente, a menina está na 29ª semana de gravidez. O abuso teria ocorrido quando a criança tinha 10 anos. Em maio, a vítima esteve com a mãe no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), para dar início ao processo de aborto, garantido por lei a vítimas de violência sexual.

A instituição, no entanto, negou o procedimento, alegando que ele só é permitido até a 20ª semana de gestação. Na ocasião, a criança já havia entrado na 22ª semana de gravidez. A família então procurou autorização da justiça para realizar o aborto.

Dias depois, o Ministério Público catarinense ajuizou uma ação pedindo o acolhimento da criança a um abrigo, onde deveria “permanecer até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”.

O que diz a juíza?

Em contato com a equipe do The Intercept, a juíza Joana Ribeiro disse que “não se manifestará sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa. Não só por se tratar de um caso que tramita em segredo de justiça, mas, sobretudo para garantir a devida proteção integral à criança”. 

Já a promotora Mirela Dutra Alberton, responsável pela ação que terminou com o acolhimento da criança, reforçou que o hospital “se recusou a realizar a interrupção da gravidez”.

“Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, disse ela, em nota.

Quando o aborto é permitido?

Segundo o IFF (Instituto Fernandes Figueira), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o Brasil está entre os 25% dos países do mundo com legislações mais restritivas em relação à interrupção da gravidez. Por aqui, o aborto é autorizado em caso de estupro, quando a gestação representa risco à vida da mãe ou quando o feto é anencéfalo, ou seja, quando o cérebro não se desenvolve adequadamente.

No caso de violência sexual, a vítima deve preencher cinco documentos que serão anexados ao prontuário médico. São eles:

  1. Termo de relato circunstanciado – É feito pela mulher que solicita a interrupção ou pelo representante legal no caso de incapaz. O documento deve conter as informações de dia, hora, local em que ocorreu a violência, características, tipo, descrição dos agentes violadores, se houveram testemunhas, cicatrizes ou tatuagens no violador, características de roupa, etc. Este documento deve ser assinado pela mulher e por duas testemunhas: no caso o médico que ouviu o relato e um enfermeiro, psicólogo ou assistente social;
  2. Parecer técnico – Documento assinado pelo médico ginecologista que, após anamnese, exame físico, ginecológico e análise do laudo do ultrassom atesta que aquela gestação tem idade gestacional compatível com a data alegada do estupro;
  3. Aprovação de procedimento de interrupção da gravidez – Este documento nada mais é que uma ata, onde se reúne a equipe multiprofissional que fez o atendimento. Todos assinam com a aprovação desta interrupção, concordando com o parecer técnico (que a data da gestação é compatível com a data do estupro) e que não há suspeita de falsa alegação de crime sexual;
  4. Termo de responsabilidade (assinado pela mulher) – Este documento contém uma advertência expressa que a paciente assina ciência de que ela incorrerá de crime de falsidade ideológica e de aborto criminoso caso posteriormente se verifique inverídicas as informações;
  5. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Termo que esclarece sobre os desconfortos, riscos, possíveis complicações, como se dará o procedimento de interrupção da gestação, quem vai acompanhar, a garantia do sigilo (salve solicitação judicial). Este documento é assinado pela mulher e deve conter claramente expressa a sua vontade consciente de interromper a gestação, dizendo também que foram dadas todas as informações sobre a possibilidade de manter a gestação e a adoção ou até a desistência do procedimento a qualquer momento.

Editado por: Roberth R Costa

Sofia Leão

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.
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Sofia Leão

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Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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