Ainda é tabu: Caso de Matheusinho, ex-América, acende alerta sobre problema da depressão no esporte

jogador matheusinho, ex América
Jogador recebeu apoio do Coelho após fazer desabafo sobre depressão (Mourão Panda/América)

Um depoimento do ex-jogador do América Matheusinho, que atualmente joga no futebol israelense, trouxe à tona um assunto ainda pouco discutido e evidenciado no esporte: a depressão e a saúde mental de atletas. Na última segunda-feira (18), o meia-atacante postou um story no Instagram com um desabafo sobre sua depressão, um “mal que maltrata e oprime o coração”.

O BHAZ conversou com Ariel Murlik, psicólogo clínico que trabalha com atletas, que ressaltou a importância do cuidado com a saúde mental como um todo no âmbito esportivo.

Matheusinho, que atualmente integra o elenco do Beitar Jerusalém (Israel), fez um desabafo em sua conta pessoal no Instagram, que tem pouco mais de 100 mil seguidores. Além disso, ele ocultou todas as fotos de seu feed e apagou sua foto de perfil. O jogador optou por deixar visíveis apenas os seus destaques de story.

‘Mal maltrata e oprime o coração’

“Desculpa rapaziada, não vi aqui parar querer me amostrar nem nada, mas senti no coração de falar um pouco. Só queria compartilhar um pouco, ultimamente não tenho andado muito bem, uma tristeza enorme invadiu meu coração”, disse Matheusinho. O jogador aproveitou a oportunidade para falar mais sobre depressão com os seguidores.

“Uma vez ou outra, enfrentamos a depressão, mal que maltrata e oprime o coração. Mas tenha certeza, é questão de tempo, de enfrentar a dor e conseguir ver que nem todos soltarão a sua mão. Há os que estarão sempre lá, à sua espera, para caminhar ao seu lado”, continuou.

O jogador, que disse ainda que acredita que vai “vencer a tristeza”, finalizou o desabafo com um conselho: “De mãos dadas com quem sabe dessa dor, será mais fácil reencontrar da vida a beleza e o sabor”. Confira:

Jogador apagou todas as fotos do seu perfil (Reprodução/@matheusleonardo10/Instagram)

Saúde mental é reflexo da sociedade

Para Ariel Murlik, psicólogo clínico que trabalha com atletas, o esporte está fortemente ligado à sociedade. “A saúde mental em si é um reflexo da sociedade inteira. As modalidades de alto rendimento exigem uma dedicação intensa e crescente, para vitórias pessoais e coletivas esperadas. O atleta precisa se destacar sempre, ser efetivo e ultrapassar barreiras psicológicas diárias”, pontua, em conversa com o BHAZ.

O psicólogo lembra que Matheusinho saiu do Brasil com apenas 22 anos, sob grande responsabilidade, o que pode representar mais uma pressão. “Ele é visto como a esperança de um time, um craque, e foi para Israel, país muito diferente do Brasil. No futebol, com paixão e demanda social muito grandes, os atletas são vistos como heróis. Eles precisam de uma estrutura de apoio muito bem desenvolvida para darem conta de todas essas exigências”, alerta Ariel.

Problema recorrente no esporte

A depressão de Matheusinho não representa um caso isolado no futebol brasileiro, tampouco no esporte em geral. Em 2019, o ex jogador Nilmar, com passagem de sucesso pelo Internacional, falou sobre sua luta contra o problema, diagnosticado em 2017.

Atualmente atacante da Chapecoense, Thiago Ribeiro, de 35 anos, também lida com a depressão desde 2013 e chegou a ficar sem clube em 2018. Já no começo deste ano, o ex-atleta Adriano, ídolo do Flamengo, revelou que teve a doença após a morte do pai em 2004, quando jogava na Inter de Milão.

Além do futebol, o esporte em geral registra casos de depressão. Em 2021, nas Olimpíadas de Tóquio, a ginasta Simone Biles, de 24 anos, causou comoção ao falar publicamente sobre a depressão que não a deixou competir algumas provas finais. O nadador brasileiro Bruno Fratus, medalhista em Tóquio, também disse que já foi diagnosticado com a doença, logo após um mau resultado na Rio 2016.

