Adeus, janeiro! Por que Minas foi palco de tantas tragédias durante este mês nos últimos anos?

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O rompimento da barragem em Brumadinho e as chuvas históricas que assolaram o estado são eventos que jamais serão esquecidos (Moisés Teodoro + Amanda Dias/BHAZ)

Janeiro já está chegando ao fim e, para boa parte dos mineiros, ele não vai deixar nenhuma saudade. Isso porque, nos últimos anos, o estado protagonizou diversas tragédias durante este mês e que jamais sairão do nosso imaginário. O rompimento da barragem B1 na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, e os inúmeros estragos provocados pelas chuvas todos os anos são apenas alguns dos episódios que abriram os olhos da população e que serão sempre associados aos sentimentos de medo e alerta.

E janeiro de 2022 não saiu ileso. Neste ano, dez pessoas morreram após uma pedreira se soltar de um cânion e atingir quatro lanchas no Lago de Furnas, em Capitólio. Outras 25 perderam a vida em decorrência das chuvas e centenas estão desabrigadas (veja abaixo).

Também neste mês, a barragem da Mina Pau Branco transbordou em Nova Lima – episódio que acarretou a morte trágica de uma família que pegou um desvio na BR-040 – e outras 30 foram classificadas em estado de alerta pelas autoridades. Mas, afinal: por que os mineiros presenciam tantos acontecimentos trágicos durante este mês? Sobre o assunto, o BHAZ consultou especialistas de diversas áreas, que garantem: não há nenhuma “maldição” sobre o estado. 

Em janeiro ‘os tigres saem’

O professor de engenharia da Unifei (Universidade Federal de Itajubá), Carlos Barreira Martinez, conta que há 45 anos presenciou uma tragédia que é nítida até hoje em sua memória: o primeiro grande acidente envolvendo barragens no Brasil, que aconteceu também no mês de janeiro.

Quando ainda era adolescente, ele morava próximo da Usina de Euclides da Cunha, em São Paulo, onde seu pai e avô trabalhavam. “O primeiro grande acidente de ruptura de barragens no Brasil foi em 19 de janeiro de 1977, em duas usinas hidrelétricas de São Paulo, e ocorreram por eventos de chuva extrema. Eu nunca vou esquecer isso porque eu estava lá no dia, eu morava nas usinas, ainda moleque”, relata o professor. 

“Em janeiro você tem uma conjunção de fatores, mas o mais sério deles é o período de chuvas intensas no Brasil. Então, sequencialmente nós vamos ter problemas em janeiro, não só em Minas, mas no Brasil inteiro. Quem trabalha no meio técnico já sabe que no mês de janeiro os ‘tigres vão sair’”, explica Carlos.

Nada de novo sob a chuva

E o impacto mais evidente do aumento das chuvas vem assolando Minas Gerais com mais força nos últimos três anos. Em 2019, o estado chegou a registrar 55 mortes em menos de uma semana e, naquele ano, o mês de janeiro se tornou o mês mais chuvoso da história da cidade desde o início da medição climatológica do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

De lá pra cá, pouca coisa mudou. De outubro de 2021 até hoje, Minas registrou 25 óbitos por conta das intensas chuvas. São mais de oito mil desabrigados e outros 48 mil desalojados em todo o estado – número 807% maior que o registrado no último período chuvoso, que termina em março. E, desta vez, um agravante: além de terem suas casas destruídas e perderem tudo de um dia para o outro, muitas famílias ainda lidam com a ameaça iminente da Covid-19, que tem na urgência dos resgates, um ambiente propício para a contaminação (o BHAZ falou mais sobre o problema aqui).

Apesar dos estragos, Wilson Fernandes, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que o que acontece é o ciclo normal das coisas: em alguns anos chove mais e, em outros, menos. O que deve ser revisto constantemente, segundo ele, é o planejamento da cidade. 

“Então você pega as séries históricas de chuva daquela época, todas as informações referentes àquela região e faz seu planejamento. E o ideal é que ele seja revisto periodicamente, pois mudam as características climáticas e também mudam os critérios de projetos”, explica ele.

Se não é surpresa, por que nada muda?

O professor Wilson ainda lembra que em grandes cidades como Belo Horizonte, uma grande parcela da população acaba se abrigando em regiões sem nenhum planejamento por não terem condições financeiras de conseguirem uma habitação melhor. 

