Nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, 40.830 crianças e adolescentes ficaram órfãos de suas mães pela doença no Brasil. O dado foi obtido pelo estudo inédito conduzido por pesquisadores da UFMG e da Fiocruz.
O artigo com os resultados está disponível no periódico “Archives of Public Health”, da revista Springer Nature.
Durante a pesquisa, o levantamento foi realizado com base nos óbitos por Covid-19 registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) nos anos de 2020 e 2021. Além disso, foram utilizados dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) entre 2003 e 2020.
Os órfãos da Covid-19 no Brasil
Segundo Cristiano Boccolini, coordenador do Observa Infância e um dos autores do estudo, a Covid-19 possui relação com mortes em decorrência de problemas no parto.
“A pesquisa mostra que a Covid-19 foi responsável por um terço de todas as mortes relacionadas a complicações no parto e no nascimento entre mulheres jovens. Isso representa um aumento de 37% nas taxas de mortalidade materna no Brasil, em relação a 2019, quando ela já era alta. A cada mil bebês nascidos vivos, uma mãe morreu no Brasil durante os dois primeiros anos da pandemia”, informou Cristiano.
O pesquisador assina o artigo juntamente com Adauto Martins Soares Filho e Deborah Carvalho Malta, da UFMG, e Célia Landmann Szwarcwald e Wanessa da Silva de Almeida, da Fiocruz.
De acordo com a co-autora Célia Landmann, é preciso criar políticas com foco em crianças e adolecentes órfãos no Brasil, sobretudo diante das consequências da Covid-19. “É certo que a morte de um dos pais, em particular da mãe, está ligada a desfechos adversos ao longo da vida e tem graves consequências para o bem-estar da família, afetando profundamente a estrutura e a dinâmica familiar”, iniciou.
“As crianças órfãs são mais vulneráveis a problemas emocionais e comportamentais, o que exige programas de intervenção para atenuar as consequências psicológicas da orfandade”, defendeu a pesquisadora.
Adultos vítimas da Covid-19
Conforme aponta o estudo, em 2020 e 2021, a doença foi responsável por um quinto de todas as mortes registradas no Brasil, com 19% dos óbitos do país. Vale ressaltar que o pico da pandemia aconteceu em março de 2021. Na época, foram registradas 4 mil mortes por dia, valor que supera a média de mortes por dia por todas as causas em 2019.
“A faixa etária de 40 a 59 anos foi a que apresentou a maior proporção de vítimas da Covid-19, em comparação com a mortalidade por outras causas”, apresentou Cristiano.
A pesquisa da UFMG e da Fiocruz calculou as taxas de mortalidade por Covid-19 de acordo com sexo, faixa etária e escolaridade. “Até os 30 anos de idade, a taxa de mortalidade por Covid-19 é similar entre homens e mulheres, mas começa a se distanciar a partir desta faixa etária. No total, a taxa de mortalidade por Covid-19 entre homens foi 31% mais alta que entre mulheres”, detalhou Cristiano.
Mortalidade foi maior entre analfabetos
Segundo a Fiocruz, a fim de estimar o impacto da escolaridade na mortalidade por Covid-19, os pesquisadores trouxeram dados de óbitos pela doença e a distribuição da população brasileira por nível de escolaridade da Pesquisa Nacional de Saúde. De acordo com os resultados, no grupo dos adultos analfabetos, a mortalidade por Covid-19 foi três vezes maior do que nos adultos que concluíram o ensino superior.
“Dada a história natural de diversas doenças, temos claro que a escolaridade, em conjunto com outras características socioeconômicas, é um importante fator para o prognóstico. Com a Covid-19 não é diferente. A desigualdade socioeconômica acarreta iniquidades no acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, dificuldades no diagnóstico oportuno e no tratamento dos casos”, afirma a co-autora Wanessa da Silva.
De acordo com Célia, o impacto da doença foi maior ainda entre as crianças e adolescentes que se tornaram órfãs e perderam um dos provedores do sustento da família.
“Como consequência da gestão inadequada da pandemia, além de criar uma legião de órfãos, o Brasil perdeu cerca de 19 anos de vida produtiva devido à morte de adultos jovens por Covid-19”, concluiu Cristiano.
O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fiocruz (Ideias Inovadoras).
Com Fiocruz