Ginasta Simone Biles em Tóquio neste ano (Reprodução/@simonebiles/Instagram)

Um atleta vir a público para falar sobre a própria saúde mental é um ato bastante corajoso, segundo Ariel. “É importante tanto para ele, quanto para o esporte em geral. As pessoas conseguem olhar para esse outro lado. Não só para seu porte físico, se ele está fazendo gol… Olhar para o que os atletas passam além das quatro linhas é fundamental”, argumenta Ariel.

Clubes com psicólogos são minoria

No meio do esporte, a cobrança pelo melhor desempenho vem de diversas esferas: diretoria, torcida, imprensa, e até mesmo os próprios jogadores. Assim, diversas pressões podem afetar negativamente a saúde mental de quem está submetido a elas. Nesse contexto, é crucial a promoção do cuidado com a saúde mental nos clubes.

É o que defende Ariel Murlik: “No contexto brasileiro, o número desses profissionais da saúde nos clubes ainda é muito baixo. É super importante criar uma rede de apoio no próprio time: um espaço onde os atletas possam se expressar, falar sobre coisas que não necessariamente têm a ver com o futebol ou outra modalidade que disputam”.

São Paulo é um dos poucos clubes da Série A que conta com psicólogos em sua equipe (Rubens Chiri/saopaulofc.net/Reprodução)

Para se ter uma ideia, segundo Ariel, apenas 6 clubes entre os 20 da Série A possuem psicólogos na equipe de profissionais: São Paulo, Fortaleza, Fluminense, Santos, Palmeiras e Red Bull Bragantino.

De acordo com o psicólogo clínico, muitos atletas temem passar uma imagem “frágil” aos companheiros de clube e mantêm uma postura que só os prejudica ainda mais. “Frequentemente, não é com o treinador ou com os colegas de elenco que o atleta tem de falar sobre receios e problemas em casa, porque ele não quer mostrar qualquer sinal de fragilidade. Por causa do tabu, o medo é visto como fraqueza”, conta.

Casos aumentaram na pandemia

No início do período da pandemia de Covid-19 em 2020, a FIFPro (Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais) ouviu 1602 jogadores e jogadoras de futebol em confinamento em países como Inglaterra, França e Estados Unidos.

Segundo a organização, cerca de 22% das mulheres e 13% dos homens relataram possíveis sintomas de depressão, como baixa autoestima, falta de apetite e de energia. Os índices dobraram em relação a outra pesquisa feita pela federação logo antes da pandemia, no início do ano passado.

Índice pode ser maior em atletas lesionados

Em 2015, a mesma FIFPro divulgou que 38% dos 607 jogadores entrevistados possuíam depressão em algum estágio. A entidade também calculou que atletas que tiveram três ou mais lesões sérias na carreira corriam 2 a 4 vezes mais risco de ter problemas de saúde mental.

Esse foi o caso de Ronaldo Fenômeno, por exemplo. Ele teve a doença entre 1999 e 2002, quando lidava com uma grave lesão no joelho. Vale lembrar que Matheusinho demorou a estrear pelo clube israelense por causa de lesão na coxa direita.

Não é frescura

Segundo reportagem do portal Superesportes, a equipe de Matheusinho “tem tentado, insistentemente, a liberação para que parentes do jovem possam viajar ao país do Oriente Médio, mas, desde sua negociação, isso não ocorreu”. Então, há uma tentativa de finalizar o contrato de Matheusinho, para que o jogador volte ao Brasil ainda neste ano. O América, clube anterior do atleta, postou uma mensagem de apoio nas redes sociais.

A depressão no meio do esporte ainda representa grande tabu, e para Ariel, “essa conjuntura se deve muito ao pensamento de que depressão, ansiedade e outros problemas são frescura”.

“É importante que os clubes pensem na psicologia não como um gasto, mas como um investimento que pode prevenir muitos casos como esse de depressão, e também auxiliar no desempenho dos atletas no esporte”, finaliza o psicólogo Ariel Murlik.

Edição: Giovanna Fávero
Beatriz Kalil Othero[email protected]

Jornalista formada pela UFMG, escreve para o BHAZ desde 2020, e atualmente, é redatora e fotógrafa do Portal. Participou de reportagens premiadas pela CDL/BH em 2021 e 2022, e pela Rede de Rádios Universitárias do Brasil em 2020.

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