“Boa parte da cidade não tem planejamento algum, geralmente nas áreas mais pobres, mais carentes de benfeitorias públicas. O pessoal acaba indo morar em terrenos mais baratos pelo fato de não ter infraestrutura. Certamente são regiões de maior risco de inundação”, explica.

Mesmo que o grande volume de chuva já seja esperado para o mês de janeiro todos os anos, o especialista explica que o trabalho de prevenção de todos os danos consequentes é grande, demanda tempo e, principalmente, verba. 

“Uma vez que a população já está estabelecida em uma região que inunda ou que tem cheias frequentes, qualquer obra de intervenção naquele local é muito cara, pois o problema já está posto. A urbanização se deu sem planejamento, então agora você tem que corrigir o problema de décadas”, explica ele. 

“O que se vê são pequenas obras paliativas, mas não aquela coisa de grande escala. Então basicamente porque inunda-se todo ano e não se resolve nada? É que depende da vontade política, tem a questão de ser caro e são obras de longo prazo”, acrescenta.

O ‘fantasma’ da mineração

Outro tema que assombra os mineiros nos últimos anos está eternizado no próprio nome do estado: a mineração. Em janeiro de 2019, foram 270 vidas perdidas após o rompimento da barragem B1 na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Até hoje, seis famílias ainda não tiveram a oportunidade de se despedir de seus entes queridos, que continuam desaparecidos na lama de rejeitos. O BHAZ contou a história dessas pessoas, chamadas de “joias” pelos bombeiros, nesta reportagem especial.

Os impactos ambientais do desastre também são sentidos até hoje, três anos depois da tragédia. Neste ano, uma comunidade tradicional e ribeirinha do município de São Joaquim de Bicas, na região Central do estado, teve que abandonar sua aldeia devido à cheia do Rio Paraopeba, que ainda carrega rejeitos de minério.

Também neste ano, moradores de Nova Lima passaram um tremendo sufoco depois que o sistema de drenagem da barragem da Mina Pau Branco da Vallourec transbordou, no último dia 8. Segundo os bombeiros, um dique de contenção não suportou o alto volume de chuvas e os rejeitos interditaram a BR-040, no KM 562, durante dois dias para trabalhos de limpeza.

Após análise técnica, ficou constatado neste ano que Minas Gerais tem 31 barragens de rejeito em algum nível de emergência, em relação à Política Estadual de Segurança de Barragens. Delas, mais de 20 estruturas estão no nível 1, seis em nível 2 e três em nível de emergência 3 – quando há riscos evidentes de rompimento.

‘Segurança’ é sonhar demais?

Para o professor Carlos Martinez, a atividade mineral – assim como qualquer outro exercício humano – está sujeita a falhas. O que pode e deve ser feito pelas empresas que administram as barragens é garantir que os riscos sejam minimizados o máximo possível.

“É claro que todos os anos nós vamos ter problemas. Mas existem técnicas para que possamos tentar evitá-los. Seja a construção de depósitos de materiais, a cobertura do local, a diminuição da inclinação, ou até mesmo a própria forma de construir as estruturas [das barragens] podem deixá-las mais resistentes. Mas uma coisa é certa: não existe risco zero”, explica. 

Desde o crime ambiental em Brumadinho, a legislação que regulariza as barragens avançou em pontos importantes. Mas, segundo o professor da Unifei (Universidade Federal de Itajubá), ainda há muito a ser feito para que a população mineira se sinta realmente segura.

“A lei de segurança de barragens proibiu determinados tipos de construção de barragens de mineração, como o alteamento a montante. Outra coisa que também pode ser feita é a descaracterização das barragens que estão em risco, isso significa desmontar a barragem e deixar o local próximo do que era antes”, explica.

‘O problema está na estrutura’

O BHAZ também conversou com o presidente da Assemg (Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas Gerais), João Hilário, que explicou a importância da atividade para o estado. Ele conta que Minas tem uma das maiores reservas de minério de ferro do Brasil, o que corresponde a cerca de 60% das reservas do país.

“A mineração é imprescindível, nós não temos como viver sem ela. Tudo o que estamos usando vem da mineração. As principais matérias-primas do mundo vêm da mineração. Não tem como você produzir minério sem gerar rejeitos e resíduos. Quase todas as indústrias, tudo que nós fazemos, a própria vida gera resíduos”, explica ele. 

