Ex-PM desabafa sobre rotina de assédio e ‘punições veladas’ em Minas

Bruna Celle
Bruna ‘pediu baixa’ depois de sete anos na corporação (Reprodução/@bruna_celle/Instagram)

Bruna Celle, ex-policial militar em Minas Gerais, usou as redes sociais para desabafar sobre os anos de assédio que sofreu por parte de colegas dentro da corporação. Ela foi motivada a expor a situação depois da morte da escrivã Rafaela Drummond, da Polícia Civil do estado.

Em um vídeo publicado no Instagram, Celle contou sobre como parte dos policiais com quem convivia transformaram o sonho e a carreira dela “em um verdadeiro pesadelo”. Há cerca de dois meses, ela “pediu baixa” da Polícia Militar depois de sete anos na corporação.

A ex-PM, lotada em Barbacena, no Campo das Vertentes, conta que os colegas “criaram expectativas” quando ela chegou ao pelotão, já que era solteira. Ela começou a ser assediada pelos colegas, mas nunca cedeu às investidas e acabou sofrendo ainda mais pressão por causa disso.

Punição velada

Bruna Celle diz que começou a receber “punições veladas” dentro da PM por resistir ao assédio, sendo prejudicada nas escalas de trabalho. Como ela morava a cerca de duas horas e meia de onde trabalhava, houve dias em que ela não conseguia voltar para casa para ver a própria filha.

Ela também recebia várias comunicações disciplinares, e 15 processos administrativos foram abertos contra ela ao longo dos sete anos na corporação.

“Ficou muito claro que era uma perseguição, e eu tive que contratar uma assessoria jurídica para me ajudar nas defesas. Me chamavam de insubordinada, comecei a ser apelidada de ‘sapatão’ porque não cedia às investidas”, desabafa.

Saúde mental

A ex-PM começou a ter crises de pânico e acabou desenvolvendo um quadro de depressão. “Queria ficar só deitada, não conseguia dormir. Comecei a não ver saída mais. Eu pensava: ‘eu passei no concurso, é direito meu estar ali, não pode ser assim'”, diz.

Bruna Celle buscou tratamento psicológico e psiquiátrico, além de receber muito apoio da família e do noivo. Ela também diz que convivia com pessoas boas dentro da Polícia Militar, mas que elas não tinham poder para mudar a situação.

Quando ela procurou o tratamento psicológico dentro da própria corporação, ainda segundo o relato, o sigilo foi quebrado e as informações que ela confidenciou aos profissionais vazaram.

“Minha vida virou uma bagunça, eu não tinha rotina pra dormir, não conseguia comer. Até o dia em que decidi que ia sair, mas só depois de arquivar todos os processos, porque era uma questão de honra”, relata. Depois que Bruna decidiu sair, a saúde mental começou a melhorar.

“Imagina saber que vai trabalhar com uma pessoa que ia passar a noite inteira dando em cima de você, falando desaforos. Foi a melhor coisa que eu fiz. Existe vida aqui fora. A nossa tranquilidade nada paga”, finaliza.

O que diz a PM?

Procurada pelo BHAZ a respeito das denúncias de Bruna Celle, a Polícia Militar informou que “foram instaurados dois procedimentos para apuração das denúncias com o objetivo de verificar a existência de crimes e transgressões disciplinares cometidos pelo denunciado”.

De acordo com a corporação, o policial acusado pela ex-militar foi transferido de imediato para outra unidade, situada em outra cidade, com o objetivo de garantir a lisura das apurações e a proteção da vítima.

“A Instituição reitera seu compromisso com a verdade e reafirma que não coaduna com condutas que configurem assédio sexual, moral ou de preconceito, apurando com severidade todas as denúncias que aportam na corporação”, finaliza a PM em nota.

Morte de escrivã

A missa de 7º dia da escrivã Rafaela Drummond, que morreu no último fim de semana, no Campo das Vertentes, foi marcada por emoção e busca por justiça na última quinta-feira (15). Além de amigos e familiares, também estiveram presentes na cerimônia, realizada em Barbacena, colegas de profissão e representantes de entidades da categoria policial.

Na cerimônia, que aconteceu na Paróquia do Bom Pastor, o pai de Rafaela entrou com um cartaz em que pede “dignidade para todas as mulheres”. O quadro de efetivos da Polícia Civil da cidade esteve na frente da igreja para pedir “justiça por Rafaela”.

Adriano Bandeira, presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), cobrou atenção, por parte dos governos Estadual e Federal, para a saúde mental dos policiais. “Só vamos resolver o problema do adoecimento da polícia, do assédio moral, do assédio sexual, que causa problemas como esse, se estivermos juntos: estado, policiais e representativo de policiais”, acrescentou.

Polícia investiga a morte

A Polícia Civil de Minas Gerais instaurou inquérito que investiga a morte de Rafaela Drummond. O corpo da escrivã de 31 anos foi encontrado pelos pais na cidade de Antônio Carlos, a 51 km de onde trabalhava.

O caso foi registrado como suicídio. A profissional relatava ter sido vítima de assédio no ambiente de trabalho. Vídeo gravado pela própria policial mostra ela sendo xingada na delegacia em que atuava por um homem.

O Sindicato dos Escrivães da Polícia Civil de Minas Gerais (Sindep-MG) afirma que vem recebendo diversas denúncias de que a vítima estava sofrendo assédio moral e sexual, além de pressão no trabalho.

O sindicato afirma que cobra das autoridades um posicionamento sobre as denúncias. Além do inquérito, a Polícia Civil informou que abriu um procedimento administrativo disciplinar para investigar o caso.

Onde conseguir ajuda?

Especialistas em saúde mental reforçam a necessidade de busca por ajuda em momentos difíceis, já que todos nós estamos sujeitos a enfrentar questões que nos atordoam e causam sofrimento. Por isso, a mensagem é: você não está sozinho (a).

Ligações para o CVV (Centro de Valorização da Vida) são gratuitas em todo o país. Por meio do telefone 188, pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou que correm risco de cometer suicídio conversam com voluntários da instituição e são aconselhados. A assistência também é prestada pessoalmente, por e-mail ou chat.

  • Chat de atendimento (clique aqui)
  • Ligue 188
  • Por e-mail (clique aqui)
  • Presencialmente (veja os postos de atendimento aqui)

Além do CVV, também existem no Brasil os Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Trata-se de um serviço aberto constituído por uma equipe multiprofissional, que atua interdisciplinarmente no atendimento a pessoas com sofrimento ou transtorno mental.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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