A origem do problema também segue o padrão observado em outras indústrias: o interesse pelo lucro a qualquer custo. Com sua experiência de mercado, o engenheiro salienta que os desastres relacionados a barragens em Minas começaram a acontecer na virada do século, quando os produtos da mineração tiveram uma alta valorização. A partir disso, muitas empresas passaram a negligenciar a segurança das estruturas.

“Por que então isso aconteceu? Houve uma mudança na forma de administrar as empresas de mineração, o que nós chamamos isso de financeirização. É uma pressão econômica para que todo o grupo de técnicos executivos foquem na produção de lucro e menos na segurança. Ou seja, passa-se a utilizar tecnologias menos seguras e mais baratas”, conta João Hilário.  E a solução passa justamente pela reavaliação dessa dinâmica.

Linha do tempo

Além dos desastres relacionados à mineração e também à intensidade das chuvas, nos últimos cinco anos, Minas foi palco de outros acontecimentos isolados, mas que nem por isso devem ser esquecidos.

É o caso, por exemplo, de intoxicação da cervejaria Backer, que tirou a vida de dez pessoas e que ainda hoje tramita em 1ª instância na Justiça. Confira a linha do tempo organizada pelo BHAZ e os desdobramentos das tragédias até os dias de hoje:

Janeiro de 2022

  • Tragédia em Capitólio

No último dia 8, dez pessoas acabaram mortas durante um passeio em Capitólio, após pedras gigantes se soltarem de um cânion na represa de Furnas e atingirem quatro lanchas com turistas. Informações iniciais davam conta de que uma tromba d’água teria atingido o local e provocado o desprendimento das pedras, mas a Polícia Civil ainda investiga as causas do acidente.

Quatro dias depois do desastre, o Corpo de Bombeiros encerrou as buscas no local, após a identificação de todas as dez vítimas. Segundo a Polícia Civil, todos eram amigos ou familiares e estavam na mesma embarcação, a única que teve mortes registradas.

Em meio a diversos comentários sobre o perigo iminente do turismo no local, um médico paulista viralizou na web após uma suposta previsão sobre o acidente que deixou mortos em Capitólio. Em publicação nas redes sociais no ano de 2012, o cirurgião escreveu: “Essa pedra vai cair”. Depois de ter o palpite concretizado, o homem foi a público para explicar a observação (relembre aqui).

Janeiro de 2021

  • Chuvas

Assim como neste ano, a temporada de chuvas de 2021 foi marcada por estragos. No ano passado, 58 decretaram situação de emergência por conta do volume de chuva, segundo a Defesa Civil de Minas. Mais de 14 mil pessoas ficaram desalojadas e outras 1,6 mil, desabrigadas. Em 2021, o estado contabilizou 22 mortes por conta das chuvas.

  • Lockdown

Logo no início do ano, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) determinou o fechamento de todo comércio considerado não essencial para conter o avanço da Covid-19 na capital. A decisão foi tomada depois que Belo Horizonte atingiu 86,1% na ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), um recorde até aquele momento.

Apesar de ser o recomendado por autoridades sanitárias de todo o mundo, a medida não veio sem seus problemas. Para milhares de comerciantes, a época marcou o encerramento definitivo de trabalhos de uma vida inteira e o caminho para recuperar os estragos escondidos por trás das portas fechadas ainda é longo e árduo.

“Chegamos ao limite da Covid-19. Nós avisamos, nós tentamos avisar. Tentamos manter a cidade aberta há dez dias, quando os números ainda eram perigosos, mas nós tínhamos, pelo menos, uma expectativa de responsabilidade. O comerciante tem que se preparar porque sexta-feira nós estamos soltando um decreto voltando a cidade à estaca zero”, disse Kalil à época.

Comércios fechados e ruas vazias marcaram o começo de 2021 em Belo Horizonte (Amanda Dias/BHAZ)

Janeiro de 2020

  • Caso Backer

Logo nos primeiros dias de janeiro, moradores de Belo Horizonte começaram a apresentar problemas de saúde depois de ingerirem bebidas produzidas pela cervejaria mineira Backer. No dia 5 daquele mês, as investigações sobre o caso começaram.

Segundo o inquérito da Polícia Civil, concluído cinco meses depois, 29 pessoas foram intoxicadas e acabaram desenvolvendo uma síndrome que causa insuficiência renal aguda por conta do dietilenoglicol, substância tóxica encontrada nas bebidas que vazou de um dos tanques.

A corporação indiciou 11 pessoas por diversos crimes, como lesão corporal, contaminação e homicídio culposo. Em setembro de 2020, o MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) denunciou dez pessoas apontadas como responsáveis pela contaminação da cerveja.

Além do processo, familiares das vítimas também moveram na Justiça ações cíveis contra a empresa. Ao BHAZ, o TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) disse que o processo criminal ainda é julgado na primeira instância. O órgão encaminhou a demanda ao Fórum Laffayete, que ainda não retornou a reportagem com mais atualizações sobre o caso.

Inquérito da Polícia Civil concluiu que a substância dietilenoglicol foi vazada de um dos tanques por falha da empresa (Amanda Dias/BHAZ)
  • Chuvas históricas

Em 2020, Belo Horizonte teve o mês de janeiro mais chuvoso da história. De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o município registrou 935,2 milímetros de precipitação naquele mês, quase o triplo da média esperada para o período.

Ao menos 56 pessoas morreram em decorrência das inundações e deslizamentos de terra que ocorreram no estado. Naquele ano, 256 municípios do estado decretaram situação de emergência e quase 95 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, segundo a Defesa Civil.

Naquele ano, a avenida Tereza Cristina, em Belo Horizonte, foi tomada pelo Ribeirão Arrudas, provocando transtornos aos moradores (Amanda Dias/BHAZ)

Janeiro de 2019

  • Tragédia de Brumadinho

O dia 25 de janeiro de 2019 estará, para sempre, marcado na história de Minas Gerais. Naquela sexta-feira, as vidas de 272 pessoas foram levadas por um mar de lama que tira o sono e aterroriza centenas de mineiros até os dias de hoje (veja aqui).

O número, contabilizado pela Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Córrego do Feijão) leva em consideração as 270 pessoas mortas pela lama de rejeitos e dois bebês de mulheres que estavam grávidas. No dia 29 de dezembro do ano passado, mais uma joia foi encontrada e identificada. Com a descoberta, o número de desaparecidos caiu para seis.

Equipes do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais ainda procuram por seis joias (Amanda Dias/BHAZ)

Em denúncia oferecida pelo MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) e que tramitava na Justiça estadual desde fevereiro de 2020, dezesseis pessoas foram responsabilizadas, incluindo 11 funcionários da mineradora Vale e cinco da Tüv Süd, que assinou o laudo de estabilidade da estrutura que veio a romper e causar o desastre, espalhando lama da Vale por toda a redondeza.

Somente em setembro do ano passado, a Justiça abriu um prazo para que os réus se defendessem. Depois de um ano e 8 meses tramitando, contudo, o processo perdeu a validade em outubro de 2021. À época, os integrantes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiram, em unanimidade, que o caso não compete à Justiça de Minas, mas que deveria ser federalizado.

Em fevereiro de 2021, o Governo de Minas, a Defensoria Pública do estado, os Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais e a Vale fecharam acordo com valor econômico estimado em R$ 37,7 bilhões para reparação integral dos danos ambientais e sociais decorrentes do rompimento (confira aqui as ações de reparação promovidas pela Vale).

Janeiro de 2018

  • Surto de Febre Amarela

Janeiro de 2018 foi marcado por um grande surto de febre amarela, doença viral transmitida por meio de mosquitos infectados. O aumento no número de casos teve início em 2016 e, até 2018, foram registrados 340 óbitos em Minas em decorrência da doença.

Na época, o Governo de Minas chegou a decretar situação de emergência por 180 dias em mais de 90 municípios. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, desde aquele não há registro de óbitos ou casos de febre amarela no estado.

(Reprodução/SES-MG)

Janeiro de 2017

  • Helicóptero cai em Capitólio

Em 2017, Capitólio protagonizou mais uma tragédia, que por pouco não terminou fatalmente. No dia 22 de janeiro daquele ano, um helicóptero caiu às margens do Rio Turvo devido a um vento de cauda que teria atingido a aeronave.

Segundo o Corpo de Bombeiros, o helicóptero de propriedade particular estava ocupado por quatro tripulantes. Três tiveram ferimentos leves e foram encaminhados a um hospital em Passos.

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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